Lesoto, o reino das montanhas.

A antiga Basutolândia foi uma colônia africana do Reino Unido, após a independência passou a se chamar Lesoto. Olhando no mapa é difícil de acreditar que não foi incorporado à África do Sul, pois está dentro deste país. Um fato interessante é que praticamente toda a população é Basoto, diferente dos outros países africanos, que são constituídos por diversos grupos etno-linguísticos.

Eu estive muito próximo de visitar o Lesoto em 2009, quando iniciava minha viagem pela África. Faria sentido visitar o país, já que estava explorando as fantásticas montanhas de Drakensberg, bem próximo da fronteira do Lesoto. Mas existia um problema, o Lesoto exige visto para turistas brasileiros e não pode ser feito na fronteira. É preciso ir até uma embaixada (Durban) e aguardar alguns dias. Na época eu fiquei muito bravo, tinha conseguido carona para ir para a Namíbia e tinha que encontrar com eles em Joanesburgo em poucos dias, portanto não daria tempo. Cheguei a ironizar o Lesoto no meu livro “De cape Town a Muscat: Uma aventura pela África”, onde chamei o país de “Poderoso reino do Lesoto”.  Peço desculpas publicamente. Não era para eu ter ido. A maioria dos turistas parte da África do Sul e vão até o Sani Pass, o belo passe nas montanhas que divide os dois países. No máximo fazem uma caminhada ou tomam uma cerveja no “Bar mais alto da África”. Teria sido pouco, hoje eu reconheço. O mais justo seria eu ter mencionado o país como “O belo reino do Lesoto”!

Quase oito anos se passaram e eu estava aterrissando em Maseru, a pequena capital do Lesoto. O aeroporto fica um pouco afastado, região rural eu diria, e não tem movimento algum. Algumas vans privadas faziam o transfer até o centro da cidade, mas a preços exorbitantes (pelo menos para um mochileiro). Nada de táxi ali na frente ou ônibus. O jeito foi caminhar até a rodovia e esperar algum transporte. Achei que conseguiria uma carona, mas acabei saltando na primeira van que apareceu. Era um táxi coletivo e eu era o primeiro cliente. Passaram por diversos vilarejos, dando voltas e buzinando para recolher passageiros, até chegar a hora de seguir para Maseru. Tudo isto após uma viagem de avião Curitiba-São Paulo- Joanesburgo-Maseru, com as devidas conexões e esperas nos aeroportos. Confesso que a buzina incomodou, mas não me impediu de metralhar o cobrador com perguntas sobre o país e dia a dia dele. Estava cansado, mas feliz por estar de volta à estrada.

Maseru é pequena e com poucas atrações, fácil de caminhar pela região central, mas não queria perder tempo, pois ainda tinha uma etapa da viagem para cumprir. Fui até o estacionamento das lotações e não demorei muito para achar um “táxi” que iria até Semonkong. Interessante que no Lesoto chamam tanto táxi como lotações de “táxi”, o que gera certo problema de comunicação, pois as vezes acham que você quer um carro só para você.

A lotação estava quase cheia, então não demorou para sair. Uma estrada simples, de asfalto novo, sem nenhum buraco na pista. Já nos arredores de Maseru um visual de chapadas, com montanhas em forma de mesa, mas logo foram ficando mais altas e em outros formatos. Passamos por Roma, onde está a universidade do país e por alguns passes de montanha. A velocidade não era alta, devido às curvas, subidas, pedras que rolaram para a pista e algumas ovelhas que insistiam em atravessar a estrada, para desespero dos pastores. Até poucos anos o final do trajeto era em estrada de terra, mas agora todos os 120 km são asfaltados.

Semonkong é minúscula. O centrinho é basicamente formado pelo pátio de transporte, onde esporadicamente tem um ônibus, uma ou outra lotação, uma ou outra caminhonete e mais de uma dezena de cavalos. Fácil de ver que o transporte oficial da região são os cavalos e burricos.

Fui caminhando até o hotel que ficava  já nos arredores do vilarejo. Praticamente todos os homens estavam vestidos da mesma maneira. Enrolados em um cobertor (preso por um grampo), bota, e um gorro onde só fica o rosto (ou os olhos) aparente.

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Apesar de o verão estar se aproximando, na recepção do hotel me deram todas as instruções para ascender à lareira caso esfriasse muito a noite. Um quarto coletivo limpo, banheiro com água quente e tudo, num chalé estilo refugio de montanha.

Adorei caminhar pela região, observar o dia a dia dos pastores, não só no vilarejo, mas principalmente nos arredores, onde é possível ver também diversos pássaros, entre eles águias e Íbis carecas. Casas de pedra redondas se misturam com outras de telhado de zinco, completando a paisagem.

Mais próximo do hotel, uma ou outra pessoa pode se aproximar de você para se oferecer como guia ou para alugar um cavalo, mas muito longe de ser um assedio. Fácil de se localizar pela região, inclusive de encontrar o caminho para a Cachoeira Maletsuyane. A trilha é relativamente bem marcada, mas na duvida sempre existem pastores dispostos a apontar o caminho. Ao cruzar com os pastores o mais comum é escutar “Lumela…”, forma que se cumprimentam por lá. Muitas vezes entediados, ao serem abordados adoram conversar, ou pelo menos tentar, já que ao contrario das cidades, poucos falam inglês. Garantia de boas risadas.

Pastores com seus cobertores

Pastores com seus cobertores

Tinha acordado cedo para fazer a caminhada até a Cahoeira Maletsuyane, pensando que poderia fugir da chuva que muitas vezes vem no final de tarde, mas não tive sorte. O tempo ficou fechado quase todo o dia, chegou a cair uns pingos até, mas nada disto tirou a beleza da região.

Semongkong

204 metros de queda

Semongkong Semongkong

A cachoeira parece desenhada, com seus 204 metros de queda, onde o rio segue pelo cânion. Um silencio quase absoluto, somente quebrado pelo vento, passaros e pelas ovelhas. Poderia ter sido um passeio relativamente rápido, mas acabei me empolgando e seguindo pelo cânion, buscando as melhores vistas da região e gastando longos minutos sentado, somente contemplando.

