Chipre, uma ilha dividida.

A história do Chipre se confunde com a história da humanidade. Existem vestígios de que a ilha era habitada 10 mil anos atrás. Fez parte da Grécia antiga, do Império Romano, Bizantino, foi caminho e conquistado pelos Cruzados, Venezianos e passou um longo período sob domínio Otomano. Caiu nas mãos dos Britânicos, até finalmente conseguirem a independência, já nos anos 60.

A população consistia de uma maioria cipriota grega e uma minoria cipriota turca. O novo governo teve dificuldades em reger o país, muitos conflitos e crises aconteceram, até que em 74 uma junta militar deu um golpe de estado para anexar a ilha à Grécia. A Turquia reagiu imediatamente invadindo o norte da ilha para proteger os turcos cipriotas. Com o final do conflito, criou-se uma zona desmilitarizada chamada linha verde, que divide o Chipre em dois (inclusive sua capital, Nicósia). A parte sul é conhecida como República do Chipre (membro da União européia) e a norte como Republica Turca do Chipre do Norte, país de facto independente mas somente reconhecido pela Turquia.

Eu cheguei pelo aeroporto de Ercan, na parte norte da ilha, entrada considerada ilegal pela República do Chipre. Como tenho passaporte italiano, deixam atravessar para o sul (consideram toda ilha parte da União Européia) mas se tivesse com o brasileiro, poderia circular somente na parte norte (se entrar pelo sul pode ir para o norte e voltar). *Atualizando, o André foi algumas semanas depois que eu e cruzou para o sul com o passaporte brasileiro

Imigração rápida, tive que esperar pouco tempo até meu anfitrião do coushsurfing, Rif, chegar. Já tinha lido sobre a dificuldade de locomoção na parte norte da ilha, portanto foi fundamental a boa vontade do meu amigo em me levar para conhecer toda a ilha. Geograficamente situada no Oriente Médio, é um museu a céu aberto. É possível parar toda hora para visitar sítios arqueológicos. Não demorou muito para eu ver as primeiras igrejas abandonadas e destruídas. Algumas vilas , também semi abandonadas,  onde algumas casas tinham buracos de bala chamaram minha atenção. Quando os cipriotas gregos fugiram para o sul, a Turquia incentivou a ida de turcos para o norte do Chipre, pra repovoar a região. O Rif é filho de turcos, que vieram pós divisão do Chipre. Nascido no Chipre a mais de 30 anos, faz parte de um dos grandes problemas de uma possível reunificação.

Aqueduto

Aqueduto Otomano na beira da estrada

Fomos contornando a linha verde, passando por diversas bases militares e postos de controle. Logo entenderia que todos estes militares turcos acabam sendo grande parte da economia do norte da ilha. Passamos por incontáveis vilas e viajamos sentido  Famagusta, no leste da ilha. Algumas das paradas mais importantes no caminho foram as ruínas da cidade grega de Salamis, as Tumbas Reais e o monastério de St Barnabas (onde ele supostamente está sepultado), um dos lugares mais sagrados do Chipre. O Santo Barnabé é um dos apóstolos, padroeiro do Chipre.

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Salamis, antiga Cidade-Estado grega

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Tumbas Reais

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Monastério Santo Barnabé

Chegando em Famagusta, caminhamos pela cidade velha, toda murada (construída pelos venezianos), conhecemos a Othelo Tower, a catedral de St Nicholas (hoje Mesquita Lala Pasha Mustafa), e outros diversos lugares históricos. Atravessamos o porto até uma bonita praia, que fica ao lado de Varosha, cidade turística (pré-divisão) que ficava de frente para o mar, mas que hoje está parcialmente destruída e isolada, sendo uma verdadeira cidade fantasma. Pessoas pegam praia com prédios bombardeados ao fundo.

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Vista

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Antiga catedral, hoje mesquita, no estilo gótico

 

Pessoas pegando praia com uma cidade fantasma e prédios bombardeados ao fundo.

Pessoas pegando praia com uma cidade fantasma e prédios bombardeados ao fundo.

Encontramos com um amigo do Rif e fomos fazer uma das atividades preferidas da Ilha, comer. Comer está diretamente ligado com a cultura dos cipriotas turcos, e posso dizer que se come muito bem! Foi bom para fugir do calor intenso que fazia e colocar minha lista de perguntas em dia.