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Cachoeira Maletsuyane

O Lesoto é todo montanhoso, não existem muitas estradas, portanto muitas vezes é necessário dar grandes voltas para chegar ao seu próximo destino. O transporte não é frequente e muitas vezes é melhor voltar até a capital, Maseru, do que ficar na beira da estrada, pois já passam lotados. Foi o que eu fiz. Não sabia muito bem qual caminho seguir, mas a falta de transporte ajudou. Peguei o que tinha, uma estrada secundária, atravessando o país pelo meio, num trajeto que diziam ser o mais bonito. Desta vez a lotação estava superlotada. Alem dos passageiros, malas e sacolas ocupavam qualquer espaço que pudesse estar vazio. O motorista parou para comprar um jogo de pneus, que foram devidamente acomodados dentro da van também. Caixas de pintinhos e sacos com mantimentos não poderiam faltar. Uma criança no braço de sua mãe não parava de me encarar. Tentei fazer caretas, mas a expressão dela não mudava. Um olhar fixo, que só desviava quando tentava mamar. Os seios murchos provavelmente não forneciam mais leite, mas acalmavam o bebe na longa viagem. Vez ou outra a mãe dava uma colherada de iogurte, rapidamente aceita, antes de grudar novamente no seio castigado.

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Vilarejos nas montanhas

Paisagem exuberante, muitas curvas e um sobe e desce sem parar. Passei pela represa em Mohale, onde estão construindo um grande complexo turístico. Segui em frente, atravessando o passe Mokhoabong até chegar em Thaba-Tseka. Nada de hotéis para turistas, mas sempre tem opções onde trabalhadores locais e do governo se hospedam. Para minha sorte, o café da manhã reforçado estava incluso(ovos, bacon, salsichas, batata, feijão). Mal eu sabia que passaria o dia inteiro na estrada. No mapa parecia fácil ir de Taba-Tseka até Mokhotlong, mas não é bem assim. As estradas pelas montanhas são traiçoeiras, ainda mais quando termina o asfalto. Acordei cedo e fui para o pátio de transporte. Somente uma caminhonete e um ônibus velho que iria de volta até a Capital, Maseru. Chegaram a me recomendar que eu viajasse todo o caminho de volta para pegar a estrada principal até Mokhotlong, o que duraria dois dias de viagem. Insisti se não havia nenhuma alternativa. Tentei carona na beira da estrada por uma hora, mas nem pensar em algum veículo indo naquela direção. Um senhor me confortou, dizendo que existia uma van que iria até Linakaneng, uns 50 quilômetros dali, e de lá eu poderia seguir viagem. Fiquei batendo papo e para minha surpresa chegou a tal lotação. Eu era o primeiro passageiro e temi ter que esperar horas para lotar. Mas não foi o caso. O preço da passagem é mais alto, mas saem antes de encher. Deram umas voltas pela região recolhendo pouco mais de meia dúzia de pessoas e eu pude “passear” por belas paisagens nos vilarejos entre as montanhas.

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Visual da estrada

A viagem iniciou e eu nunca iria imaginar que poderia demorar tanto. Com o final do asfalto, as diversas subidas e paradas para pegar passageiros no caminho (que lotaram a van) a viagem acabou demorando mais de três horas.  Nessas horas que vejo como a viagem depende muito da forma que sua mente esta preparada. Se você quer chegar, para fazer uma atividade ou ver algo, isto pode te irritar muito. Mas se esta tranquilo, curtindo a musica tradicional tocando no radio, batendo papo com o motorista e curtindo o visual incrível ao lado, a sensação do tempo é diferente.

Linakaneng é um amontoado de casas no meio da montanha. Destaque para a escola e o grande campo de futebol. Algumas “lojas” que vendem mantimentos e tudo que alguém pode precisar, de bota a corda. Uma van com duas pessoas dentro estava parada no patio. O motorista tinha feito contato com eles por telefone falando que eu gostaria de seguir viagem, parecia que estavam só me esperando. Deixei minha mochila para guardar lugar e pedi para esperarem para eu comprar algo para comer. O bolinho de banha, uma espécie de sonho sem recheio é a opção mais barata e fácil de encontrar. Pães caseiros também estão disponíveis, assim como salsichas.

Linakaneng

Linakaneng

Pastores em Linakaneng

Pastores em Linakaneng

Logo descobri que a lotação esperaria passageiros para sair. Incrível como em um vilarejo no meio das montanhas, o transporte só sai quando os passageiros decidem. Não tem um horário marcado, no estilo quem não estiver lá perde o único transporte do dia. Para valer a pena para o motorista, só com lotação máxima. Demorou algumas horas. Deu tempo de ver as crianças da escola cantando o hino, depois diversas musicas antes de correrem brincando para suas casas. Pastores atravessarem a cidade com seus rebanhos e cachorros. Amigos apostarem corrida a cavalo e outras cenas no dia a dia de um vilarejo de montanha. Tudo com um visual incrível atrás.

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Finalmente seguimos pela montanhas e a vantagem da van estar cheia é que não parava tanto para pegar passageiros. As curvas e subidas não deixavam a viagem fluir, mas em certo momento chegamos no asfalto novamente.

Placas para cuidar com o gelo e o perigo da neve mostravam que o Lesoto esta longe da África do imaginário coletivo. Para completar a quebra dos estereótipos, diversas placas apontando para as estações de esqui da região. Como era verão, nada de neve, mas usam as pistas para atividades como mountain bike por exemplo.

No ultimo trajeto, excelente estrada até Mokhotlong. Nem tive como escolher o hotel, pois uma chuva torrencial iniciou e peguei o primeiro que apareceu. Região muito bonita onde o turismo tem se desenvolvido rapidamente. A proximidade da fronteira com a África do sul com certeza ajuda. Diversas opções de caminhada pelas montanhas mais altas do sul da África ( Thabana Ntlenyana tem 3482 metros).

Com a chuva e altitude a temperatura despencou a noite. O único transporte até o Sani Pass é o que segue para a África do sul. Devido ao mau tempo, desisti de ficar em Sani. Caminhadas com chuva e neblina não seriam tão proveitosas. A estrada que era perfeita até a fronteira, virou de terra quando entrei na África do Sul. Um zigue-zague, onde muitas vezes tínhamos que esperar caminhonetes que traziam turistas para passar o dia no Lesoto passar para podermos fazer a curva.

Sani Pass

Sani Pass

Imigração da África do Sul feita, o transporte não segue até Underberg, a primeira cidade. Ele para num quiosque onde se espera outra van (com preço alto para a pequena distancia). Com chuva e nada de interessante acontecendo, aproveitei uma oportunidade e peguei carona com um alemão que deixava um estrangeiro por ali. Uma carona até Underberg me ajudaria bastante, mas nem acreditei quando descobri que ele estava inda para Durbam, minha próxima parada. Me deixou na porta do Hostel, dei um livro de presente para ele e fui tomar uma cerveja.

 

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Principado de Svaneti

Quando saí para meu projeto dos “Países que não existem”, sabia que passaria pela Geórgia varias vezes. Sabia também que não poderia dar a atenção devida ao país. Não seria a primeira vez. No início de 2011, quando parti de Istambul para percorrer a Rota da Seda, minha ideia inicial era de passar pela Geórgia e Armênia antes de ir para o Irã. Acabamos nos atrasando um pouco e teríamos somente duas semanas para percorrer estes países (alguns vistos da Ásia Central tem data marcada). Surgiu a possibilidade de visitarmos o Norte do Iraque e optamos por esta rota. Seria muito mais difícil voltar para para o Iraque do que para a Geórgia. Não é que eu estava certo?!

Como a Bibi não foi comigo, existe uma probabilidade bem alta de eu voltar para os Cáucasos. A região que eu mais gostei da Geórgia acabou aparecendo no roteiro meio que por acaso. Dias antes, um deslizamento de terra bem grande aconteceu na Military Highway, estrada que liga a Geórgia com o Sul da Russia. Falavam em semanas para liberar a estrada, pois até o posto de fronteira que tinha sido danificado. Com isto ia por água abaixo meu plano de visitar a Ossétia do Sul, já que o único acesso permitido é via Russia. Com esta situação, tínhamos alguns dias extras e não foi difícil escolher o destino: O antigo Principado de Svaneti, a mais alta região habitada da Europa.

Não deixa de ter uma ligação com o meu projeto, já que no passado já fez parte do Reino da Abkhazia, antes de ser anexado ao reino da Geórgia. Devido a localização estratégica, sempre foi de extrema importância. Foi protetorado dos Bizantinos para se defenderem dos persas e dos russos que temiam a invasão dos otomanos. Tão isolado que mesmo durante a URSS conseguiu preservar bastante sua tradição.

Estávamos voltando da República da Abecásia, o Marcelo iria encontrar com dois amigos em Tbilisi capital da Geórgia, e eu fiquei em Zugdidi. Sabia da infrequência do transporte publico no período da tarde. As estradas, apesar das ultimas reformas, ainda são lentas e cheias de curvas. Parei no pequeno patio de ônibus e me informaram que quando chegassem mais passageiros sairia. Estava com uma cara que demoraria horas e resolvi comer alguma coisa. Me deliciava com mais um prato tipico da região quando vi uma marshrutka (lotação) parando na frente do patio onde funcionava a “rodoviária”. Sai correndo a tempo de embarcar sentido Mestia, “capital” de Svaneti.

Caminho para Mestia

Caminho para Mestia

Não demorou muito e começamos a subida. A paisagem foi mudando, curvas e mais curvas, penhascos e lagos. Foram horas de viagem, mas poderiam ser dias que não reclamaria. Cabeça encostada na janela, vendo a paisagem incrível passar como se fosse a televisão da vida real. Só tirei o sorriso do rosto quando percebi que o motorista estava bêbado. Numa das nossas paradas ele tomou mais duas garrafas de cerveja, o que me deixou preocupado. Cheguei a pensar em pegar carona, mas o final de tarde se aproximava e a estrada não tinha movimento. As curvas aumentaram, mas nosso “piloto” parecia saber o que estava fazendo. Horas mais para frente, paramos para ajudar a tirar um sofá de cima de uma caminhonete e entregar para uma família. Muito contentes com minha ajuda, já me convidaram para comer e beber. O vinho rolava solto, mas para meu desespero a bebida preferida do motorista era o Chacha, uma vodka feita de uva, tipo uma grappa. Como não adiantava intervir, achei melhor relaxar, ou melhor, beber para relaxar. A “festa” de ultima hora parecia não acabar e acabei seguindo um uma outra lotação que passou por ali. Começava a anoitecer, a paisagem de montanha continuava incrível, e as primeiras torres de vigia dos Svaneti começaram a aparecer.

Mestia - Geórgia

Mestia com suas torres

A pequena Mestia funciona como a capital da região. Até que tem uma boa estrutura turística (mais que imaginava/queria), com hotéis e um ou outro restaurante onde o pessoal fica tomando cerveja e escutando musica no final da tarde. Muitos homestays onde as famílias fazem um dinheirinho extra alugando os quartos das suas casas. Alias, muitas destas casas já são verdadeiras pousadas, cheias de estrangeiros. Eu paguei 25 Lari, cerca de 10 euros para um quarto privado, com direito a café da manhã e jantar (bem servidos!).

Arredores de Mestia

Arredores de Mestia

Caminhadas

Caminhadas

O fato de ter ficado isolada nas montanhas por tanto tempo, preservou a cultura Svaneti. Eles tem uma língua própria, bem diferente do georgiano. As roupas, comidas e costumes também são diferentes. A partir de Mestia tem uma serie de passeios e trekkings para fazer. Algumas igrejinhas super antigas, um museu etnográfico mas a cultura e visual da região que são a grande atração. Cercada de montanhas, algumas delas nevadas e com diversas torres defensivas (construídas entre os seculos 9 e 12). Fiz uma caminhada até o Glacial Chalati, passando por outras belas paisagens. Não foi difícil conseguir carona na volta, e nem fiquei surpreso quando me convidaram para beber. Beber parece ser um esporte nacional por aqui também!