Aperitivo

Aperitivo

Descanso merecido e discussões interessantíssimas, pegamos estrada para o extremo norte da ilha, na Península Karpaz. Região mais isolada de todo o Chipre, somente algumas vilas, muitas delas bem tradicionais e conservadoras. Me surpreendeu ao encontrar cipriotas gregos vivendo em Dipkarpaz, uma raridade no Chipre do Norte, já que muitos fugiram para o sul abandonando suas casas. Bonitas praias, um parque nacional com jegues selvagens, o monastério do Apostolo Andreas de frente para o mar e finalmente chegamos ao cabo apostolo, no extremo norte da ilha.

Golden Beach

Golden Beach

Monastério

antigo Monastério Apostolo Andreas

Cabo Apostolo

Cabo Apostolo

Foram mais algumas horas de viagem até chegar na vila onde os pais do Rif moram. Apesar do Rif ter uma vida relativamente moderna, os pais dele são bastante conservadores. Eu brincava que o pai dele sentava na mesa como um leão – um rei da selva – que queria ser servido. Ele não falava uma palavra em inglês, no inicio me olhava com desconfiança, mas nos entendemos muito bem. A mãe se empenhava na cozinha e amigos apareceram junto com os irmãos para um longo e divertido jantar. Apesar de um clima bem seco, semi-árido, algumas arvores frutíferas davam um clima para a mesa montada do lado de fora da casa. Alias, a casa onde eles moram estava abandonada desde os conflitos nos anos 70, eles simplesmente tomaram posse do lugar, coisa muito comum em toda a região.

O "Chefe"

O “Chefe”

Os dias foram muito proveitosos, acordávamos cedo e rodávamos bastante, sempre em companhia de mais algum amigo. O calor era intenso e o sol fortíssimo. Em Girne (também chamada de Kyrenia) pude conhecer a parte mais turística do Chipre do Norte. Dezenas de hotéis, restaurantes, boates e cassinos. Wi-fi gratuito nas praças, um porto bem charmosinho com um castelo Bizantino ao lado. No topo da montanha tem um bonito monastério, Bellapais, onde tem uma ótima vista de toda a região.

Porto

Porto Girne

Monastério

Monastério Bellapais

Vista

Vista Girne

O oeste do Chipre do Norte tem uma paisagem  diferente, talvez um pouco menos árida, com grandes plantações de cítricos. Muitas igrejas, como a de São Mamas, mas a grande atração da região de Morphou (fundada pelos espartanos) é Soli, com um teatro romano e mosaicos de uma antiga basílica, onde dizem que São Marcos foi batizado. Isto sem contar na bela costa e pequenos restaurantes na beira do mar.

Mosaicos

Mosaicos em Soli

Litoral

Litoral em Morphou

A Família do Rif fazia com que me sentisse em casa. Extremamente hospitaleiros, já estava amigo até do vizinho, que produzia pães frescos para toda a vila. Depois de rodar boa parte do norte da ilha, havia chegado a hora de conhecer a capital, Nicósia, e atravessar para o sul, na República do Chipre. Nicósia é toda murada (pelos venezianos), em forma de estrela, com grandes portões de acesso.

Placa na fronteira

Placa ao lado da “fronteira, que fica no meio de Nicósia

Vinha observando muitas bandeira da RT do Chipre do Norte ao lado de bandeiras turcas, e o mesmo acontecia em Nicósia. Os mastros mais altos e bandeiras maiores, quem sabe para que os cipriotas gregos pudessem observar. A cidade é dividida por um muro e tem um ponto onde é possível atravessar, depois dos devidos controles de passaporte. Antigamente este tramite era bem mais complicado, mas desde a entrada do Chipre (sul) na União europeia, estão facilitando tudo. Mesmo os cipriotas turcos ganharam o direito de entrar na porção sul da ilha e até trabalhar lá. Que consegue provar a origem cipriota pode tirar até o tão sonhado passaporte da União Européia. O grande problema agora está com os turcos, que foram relocados para o Chipre do Norte. Eles não podem passar para o sul e são acusados de serem o motivo do Chipre estar dividido. A questão é um pouco mais complicada, no ultimo plebiscito, os próprios cipriotas gregos não aceitaram que a ilha se reunificasse, No sul, as bandeiras da Republica do Chipre estão ao lado das da Grécia.

Fronteira

Próximo à “fronteira”. Tirei a foto de longe para não ter problemas

A parte sul de Nicósia me pareceu bem mais moderna e menos interessante. Claro que valeu a pena conhecer e me perder pelas pequenas ruas, ver todas as ativas igrejas e cafés, tudo pareceu muito animado, cara de festa, principalmente próximo à avenida Macarius, área descolada da cidade.  Mas não adianta, gostei mesmo da parte norte, com um belo caravansarai (Buyuk Han -The great inn), os banhos turcos,  a imponente  Selimiye mosque além das casas Samanbace do período otomano. Até a região da moda, Dereboyu, me pareceu mais autentica que Macarius.

Bandeiras Gregas

No sul da ilha, muitas bandeiras Gregas

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Confeitarias e restaurantes bem mais caros na parte sul.

 

Marcas da guerra

Buracos de bala – marcas da guerra e de um Chipre dividido

Caravansarai

Caravansarai no Norte de Nicósia

Apesar da situação aparentemente ser mais simples do que muitos outros “países que não existem”, a divisão do Chipre não parece que se resolverá logo, principalmente por causa dos turcos que nasceram e vivem lá a tanto tempo. Os cipriotas gregos poderiam dar uma aliviada também (já que agora não querem reunificar), mas existem muito ressentimento e desconfiança dos dois lados. Quem sabe no futuro, quando a Turquia realmente ponha todas suas fichas para entrar na união européia, esta questão seja resolvida, e o Chipre volte a ser um só país.

Acordou as 2 das manha para fazer marmita

A mãe do Rif acordou cedo todos os dias para preparar café da manhã, inclusive no dia que fui embora, ás 2 das manhã

 

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Capital Persa, a cidade no deserto e a mais sagrada

Mais estrada, mais deserto, algumas montanhas onde ate hoje vivem nômades  e chegamos a Shiraz, talvez o destino mais visitado do Ira. A fama não vem da cidade em si, mas dos seus arredores, onde estão as ruínas de Persepolis, importante cidade do Império Persa, e que foi destruída por Alexandre o Grande, a mais de 2000 anos atrás. Tumbas, esculturas nas pedras, além de outras cidades ainda mais antigas completam o circuito histórico da região.

Na cidade, mesquitas, igrejas, restaurantes  jardins e bazares. Mas dois dos grandes poetas persas eram de Shiraz, e estão enterrados ali. Existe praticamente uma peregrinação nestes lugares. Pessoas os tratam como santos, e com seus livros ficam rezando ao lado da sepultura. Outros preferem ler seus poemas silenciosamente nos bonitos jardins que tem por ali.

Encontramos viajantes que tínhamos conhecido em outros lugares e alguns outros  de bicicleta (sera que virou moda viajar de bicicleta?). Então sempre tínhamos boas companhias.

Caravansarai

coleta de esmolas

Ficamos na duvida se íamos para as montanhas ou para o deserto, como já tínhamos passado um tempo nas montanhas no Curdistão Iraniano, optamos pelo deserto.

Foi uma boa esticada ate Yazd, uma cidade rodeada por desertos, bem no meio do Irã. Calor infernal, e não dava para fazer muita coisa, a não ser bem cedo ou mais no final de tarde. Ficamos num hotel estilo Caravansarai. Os caravansarais eram as hospedagens dos viajantes a centenas de anos atras. Visitamos alguns reformados, outros nem tanto. Era o que tinha quando se pensava em viajar pela rota da seda. Ótimo lugar para ficar largado, com bom restaurante, e ate uma internet decente. Encontramos nossos amigos csers de Abyaneh, além de outras pessoas bacanas.

Yazd e uma das mais antigas cidades do Irã. É o centro do Zoroastrismo, primeira religião monoteísta do mundo, e de origem persa. Visitamos um templo onde tem uma chama que esta queimando a mais de mil e quinhentos anos. Encontramos com devotos que reclamaram um pouco da situação no Irã, pelo fato de fazerem parte dessa minoria religiosa, e contaram um pouco mais de suas praticas. Alem do Irã, existem bastantes Zoroastras na Índia.  Fomos numa Torre do Silencio, local onde os corpos eram levados para serem devorados por abutres, pois conforme a doutrina, não podiam ser enterrados. Escalamos até o topo, mas hoje esta inativa.