Glaciar

Glaciar

Foram dias gostosos mas ainda não tinha terminado a minha jornada por Svaneti. Um pouco ao sul de Mestia fica Ushguli, quatro pequenos vilarejos com casas de pedra, cheios de torres defensivas, à sombra da maior montanha da Georgia ( Mt Shkara, 5068metros). O caminho não é fácil, umas quatro horas para percorrer menos de 50 quilômetros, mas o trajeto é fascinante. Ushguli é daqueles lugares que se pode usar qualquer tipo de elogios e superlativos, mas mesmo assim não se consegue descrever a beleza da região. Tão pouco as fotos conseguem traduzir o encanto do lugar!

Ushguli, Svaneti

Ushguli, Svaneti

Caminhei entre as vilas, visitei igrejas, monastérios e observei o dia a dia da região. As imponentes montanhas ao fundo – alem do povo em geral- davam todo um clima para o vale. Cachorros usados para pastoreio estavam por todos os lados. Alguns faziam companhia nas caminhadas, outros intimidavam quando me aproximava de alguma casa ou tentava interagir com alguém. Mais para frente vou escrever sobre as inúmeras atrações da Georgia, país com potencial turístico muito grande, mas Svaneti foi o lugar que mais gostei de todos que visitei!

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Gostaria de ter passado mais tempo nestes vilarejos, dar chance ao acaso, entrar no dia a dia local. Existem diversas casas que alugam quartos, deve ser uma experiência incrível ficar uns dias por ali. Infelizmente acabei só passando o dia. Na noite anterior soube que a fronteira com a Russia tinha sido reaberta, e apesar da lentidão, era possível atravessar. Eu já havia perdido a data de entrada para a Ossétia do Sul, mas não deixava de ser uma oportunidade de visitar algumas repúblicas do Norte do Cáucaso, que ficam no sul da Russia.

Interessante que em linha reta, se atravessasse as montanhas, eu não estava a mais de 10 km do sul da Russia (a montanha mais alta da Europa fica do outro lado da fronteira,  o Monte Elbrus, com 5642mts).  Porem a unica estrada da Georgia para a Russia é a Military Highway . Eu teria que voltar até Mestia, acordar muito antes do sol nascer para garantir espaço em uma lotação até Tbilisi e da lá pegar outra lotação, montanha acima novamente, até Kazbegi. Confesso que senti falta de ter uma das coisas mais importantes numa viagem, “Tempo”, mas compensei com muita disposição. Cansativo? Claro que sim, mas as paisagens, pessoas e experiencias faziam que eu quase não lembrasse disto!

 

Entre templos e montanhas (2005)

Quando eu visitei o Nepal, em 2005, o país ainda era um reinado. Alias o único reino hindu do mundo. Mas a situação já estava ficando complicada. Muitos diziam que o rei tinha assassinado seus familiares para chegar ao poder, e a guerrilha maoista estava tomando grande parte do país. Lembro de ver os protestos na televisão e pensar se deveria mesmo ir para lá.

Foi um voo longo. Curitiba-São Paulo- Londres (onde deu tempo de ir até um pub)- Delhi (ainda no aeroporto velho, cheio de pessoas dormindo no chão) e finalmente estava sobrevoando Katmandu. Se a palavra Katmandu já soava “exótica”, lembrava a famosa trilha hippie, ao sobrevoar a cidade com o topo de seus templos em destaque, deu aquele friozinho gostoso na barriga. Respirei fundo, e peguei um transporte até o bairro mochileiro de Thamel.

Chegando no Thamel

Chegando no Thamel

Ruas estreitas, cheio de comercio e hotéis  Lojas de equipamentos para montanhistas, pessoas vendendo haxixe em todas as esquinas. Fui andando sem destino pelos labirintos. Encontrei um hotel bacana, com um patio/jardim gostoso na entrada. Nem parecia que tinha aquele caos logo na frente. Achei o preço de 4 dólares o quarto com banheiro bom. Me surpreendi que ao não negociar, acabaram baixando para 2,70 sem eu pedir. Não entendi se ficaram com medo que eu descobrisse o preço que os outros dois hospedes estavam pagando, os se queriam que eu recomendasse o lugar. O que era certo é que com os problemas com os guerrilheiros maoistas, o turismo tinha despencado, e os preços de tudo também.

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Durbar Square

Durbar Square


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A praça principal, a Durbar Square, estava a poucas quadras da onde eu estava. Fui algumas vezes lá. Um templo ao lado do outro, adorava subir as escadas e curtir o lugar como um todo. Sempre parava alguém para bater papo. Também não estava longe do ” Kumari Ghar” ( Hanumandhoka palace) de onde esta a ” Kumari”, uma deusa viva para o Hinduísmo e alguns ramos do budismo.

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Para identificar a Deusa, utilizam o “horoscopo”, que aponta 32 atributos a uma criança. Ela é colocada em um quarto escuro para confrontar seus medos em rituais aterrorizantes, e se encontra com divindades. A verdadeira Kumari devi não vai se assustar, e após uma cerimonia para receber o espírito divino, vai ser venerada por todos. Quando ela entra na puberdade, seus dias de Deusa estão contados. Ao menstruar pela primeira vez, ela estará se tornando humana novamente.  A relação com o sangue e humanidade é muito forte, portanto nada de se cortar. Um simples sangramento também acabaria com a divindade dela, e buscariam uma nova Kumari.

Era setembro, e tive a oportunidade de participar do festival Indra Jatra, onde existe uma procissão, e a Kumari abençoa a todos os milhares de participantes, inclusive o rei.

Festa

Festival

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Lembro de ter sentido bastante o Jetlag, acordado no meio da noite e ter bagunçado bastante o fuso horário  Acordei cedo na marra, e  de ir caminhar de manha antes do comércio ter aberto.

Swayambunath, também chamado de Monkey Temple, é um complexo com uma grande estupa no topo de uma colina.  Esta estupa tem pintada os olhos de Buda, é é muito sagrada (um dos mais antigos do Nepal). Existem macacos que são considerados sagrados por ali também, por isto o nome de Monkey temple.

O domo simboliza o mundo, e os olhos o “despertar”, sabedoria e compaixão. Os 13  degraus da “torre” no topo mostram os estágios da vida espiritual, até atingir a iluminação. Subi os 365 degraus até chegar no topo da colina, onde esta o domo, conversei com muitos monges e curti o lugar.

Monkey temple

Monkey temple

Monges

Monges

vista

vista

Stupas

Stupas

Ainda no vale de Katmandu, estão outras cidades históricas, como Patan. Linda arquitetura, templos e também muito famosa por seu artesanato.

Patan Durbar

Patan Durbar

O tempo Pashupatinath esta na beira do rio Bagmati e é o principal local de adoração do Deus Shiva. Pashupatinath é a encarnação de Shiva em um Servo, portanto atua como um protetor dos animais, como o São Francisco para os cristãos.

Na verdade parece um grande parque, com vários templos e Ghats. Estes Ghats, escadarias com acesso ao rio onde fazem os rituais de cremação. Existem as escadarias onde as mulheres frequentam, outras que só a realeza, e assim vão se dividindo. Muitos Sadhus, Homens-santos hindus que abandonaram o mundo perambulam por ali.

Shadu

Shadu

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É incrível ver o Budismo e Hinduísmo lado a lado. Os Hindus acreditam que Buda é uma manifestação de Vishnu, mas não é o que os budistas pensam no bairro Boudanath. Um dos lugares mais sagrados para os budistas. Outra grande estupa com os olhos de Buda, que podem ser vista de longe, e diversas gompas (monastérios) ao redor. Muitos refugiados tibetanos moram na região, e ao caminhar pela região, era convidado para entrar nas pequenas casas e bater papo.

Boudanath

Boudanath

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Rodas de orações/Vendedores na rua

A grande altitude das montanhas formam rápidas corredeiras por todo o país, e eu decidi fazer rafting. Peguei um ônibus que ia parando na entrada e saída de cada cidade para ser revistado pelo exercito, até chegar no ponto de saída. Foi um dia inteiro encarando as corredeiras, água gelada e verdadeiras ondas que se formavam quando a corredeira batia nas pedras. Por sorte não virou nenhuma vez, foi muito divertido mas passamos um sufoco!

Rafting

Rafting

Mais um onibus pelas belas paisagens e até me acostumei com os controles do exercito. Todos deciam para apresentar os documentos muitas vezes eu só acenava para os soldados da janela. Acho que eu não tenho cara de maoista, pois muitas vezes não pediram para eu decer.

Estradas

Estradas

Cheguei em Pokhara já de noite, uma bonita cidade na beira do lago Phewa. Uma cidade relativamente estruturada para o turismo, mas novamente sem estrangeiros, o que fazia os preços despencarem. Ali é a saída para um dos trekings mais famosos do Nepal, até o acampamento base do Annapurna. Como eu pretendia ir até o Tibet, deixei para fazer um trekking em uma próxima visita ao Nepal.

Conversei com algumas pessoas, peguei uma canoa até a pequena ilha onde está o Templo Barahi. De lá consegui ir até outra margem do lago, onde segui trilhas ( e me perdi um pouco) até a Peace Pagoda, no topo da montanha.   Uma grande estupa branca, com estatua de Buda dourado, erguida para promover a paz mundial. A vista do lugar é muito bonita, pena que as nuvens cobriam as maiores montanhas ( 3 das 10 maiores montanhas do mundo estão na região).

Lago

Lago Phewa

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Templo

Peace Pagoda

Simpatia

Simpatia

Também não tive sorte quando fui até a vila de Sarankot para ver o sol nascer. Tudo estava nublado novamente. De qualquer forma não deixou de ser um passeio para conhecer melhor os arredores da cidade. Não muito longe dali está o campo refugiado de tibetanos Tashi Palkhiel, ótimo lugar para se desenvolver um sentimento anti-chines, devido ao absurdo que se vê lá. Anti-ocidente também, por se envolver em tantas gerras econômicas e se calar para outros absurdos que acontecem.

Tempo encoberto

Tempo encoberto

Curti bastante a região mas tinha que voltar para Katmandu. Novo ônibus  belas paisagens e controles do exercito e estava de volta. Consegui acertar minha viagem ao Tibet e ainda fui visitar Backtapur, uma das mais bela cidade do vale de Katmandu. A ” cidade dos devotos” é mais uma da região listada na lista da unesco, e é fácil de entender porque. Portais, templos, palácio e pagodas fazem do ambiente um lugar fantástico.

Backtapur

Backtapur

Potes

Potes

Muitos outros lugares interessantes como Changu Nayaram, os artesãos de potes em Thimi, e tantas outras coisas que acontecem entre todos estes lugares, aleatoriamente, fizeram eu adorar o país, seu povo e cultura. Mas era hora de me despedir, e já com o visto especial do Tibet no passaporte, seguia pelas estradas rumo ao norte.

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Oito dias no Tibet (2005)

Em 1950, o exército chines marchou sobre o Tibet, e não teve muitas dificuldades em anexar seu território. Os tibetanos ainda tentaram uma resistência,  mas seu destino estava traçado. Foram obrigados a assinar um acordo com a China para não serem aniquilados. Na década seguinte, quando a ocupação foi aumentando milhares de tibetanos se aventuraram pelos Himalaias, buscando refúgio nos países vizinhos. Mas não se tratava de uma simples cadeia de montanha, e a maior parte acabou morrendo pelo caminho. Os que conseguiram atravessar as fronteiras, muitas vezes tinham partes do corpo gangrenadas pelo frio e estavam muito debilitados. Dentre eles estava o jovem  que nasceu como Lhamo Thandoup, hoje sua santidade o  14 Dalai Lama, que após consultar o oráculo, também fugiu. Se organizaram, e criaram o governo do Tibet no exílio em Dharamsala-India.

Era o aniversário de 55 anos da “Libertação Tibetana” e os chineses não pareciam muito interessados em ter turistas por lá. Ainda em Katmandu-Nepal, eu tentava conseguir um visto para a região, mas não parecia algo simples. Nenhum grupo tinha sido liberado naquele ano. Depois de muita insistência  acabei conseguindo. Nada de viagem independente. Para conseguir o visto tinha que fazer parte de um grupo, e não pensei duas vezes antes de me inscrever em um tour que me levaria de Katmandu até Lhasa, capital do Tibet, atravessando a cordilheira dos himalaias por terra.