Templo da chama zoroasra

apreciamos uma deliciosa carne de camelo

A cidade tem todo um tom marrom, e a parte velha é toda de barro. Construções bacanas, arquitetura continua fantástica  O que chama a atenção são torres para captar o vento e refrescar os ambientes. Visitamos um interessante ginásio local, onde as pessoas fazem exercício ao som de tambores e declamação de poemas persas. Encaramos uma ida ate Karanaq, antiga cidade, toda de barro, com um caravanserai ao lado. Paisagens lindas de deserto, mas o calor era tanto que a Bibi decidiu vetar a nossa ida para o Oasis, que estava planejada para os próximos dias. Se não teria a parada no oásis no meio do caminho, teríamos que ir direto ate Mashhad, nossa ultima cidade no Irã.

torres para refrescar 

ginasio local

deserto

Karanaq

Mashhad e a cidade mais sagrada do Ira, pois ali esta enterrado o Imam Reza. Existe um complexo gigantesco, com patios, museus, mesquitas e ate hospital. Mulheres tem que estar todas cobertas para entrar Teoricamente estrangeiros devem se apresentar para o departamento de assuntos internacionais, para seguir com um guia, mas nos enfiamos no meio da muvuca e fomos sozinhos mesmos. Muita devoção, choro e um lugar ainda mais bonito que esperávamos  Para ter acesso a sala onde esta sepultado o Imam Reza, homens e mulheres tem que entrar separados. Eu combinei de encontrar com a Bibi dentro de alguns minutos ali na frente, mas quando voltei ela não estava. Procurei por tudo, mas sempre voltando ao lugar combinado. Pensei que ela podia ter feito alguma amizade la dentro ou algo do tipo. Mas era estranho, pois já estava cansada, e sabia que eu não demoraria. Achava que dificilmente ela voltaria para o hotel, primeiro porque não sei se saberia o caminho, segundo porque eu estava com seus sapatos. Depois de uma hora e meia de procura e espera resolvi voltar para o hotel, já pensando em ir na policia se ela não tivesse la. Por sorte encontrei ela no meio do caminho, voltando com o pessoal para me procurar. Ela tinha se perdido la dentro e não sabia onde eu estava. Pelo menos achou o hotel!!haha

Tínhamos que pegar o visto do Turcomenistão, e deu tempo de passar no complexo outras vezes, inclusive presenciar um final de tarde muito gostoso, com a chamada das mesquitas e torres se iluminando a medida que escurecia. Encontramos com nosso cser de Kashan, pois sua família e daqui, e conversamos um monte sobre o dia a dia e costumes do Irã. Saímos para jantar (duas vezes) com o Reza, um cara que conhecemos na rua, quando ele nos ajudou a achar o endereço do nosso Cser de lá, e nos levou ate um hotel, pois acabou não dando certo. Saímos juntos duas vezes, uma delas fomos ate mais um tumulo de outro poeta famoso do Iãa, o Ferdosi, e fizemos churrasco junto com sua família ate depois da meia noite.  Na outra vez, fomos no bairro moderninho, com lojas de grife, e até porche nas rua e pessoas descoladas, a poucos quilômetros da região ultra tradicional, com mulheres todas cobertas com chador pretos. Mais uma pessoa fantástica que conhecemos.

Dentro do hotel, para saber onde fica Meca

Mais um poeta – Ferdosi

Quando chegou a hora de nos despedirmos do Irã, a Bibi começou a chorar e não parava mais. Ao ligarmos para nos despedirmos de alguns dos nossos amigos a situação piorou ainda mais. Acho que voltaremos para o Irã logo, como certeza esta entre os países que mais queremos voltar, até porque um mês é muito pouco para conhecer o país, principalmente por ter pessoas tão especiais!!!

O Irã Turístico

O Ira tem desertos, muitos desertos, mas também tem montanha. Tem neve, e estacoes de esqui. Tem praias no golfo pérsico e no Mar Cáspio  Tem cidades antigas, muito antigas, tradição  religião  Tem cidades modernas, selvas de concreto como Terha. Tem poesia, musica, festa, seja tradicional ou moderna, com muita bebida. E para completar, tem diversos povos, Persas, Curdos, Loris, Árabes  Arzebajans (…), todos da mais alta qualidade!!!

Pegar estrada no Ira e fácil e barato. Devido suas imensas reservas de petróleo, o combustível e quase de graça, e as estradas boas. Um ônibus VIP, que tem ate serviço de bordo vai te custar um dólar por hora de viagem. Se pegar um ônibus velho, sem ar condicionado e frescuras, o preço vai cair pela metade. Grande parte do centro e leste do Ira são imensos desertos, portanto as estradas são uma reta sem fim, mas com uma paisagem incrível.

De Terha fomos para o sul, passando pela religiosa e conservadora Qom, e depois para Kashan, onde já tínhamos combinado com um couchsurfer. Ele estava com jornada dupla de trabalho na fabrica de carro onde era engenheiro, portanto tínhamos a casa só para nos, e ele aparecia só de manha. Kashan foi uma grata surpresa. Sabíamos das tais casas tradicionais, mas acabamos nos surpreendendo quando visitamos! Muito bonito, interessante, sem mencionar o restante da cidade, que também e bem unica. Fomos com o nosso anfitrião numa vila próxima, onde produzem água de rosa, que e bem famosa aqui, mas bem ruim. Imaginávamos um oasis com roseiras e camponeses colhendo, mas este sim e meio propaganda enganosa. De qualquer forma valeu pelo visual e para poder ter mais contato com o nosso anfitrião. Chegaram outros csers na casa dele, bem legais, e acabamos indo juntos para Abyaneh. Uma vila num vale a uns 100 km dali, um pouco depois da usina nuclear. Casas de barro, com uma população praticamente de velhinhos. Eles falam um farsi antigo, e tem uma tradição toda peculiar. O lugar não esta nas melhores condições de conservação  mas e muito intocado. As portas tem duas formas de bater, para saber se ‘e homem ou mulher que está chegando. A vista do outro lado do vale, que e verde mesmo no meio do deserto, ‘e uma coisa espetacular. Não pensem que não conhecemos mais pessoas, que não fomos jantar, e não reencontramos depois, só não da para mencionar todas as vezes…

Casas tradicionais

Detalhes

nova geracao de Abyaneh

porta com macaneta para homens e mulheres

Esfahan era o nosso próximo destino, e com o super visual de deserto para fora da janela, nem percebiamos o tempo passar. Uma cidade super agradável, talvez a cidade grande mais gostosa do Ira. Em plena regiao arida, com suas ruas arborizadas devido ao sistema de irrigação  onde pequenos canais percorrem as laterais das ruas. Curtimos um pouco sozinhos, so conversando com os estudantes que queriam praticar inglês  e depois com nossos amigos de Teran, que foram la só para nos ver. A cidade tem pontes, palácios  Madrassas (escolas islâmicas), parques, mesquitas, igrejas, mas o centro de tudo e a praça Imam Hussein. Uma grande praca, com magnificas construções islâmicas ao seu redor. O palácio Ali Qapu, a antiga mesquita das mulheres, e a impressionante Imam Mosque. Tudo com seus mosaicos e pinturas em miniatura. Como nosso amigo era professor de arte, pudemos aproveitar ainda mais os detalhes. Os mercados estao em toda a volta da praça  e seguem por quilômetros ao norte, ate a Jameh mosque, já numa região bem menos turística.

No islamismo, alem da conduta espiritual, eles enfocam bastante na parte moral e civil, como agir na sociedade. Na sexta-feira, que e o domingo deles, acontece o Jameh, que e toda uma instrução civil, alem de rezarem e claro. Eu queria ir na mesquita neste dia, mas não ‘e autorizado para não muçulmanos  Bem, la fui eu sentar na frente da mesquita, puxar papo com pessoas do lado, e um tempo depois , na maior cara de pau, falar: “vamos?”. Estava entrando e a pessoa que organiza a entrada me barrou. Meus novos amigos advogaram a meu favor (como eu esperava), e depois de alguma argumentação so pediram para eu deixar a maquina fotografica num guarda volumes. Depois de lavar os pés e seguir o ritual de purificação  la estava eu passeando por uma das mesquitas mais bonitas do mundo, lotada de gente. Meus amigos não falavam quase nada de inglês  então era impossível traduzir o que estavam falando no “ sermão”. Mas fizeram questão de me mostrar os movimentos para quando chegasse a hora de rezar. A mesquita tem um sistema acústico impressionante, e quando todos repetem “Deus e grande, Deus e misericordioso” e algo impressionante. Os senhores mais velhos queriam me dar os seus “terços” e quando eu falava que era cristão  todos falavam: “Issa (Jesus), o profeta da paz!! Very good, very good”. Para os muçulmanos xiitas, o decimo segundo Imam, Merdim, lutar’a contra o mal na batalha do apocalipse  com  Jesus ao seu lado. Após a vitoria, Jesus reinara por um bom tempo…