Estávamos em duas Land Cruisers, e viajamos pelas magníficas paisagens do Nepal, por curvas e mais curvas contornando montanhas, passando por vilas e pontes suspensas, com corredeiras lá em baixo. Bem mais tarde chegamos a ponte da amizade, na divisa Nepal-Tibet. Pequena burocracia e logo estávamos do outro lado, em Zhangmu. Depois seguimos para Nyalan, onde passaríamos a noite.

Tomamos uma cerveja quente em um bar de karaoke e já deu para conhecer melhor o grupo. Como em qualquer grupo, tem pessoas bacanas e outras não tão legais assim. Pelo menos estávamos em dois carros, e dava para ter uma divisão física durante o dia todo. Se na minha viagem do ano anterior tinha conhecido pessoas que estavam dando a volta ao mundo, dessa vez o contato era com pessoas que tinham até morado no Sudão, Sri Lanka, Gambia…  Se naquela época ainda existia uma barreira imaginária dos lugares que eu poderia viajar, depois dessa viagem elas desapareceram.

De Nyalan até Tingri são uns 250 km, mas claro que não é uma linha reta. Muitas curvas e sobe e desce. Passamos pelo Passe Nyalamu  ( 3800 mts) e já nos impressionamos. Não muito tempo depois chegamos ao Passe Lalung La (5050 mts). A emoção era tão grande que a dor de cabeça pela rápida acensão pouco incomodava  A vista é indescritível  com pequenas estupas de pedra no topo e bandeirinhas de orações tibetanas dando um clima para o lugar. Ainda antes de chegar em Tingri, passamos por diversos iaques  – bois peludos do Himalaia, ao lado da estrada pedregosa. Para completar no caminho ainda é possível ver o Monte Everest (8848mts), maior montanha do mundo.

Bandeiras de orações e os Himalaias

Bandeiras de orações e os Himalaias

Stupas de pedra

Stupas de pedra

As viagens são duras, carros andavam bem devagar e chacoalhavam bastante. Tínhamos mais uns 250 km para percorrer até Xigatse, passando por Latse, portanto tínhamos que sair bem cedo. Isto não era ruim, pois nos dava a flexibilidade de ir parando no caminho, visitando pequenas vilas, onde eramos convidados para tomar chá de manteiga (feito de leite de yak). Também experimentei comer tsampa, comida nacional. É uma farinha misturada com manteiga de yak, pó de queijo e chá. Altamente energético, para aguentar longas horas de trabalho naquela altitude. Lembrava das histórias do escritor Lobsang Rampa, mas a imaginação humana as vezes não tem recursos para criar situações próximas de uma realidade não vivida. Por isto é que amo as experiências!

Yak

Yak

Chá de manteiga sendo preparado

Loja de conveniências ao lado da estrada

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Acho que não chove por aqui

vilas

vilas

Shigatse é um lugar especial. Lá está o belíssimo  Monastério Tashilumpo, do Panchen Lama, com seus corredores escuros e pinturas nas paredes. O Panchen Lama é uma figura importantíssima no budismo tibetano, ele que ajuda a identificar as encarnações do Dalai Lama, e tem grande papel no ensinamento deste. Poucos dias após o novo Panchen Lama ser identificado, dez anos antes da minha visita ao local, as autoridades chinesas sequestraram ele, que tinha apenas seis anos. Instituíram uma outra pessoa no lugar, mas claro que os tibetanos não o reconheceram. Se trata do mais jovem preso político do mundo, se é que ainda está vivo.

Apesar de ser a segunda maior cidade do Tibet, tem um aspecto bem rural. O principal mercado é um ótimo lugar para ver as pessoas e os costumes em geral.

A próxima viagem até Giantse seria mais curta, cerca de 100 km. Lá está o Monastério Phalkor e a estupa Khumbum. As paisagens continuavam esplendidas, com pequenas vilas e bastante interação no caminho. Bandeiras chinesas estendidas mostravam o controle da região, controle também em postos do exercito espalhados pela estrada.

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Avenida principal

Avenida principal

Monastério

Monastério

A viagem de Gyantse até Lhasa, passando por Nagarze e Quxu e outras diversas vilas foi fantástica. Arquitetura típica e sempre com esterco secando para alimentar o fogo. Me irritei um pouco com um inglês que além de distribuir canetas, tinha levado duas bonecas barbis para dar de presente para crianças por lá. Não falei nada, mas por sorte um francês deu um sermão nele. Visão bem ocidental de achar que está ajudando, mas no fundo só quer se sentir bem. Mais dois passes incríveis  Karola (5010 m) e Kamba La (4794 m). Isto para não falar nos glaciais e no lago Yamdrok So, com suas águas verdes/azuladas de desgelo.

Glaciais

Glaciais

Lagos formados pelo desgelo

Lagos formados pelo desgelo

Casa tipica

Casa tipica

Em Lhasa  a atração mais obvia é o Potala, palácio do Dalai Lama. Belíssimo, mas transformaram em um grande museu. Segundo a norma dos chineses agora só é possível visitar no sentido contrário que os devotos costumavam peregrinar, para cortar a relação com a religião. Ainda possui as diversas salas, escadarias, mas me pareceu muito artificial, pois não há mais vida ali, parece um museu.

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Caminhando pelas ruas de Lhasa

Caminhando pelas ruas de Lhasa

Gostei muito mais de caminhar pelo mercado Barkhor ao lado do templo Jokhang. Este sim muito ativo, cheio de peregrinos. É o centro da cultura tibetana, e por isto é todo vigiado por câmeras de segurança. Os chineses sabem que lá foi palco de grandes protestos, e se novos fossem ocorrer provavelmente iniciariam ali. É emocionante ver a devoção de pessoas que viajaram dias e ficam deitando e levantando continuamente como forma de saudação. Muitos peregrinos pediam para tirar fotos comigo, queriam saber de onde eu era, isto sem saberem uma palavra em inglês!

Devoção

Devoção

Praça

Praça em frente ao Jokhang

O Monastério Sera, famoso pelos estudos filosóficos é um ótimo lugar para ver as discussões sobre budismo e desafios filosóficos. Um monge faz uma pergunta e bate palma bem forte, fazendo todo um movimento, aguardando a resposta do seu desafiado. Ali funciona universidades/internato, centro pensante, onde houve muitos monges mortos durante a ocupação chinesa.