sexta-feira – dia de ir pra mesquita

Ate convencemos nossos amigos de Teran em ficar um pouco mais, mas eles tinham que voltar para o seu dia a dia. Nos despedimos em mais um longo jantar, com muito bate papo.

Os melhores anfitriões do mundo!!!

Não gosto de ficar comparando países e lugares, mas uma coisa que nunca escapa de comparações e a receptividade que temos nos lugares. Isto e comum, e muitos viajantes acabam fazendo suas lista, pois esta diretamente ligado com a sensação que você vai ter do lugar. Posso afirmar que a maioria dos países  nestas listas são os mesmos.

Na Africa Oriental foi um choque. No Malawi pessoas convidando para ficarmos na casa delas, para fazer uma refeição ou pelo menos acampar no terreno. Na Tanzânia pessoas que não tinham o que jantar insistiam em dividir o almoço  Uganda, Zâmbia  a região e incrível neste sentido.

Uma coisa que ficou clara e que se um lugar e muito turístico  esta receptividade tende a ser diferente, pois muitas vezes te olham como um caixa eletrônico ambulante, enquanto em lugares muito mais pobres, vão te dar coisas, em vez de tentar te vender.

De uma forma geral, acho que poderia fazer uma tese, onde quanto mais humilde a região, melhores anfitriões eles são.

Indo mais para o norte, conhecemos outro tipo de hospitalidade, a hospitalidade árabe  Alguns apontam o passado nômade  onde todos precisavam se ajudar, como o motivo de ajudarem tanto os viajantes. Isto pode ser verdade, pois a receptividade e absurda na Somalilândia e deserto do Djibuti também.

Carros parando para te ajudar nas ruas do Emen  Comidas e caronas ao pedir informação na Jordânia  Na Síria acho que eram ainda mais legais, oferecendo ajuda mesmo quando não precisávamos.

No sudeste asiático  o Laos figura o topo da maioria das listas, mas como só fomos para lugares mais manjados e ficamos pouco tempo, para nos não alcançou esta posição  O campeão disparado foi o Mianmar, que brincávamos atingir padrões leste-africanos de hospitalidade

Voltando a tese dos Árabes,  outra grande explicação esta na religião  Os muçulmanos são ótimos anfitriões por um motivo bem simples: Deus! Esta escrito no Corão  e eles encaram uma visita como um presente de Deus (árabes cristãos são bons anfitriões  mas não chegam perto dos Árabes muçulmanos).

No topo da lista de muitos viajantes esta o Irã. Tínhamos ate um certo receio antes de vir para cá  pois nossas expectativas estavam muito altas. Mas toda uma tradição persa de conviver com diferentes culturas (Ciro fez a primeira proclamação dos direitos humanos a 2500 anos atrás), unida a religião Islâmica, pode ajudar a explicar uma nova forma de receptividade, talvez a mais incrível que já vimos.

Pessoas te convidam para a casa delas em poucos minutos de conversa, seja para almoçar  jantar ou passar a noite. O teu telefone ou e-mail vai ser questionado em segundos, e acreditem, eles vão ligar, seja para ver como vc esta, para bater um papo, mesmo que não falem nem inglês.

Se aceitar o convite, não ache que vai escapar tão fácil  Vão pedir para você ficar mais um dia, e outro. Não vão nem entender de você ir embora, te perguntando se você não tem sentimentos. Você não vai encostar na carteira, vão te pagar tudo, absolutamente tudo. Se você falar que gostou de algo, vão te dar na hora. Se não falar nada, vão te dar alguma coisa de qualquer forma. Não duvide se depois de algumas semanas de viagem pelo Irã tiver que mandar alguns kg de presentes para casa.

Tudo bem tratarem bem um hospede, mas te darem presentes de família  oferecer a melhor cama da casa, te tratarem como um rei, nos nunca tínhamos visto. Nem o barbeiro deixou eu pagar pela minha barba, para ter uma boa recordação do Irã.

Posso não querer comparar países e lugares, mas seria injusto não mencionar que o Irã redefine o termo hospitalidade, e isto não e *Taroof.

Taroof – Os iranianos são muito sofisticados, e isto também pode ser observado na educação deles. Para evitar que alguém fique numa situação constrangedora, existe um sistema chamado Taroof. Você tem que negar algumas vezes qualquer oferta, para no caso dela ser só gentileza, não comprometer a pessoa. E muito divertido, mas as vezes nos perdíamos quando era taroof ou não. Depois de negarmos uma centena de vezes perguntávamos na cara dura, e taroof ou não? haha E claro que, quando o motorista de táxi ou vendedor do mercado falavam que não precisava pagar, sabíamos que era só uma questão de insistir. Mas com tantos lugares no mundo que tentam te enganar/roubar nos preços, não deixa de ser um alivio.

O Irã moderno e a revolução

Olhamos novas revoluções acontecendo no Oriente médio  e logo se fala em democracia. Aparentemente o ocidente apoia a democracia, mas sera que e bem assim? Para quem realmente e interessante a democracia  A ditadura do Egito era apoiada pelos países ocidentais. O que os fez mudar de lado e apoiar uma “democracia”? Será que a população de muitos destes países estão lutando por democracia ou só protestando por difíceis condições de vida. Mas o mais importante e pensar, o que o povo local quer, ou  que outros países pensam que eles precisam? Nem sempre algo que for bom para um país, vai ser bom para o outro.

Pouco após a primeira guerra, o Irã se aproximou do ocidente, que estava bastante interessado nas gigantescas reservas de petróleo  O governo que foi se formar, buscava rapidamente a modernização, e era ultra repressivo.

Mohammad, um excelente advogado, foi eleito democraticamente primeiro ministro no Irã. Teoricamente isto e bom, mas não para a Inglaterra, que controlava a binacional que explorava petróleo na região  Com medo de uma renegociação de contratos, a CIA fez uma operação de dentro da embaixada americana em Teran,  depôs o primeiro ministro iraniano, e com isto os EUA passaram a poder explorar o petróleo também. Moral da historia, a democracia só e importante se for possível ter ganhos com ela. As ditaduras parecem ser interessantes pelos mesmos motivos.. Mas detalhes sobre a operação estão em  www.payk.net .

Anos passaram, novos problemas com petróleo surgiram, e o Sha (rei, mas que assumiu o poder a forca) não parecia mais ser tão importante para os Estados Unidos. Protestos surgiram, tanto do lado dos conservadores como dos que queriam reformas mais rápidas  Ayatolla Kumeinni, que estava no exílio voltou ao pais, e foi recebido  como um herói  O EUA ainda tentou mudar de lado, mas membros da embaixada foram presos e deportados, e logo se formou a republica Islâmica do Irã. A família do Sha fugiu, assim como muitas pessoas que apoiavam seu regime, mas a maioria esmagadora apoiava a teocracia que estava se formando.

O problema de uma revolução  e saber o que vai vir depois dela. O ocidente esta apoiando a revolução na Libia, mas o governo que vai se formar, pode gerar ainda mais problemas. A revolução Islâmica foi apoiada no Irã pois o povo é profundamente religioso, mas as regras e sistema de governo e muito rígidos e duro. Uma coisa e seguir algo porque você acredita que e certo, outra por imposição.

Chegamos a pensar em nem ir para Teerã  O Irã parecia grande demais, com tantas coisas interessantes para gastar tempo lá. Mas como tínhamos novos amigos lá, e tínhamos que dar entrada no visto do Turcomenistão, decidimos passar por lá. Apesar de não ser nosso maior interesse, não deixa de ser interessante ver como uma grande metrópole reagiu com as regras de uma republica islâmica.