Drepung é um monastério-universidade muito bonito, que fica nos arredores de Lhasa. Caminhava por ele refletindo sobre a minha viagem: as famílias simples que nos acolheram para um chá de manteiga, e a destruição cultural que a China estava fazendo com o Tibet. O “ainda intocado” tão perto da rápida globalização e de câmeras de segurança. O dinheiro vencendo a cultura e a tradição. Isto que ainda não tinham inaugurado a linha de trem que ligaria Lhasa ao restante da China (foi inaugurada no ano seguinte).

Desafios filosóficos

Desafios filosóficos

Monastério-Universidade

Monastério-Universidade

Quando peguei o avião para Katmandu, sobrevoando a cordilheira dos Himalaias, continuava com o mesmo pensamento. Eu tinha que conhecer o mundo antes dele se padronizar.  Se a semente da minha volta ao mundo já estava plantada, agora foi adubada e estava pronta para brotar. Mas depois dessa viagem, o roteiro seria bem diferente. Queria ir para lugares que a minha imaginação ainda não pudesse alcançar.

O pequeno país dos grandes vulcões

Aos matemáticos de plantão, segue a lógica de que no Equador estão as montanhas mais próximas do sol. Quem tiver alguma opinião contrária é só argumentar.
“Let x = polar radius =  6357 km.  Equatorial radius  = 6378 km =  6357 + 21 km
Assume also that bulge of earth surface (sea level) increases evenly between poles and the equator.
 
Everest:   36 degr N  and 8.85 km above sea level
                sea level radius =  x +  21( 90 – 36 degr.)/ 90degr = x + 12.6 
                Thus from earth’s centre   x + 12.6 + 8.85  =  x +  21.45 km
 
Chimborazo:  1.5 degr S and 6.3 km above sea level
sea level radius = x + 21(90 – 1.5 degr)/ 90 degr =  x + 20.7 
Thus from earth’s centre   x + 20.7 + 6.3    =  x +  27.00 km
 
Thus even at the first Chimborazo refugio at 4.8 km, you were already  x + 25.5 km

from the centre of the earth and 4 km further into space compared to standing on the summit of Everest !!!

Bem, de Latacunga peguei um ônibus lotado  até a pequena Zumbahua, passando por diversas vilas e bonitas paisagens. Assim que saímos do perímetro urbano, pedi para o ônibus parar e subi no teto, onde muitas vezes ficam as bagagens. Não existe melhor lugar para curtir o visual! Lá em cima estava o Pierre, um frances que faria um trajeto parecido com o meu (o chamado Quilotoa-loop). No entanto ele ia direto até Quilotoa, enquanto eu desci em Zumbahua para seguir a pé por vilas e um canion. Minha esperança era de ser convidado para ficar em alguma casa, o que não aconteceu então acabei indo (a pé) até Quilotoa.

Dentro do onibus

Em cima do onibus

Paisagens

A caminho de Quilotoa, agora a pé

O lugar é uma pequena vila, com algumas pousadas, mas praticamente nenhuma infraestrutura. A poucos metros dali fica uma das mais impressionantes atrações do Equador, a Lagoa Quilotoa, um vulcão extinto com um grande lago dentro. Lugar fantástico!! Algumas pessoas pegam um taxi de Latacunga, vem ver a lagoa e voltam, mas desta maneira perdem o grande encanto do lugar. É possível descer até o lago, tomar banho, ou dar a volta completa na cratera, que demora de 4 a 5 horas. Na pousada (8 usd incluindo 3 refeições) reencontrei o Pierre, além de fazer outras amizades, Nir, Janna, Nayra, que se tornariam ótimas companhia de viagem. Durante o jantar diversos assuntos, mas eu fui massacrado ao defender muçulmanos e falar da tranqüilidade que foi viajar em terras islâmicas. Bem, era um francês ateu, um israelense, uma libanesa cristã, uma espanhola e duas americanas. O ponto de vista deles era super unilateral, e sem conhecimento de causa (somente informação que vem na tv). Dias depois conheci um Italiano que viajava um monte, e deu risada quando eu contei da discussão. Ele disse que era perda de tempo falar com ocidentais, por mais legais que fossem, a respeito deste assunto, caso eles mesmos não tivessem  tido a experiência. Me conformei um pouco mais, pois na hora da discussão, tremi de raiva, não por causa da ignorância, mas por não me deixarem argumentar.

Lagoa Quilotoa

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A princípio queria viajar sozinho, seria mais fácil de interagir com as comunidades locais, mas o grupo se formou meio sem querer, e não seria uma má idéia ter alguém para se perder junto comigo…

Depois de ter ido novamente até a parte mais alta da cratera, nos encontramos todos e pegamos a trilha que levaria até Chugchilan. Umas 5 horas para caminhar os pouco mais de 10 km até a cidadezinha. Primeiro pela cratera, depois subindo e descendo montanhas e atravessando um grande canion e pequenas vilas.

Nir, Pierre, Janna, Nayra e eu

Na chegada em Chunchilan uma grande surpresa, uma ótima pousada, com um clima super acolhedor. Encontramos outras pessoas que estavam fazendo o caminho contrario e aproveitamos para trocar dicas. O grupo foi se unindo e estava bem divertido, todo mundo fazendo piadas.

As escolas daqui são trilíngues, ensinam espanhol, inglês e quechua, a língua nativa. Nestas vilas em geral o quechua é a primeira língua, e não tem como não pensar no assassinato cultural que o português fez no Brasil, já que quase todas as outras línguas hoje são secundárias e estão desaparecendo.

Nova caminhada, desta vez até Islivi. Mais uns 12 km, atravessando canions, montanhas e bonitas paisagens. No caminho tinha uma pequena interação, mas na maioria das vezes não passava dos “Holla, holla”. Não acho certo comparar lugares, mas caso tivesse no Paquistão ou Irã, não tenho duvidas que teriam oferecido lugares para dormir, algo para comer/beber, ou simplesmente bater um papo. Na pousada onde ficamos, estava trabalhando uma guria de Wisconsim, estado americano onde morei em 93. Muito estranho!