A cidade e gigantesca, cheia de auto pistas, anéis e engarrafamentos quilométricos. É uma São Paulo, ou Los Angeles. Como não poderia ser diferente, a maioria dos iranianos modernos moram aqui (na verdade os mais modernos fugiram do pais). Mulheres usam calcas capri e lenços coloridos, que só cobrem o rabo de cavalo. Todas na moda, cheio de estilo. Tivemos a oportunidade de conviver mais com a personalidade de dentro de casa destes iranianos. Nada de véu  e muita bebida alcoólica  Vocês acham que só porque e proibido eles não bebem? Bebem regularmente, algumas vezes por semana. A maior parte do tempo passamos dentro de casa, batendo papo sobre a historia e dia a dia no Irã. Nossos anfitriões eram diretor de cinema, professor de arte, com amigos empresários  Papo de qualidade, quase sempre se estendia ate quase de manhã.

amigos

Um dia fomos numa festa, na casa de final de semana, que ficava nas montanhas ao norte da cidade. Muitos amigos, musica, Dj, comidas e claro, muita vodka, wiskey…

As mulheres chegavam todas cobertas, iam para um quarto e voltavam de saia, regata como em qualquer lugar do mundo. Apesar de algumas musicas estrangeiras, a maioria era musica iraniana. O estilo das danças também variavam, e muitas vezes eram bem sensuais. Todos reclamavam do sistema, e uma jovem universitária afirmava que estava se preparando para experimentar álcool e homem. Haha achei engraçado o “experimentar homem”. Mas não sejam maliciosos, praticamente todas ainda casam virgens. O experimentar e ter um namorado.

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Já tínhamos visto muitos iranianos tocando instrumentos musicais nas ruas, e quando vimos, a festa deu uma reviravolta, e estavam todos tocando instrumentos típicos e cantando com empolgação.

Livros de poetas persas como Saadi, Hafes, Ferdosi, talvez sejam mais famosos que o próprio Corão no Ira. Não estranhamos tanto assim quando passaram a declamar os poemas cantando. A festa tava no seu auge, quando inicia um corre-corre. A policia tinha chegado no portão  e as mulheres voavam para trocar de roupa e colocar seus lenços.  Todos falavam tanto para não nos preocuparmos que percebemos que a coisa podia ser seria. Mas nada que eles não tivessem acostumados. Disseram que a policia sempre passa para pegar um dinheiro. Neste dia pegaram 100 dólares  e deram 15 minutos para terminar a festa. Voltando para casa, descobrimos que um dos amigos deles tinha sido preso com 7 garrafas de wiskey. Sua pena era de 6 meses de prisão e uma porcão de chibatadas. Pagou 3 mil dólares e foi liberado. Lugar perigoso para brincar com a lei, não?!

Jantares

Saímos também para ver museu, arquitetura, mas como outras regiões do pais são muito mais interessantes, nos concentramos no dia a dia mesmo. Comidas e sorvetes típicos, jantares, festas e muito bate papo. Acabamos ficando na cidade muito mais tempo que imaginávamos  e não nos deixavam ir embora.

Claro que a região norte da cidade, a mais rica e moderna, e totalmente contra o governo. Mas eles mesmos falavam que a oposição não e tão grande assim, provavelmente menos de 10% da população  Como o povo e muito religioso  eles conseguem fazer um controle e manipulação muito forte sobre as pessoas, dizendo o que e certo e errado. Tipo, não proteste pois você esta indo contra Deus. O Ayatolla e o representante dos Imams na terra, seria como o Papa para os Católicos.  Se lembrarmos um pouco da idade media da para imaginar o que acontece quando politica e religião se misturam.

No inicio do ano tiveram novos protestos, que a oposição tentou chamar de “movimento verde”. A verdade e que muito poucas pessoas apoiam a oposição,  que já esteve no poder antes e não era nada melhor. As pessoas que foram para as ruas estavam protestando contra o sistema, mas sem ter uma opção.  Podem trocar de presidente quantas vezes quiserem, pois vai ser só mais um marionete.

O poder econômico do Irã na região só aumentou após as invasões americanas do Afeganistão e Iraque. No dia em que os EUA anunciaram a data de retirada das tropas do Iraque, lá estava um ministro do Irã para fechar negócios com o seu antigo inimigo eterno. Se o mundo árabe balançou nos últimos meses, o persa parece estar ainda bem firme.