Usamos o mapa para não seguir o caminho marcado

Para irmos até Saquisili tínhamos somente duas opções. O ônibus das 3 da manha, ou o caminhão de leite das 9. Como queríamos chegar para o mercado de animais, madrugamos mesmo. No teto do ônibus já tinham ovelhas e porcos. O marcado inicia cedo, e as pessoas vem de todos os cantos para vender e comprar seus animais. Chegamos na área dos porcos, onde tinha um barulho ensurdecedor de porcos gigantescos gritando. A área das vacas e ovelhas estava mais calma, mas o que nos interessava mesmo eram as Lhamas. Sem contar nas pessoas, com seus costumes e trajes típicos.

Mercado de animais

Trajes típicos

As meninas seguiram viagem, pois iam para Baños, e eu Nir e Pierre ficamos para ver o mercado de artesanato e para comer alguma coisa.Não muito tempo depois seguimos para Latacunga, onde nos despedimos do Pierre, que foi para Quito, onde tinha um casamento. Eu não tinha planos muito fixos sobre o que eu iria fazer nos próximos dias, e não foi difícil do Nir me convencer a escalar o vulcão Cotopaxi.

Chegando na pousada onde ele tinha deixado sua mochila grande, encontramos a Janna e Nayra que acabaram mudando os planos delas também, aceitando o desafio do vulcão. Logo um Inglês e um argentino também se juntariam a nós. Por falar em argentino, é incrível como eles estão com o país quebrado, moeda desvalorizada, e viajam por todos os cantos da América do Sul. Não encontrei NENHUM brasileiro! Não sei se os brasileiros estão trocando de carro ou indo pra Miami…

No primeiro dia emprestamos todo o equipamento e subimos até o acampamento base. Lá demos pequenas caminhadas e testamos os grampões de caminhar no gelo e equipamentos. Bate papo (encontrei aquele italiano que mencionei aqui), sopa quente e dormir pouco depois que o sol se põe, para levantar umas onze da noite, para sair perto da meia noite.

Antes da saída já tivemos nosso primeiro desfalque. O Nir, que me convenceu a subir, passou mal e nem saiu do acampamento base. Tínhamos todos jantado juntos um dia antes, e parece que tinha algo errado com a comida. Pelo caminho outros foram desistindo, não sei se pela altitude ou pelo problema da comida. A uma certa altura, o grupo já estava bem dividido, e eu e a Nayra, que é guia de aventura nas Ilhas Canárias, fomos nos destacando na frente junto com um guia. Não dava para ver muito longe, só até o alcance das nossas lanternas, mas sabíamos que se estávamos amarrados um nos outros era porque deveria ter alguns precipícios por ali. Eu tinha uma forte dor de cabeça, e depois uma forte dor de barriga, mas fui controlando a respiração e superando. A Nayra ia forte na frente. Tínhamos a recomendação que deveríamos chegar até a rocha negra até as 7 da manha, pois a partir dali seria mais uma hora até o cume, e teríamos que voltar no máximo às 8, quando o sol do equador começaria a derreter o gelo, tornando tudo mais perigoso.

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Chegamos na tal rocha antes das 5, então tínhamos 3 horas para fazer o que normalmente se faz em uma. Acontece que a Nayra começou a passar muito mal, e quando faltavam menos de 200 metros ela não conseguia mais seguir em frente. Eu queria ir sozinho, mas o guia disse que não seria possível. Disse também que se deixássemos ela lá para buscar na volta poderia ser perigoso, já que ela estava bem mal, e inclusive com diarréia. Já que tínhamos passado dos 5700 metros, pelo menos esperamos mais algum tempo até o sol nascer para curtir o visual. Na volta pudemos observar as geleiras, os precipícios e paredões que escalamos. Como o fato de não ver as vezes torna as coisas mais fáceis! Na volta eu ia na frente, e os dois atrás. Estava caminhando e escutei um ruído, derrepende o gelo embaixo do meu pé rachou, e minha perna inteira caiu num buraco, aquelas galerias, grotas de gelo. Uma verdadeira caverna. Levei um baita susto, mas por sorte estava com meu machado de gelo bem preso, e nem foi preciso usar a corda.

Quase lá

Cheguei no acampamento base desiludido, tão perto dos 5897 metros mas sem poder chegar lá. Mas na verdade valeu o passeio, o visual e a superação. Meu ego não é tão grande assim para eu precisar desta conquista. Fica a lição maior, que nem tudo depende de nós, e na caminhada não estamos sozinhos. Poderia ter sido o contrário, e eu não gostaria de ter sido abandonado. Sempre achei um absurdo ao ler sobre montanhistas que passavam sobre cadáveres sem se comover só para atingir um cume, e colecionar mais um numero.

Boa parte do pessoal já tinha voltado para Latacunga, e nós também fomos. Tava arrebentado pela noite não dormida e por toda caminhada naquela altitude. Tomei um banho e ia seguir para Quito, onde um Couchsurfer me esperava, mas depois de irmos almoçar, o pessoal me convenceu de que eu precisava mesmo era dormir. Foi um dia revezado entre dormir, ver filme e bater papo. Só de perna para o ar.

Mas o dia da minha volta se aproximava, e fui para Quito bem cedo, antes do café da manhã ou de poder me despedir do pessoal. Chegando na rodoviária de Quito, peguei o “ligeirinho”deles (que custa 25 centavos) e fui até a casa dos Csers. Eles já estavam de saída, e eu decidi ir com eles. Fomos pra lá de Otavalo (onde tem um mercado ultra turístico) numa cachoeira.

Cpuchsurfing

Quito é uma cidade cheia de arquitetura colonial, igrejas por todos os lados. Não explorei muito a cidade, mas fui jantar no bairro badalado  El Mariscal.

Depois de viajar pelo Equador pude comprovar a facilidade que é viajar por aqui, e porque dos gringos gostarem tanto. É muito fácil, pra mim até um pouco fácil demais, faltou friozinho na barriga. E sobre os preços, um ônibus comum em Quito (não o estilo metrô) custa 5 centavos de dollar. A economia pode ser dolarizada, mas se utilizam muito as moedas (muitas destas made in Equador).

Então se você esta pensando em trocar de carro, ou ir fazer compras em Miami, pode ter certeza que uma viagem para o Equador vai ser migalha.

refeição completa, incluindo bebida