Vizinhos esquecidos?!

Quando se fala em América do Sul, muitas vezes nem lembramos dos nossos vizinhos do norte. Não mencionamos que no nosso continente o inglês, holandês e francês também são línguas oficiais. São países isolados do resto da America do Sul, tendo maior ligação com o países caribenhos. No caso do Suriname, nem estrada pela fronteira terrestre existe. Já a Guiana francesa é território francês até hoje, onde regem leis francesas, além do euro. Este isolamento geográfico/linguístico/cultural acaba sendo um grande atrativo!

Próximo destino

Guianas

De Georgetown fui seguindo pela estrada litorânea, parando em alguns postos policiais para controle de passaporte, em algumas pequenas cidades para comprarmos comida em feiras,  até chegamos a Corriverton, na margem do rio Corentyne, onde carimbei a saída da Guiana e aguardei o ferry para atravessar para o Suriname.  Uma senhora tentava carregar uma mala gigante e me pediu para ajudar. Antes de passar na imigração fiz questão de avisar que só estava ajudando, deu aquele medo de estar cheia de ouro, diamantes ou drogas. Quando acomodei a mala no ferry ela queria me pagar pelo serviço, e quando recusei, queria me pagar algo para beber de qualquer maneira. Não aceitei, mas fui conversando com ela e outros passageiros que viajam com bastante frequência nesta rota, levando mercadorias para vender de um lado e outro da fronteira.

Arredores de Nova Amsterdã - Guiana

Arredores de Nova Amsterdã – Guiana

Chegando no Suriname

Chegando no Suriname

A viagem não foi longa e logo depois estávamos formando longas filas para passar na imigração do Suriname. O equipamento utilizado e leitores de passaportes eram bem mais modernos comparados com os das fronteiras anteriores, o que agilizou um pouco, apesar do grande número de pessoas e carros.

Do outro lado vans esperavam os passageiros para levarem até Paramaribo. É possível inclusive deixar agendado o trajeto inteiro, sem ter que se preocupar se terá transporte na chegada. A imigração fica num local bem isolado, na beira do rio. Não existe uma cidade ou vila que ofereça infraestrutura para o local. Até deve ser possível atravessar sem o ferry, buscando um pequeno barco, mas acredito que terá problemas para conseguir seguir viagem depois.

Uma pequena estrada, de boa qualidade, ia beirando plantações com dutos e sistema de irrigação, que facilmente lembravam o interior da Ásia. Nas primeiras paradas já deu para perceber que se tratava de um país bem mais desenvolvido que a Guiana. Se na Guiana era fácil ver a influência dos imigrantes indianos, agora era a vez de ver muitos indonésios, com seus “warungs” (restaurantes) espalhados por todos os lados. Aproveitei para pegar um nasi goreng e matar a saudades da comida de lá também. Ainda é possível ver a influencia de indianos, mas no Suriname eles tem uma porção menor da sociedade. Javaneses  e chineses dividem a influência asiática, enquanto os negros completam a sociedade.

Canais e plantações no interior

Canais e plantações no interior

A chegada em Paramaribo foi uma grata surpresa. Sabia que era patrimônio da Unesco, mas me surpreendi com a cidade. Muito charmosa, organizada e limpa. Toda uma arquitetura holandesa, com este caldeirão de raças e culturas, tudo isto na América do Sul.

Fiquei numa pousada que era um casarão antigo, em uma rua que facilmente poderia confundir com algum bairro de Amsterdã. Da janela do meu quarto dava para avistar a bela catedral, toda em estrutura de madeira. A cidade estava viva, com shows a noite, corais de Natal. Uma cidade muito tranquila e segura, onde é possível caminhar a noite sem nenhum problema.

Se é de origem holandesa, nada melhor que explorar a cidade de bicicleta, que são facilmente alugadas. Fácil de percorrer a cidade, é possível inclusive colocar num barco e ir ao outro lado do rio, onde tem florestas e clima menos urbano. Dentre os diversos cassinos, você vai encontrar uma imponente Sinagoga, do seculo 18, bem ao lado da Mesquita. Já é possível encontrar um número bem maior de turistas, grande parte europeus, muitos deles somente de passagem para visitar as tão faladas e preservadas florestas do interior. Aldeias indígenas e vilas Maroons (espécie de Quilombos) também estão no circuito turístico.

Sinagoga e Mesquita

Sinagoga e Mesquita são vizinhas em Parbo

Se a cidade sendo mais organizada e rica que Georgetown, perde um pouco em vida. provavelmente menos musical também. Por outro lado ganha muito mais opções de comida também. O calor continuava grudento, mas além de sucos tinha o Dawat para refrescar, feito com água de coco misturado com grosélia.

Para pegar transporte para a Guiana Francesa, tentei os táxis coletivos que ficam na frente do movimentado mercado público. Não adiantou chegar cedo, pois demorou para chegar outros passageiros. Fiquei conversando com os motoristas e pedindo para eles me ensinarem Sranan Togo, língua bastante falada, junto com o holandês. Outras línguas menos faladas são o  inglês, hindi, urdu, maroon, mandarin, linguas indigenas…

A viagem até Albina foi tranquila, por várias paisagens rurais. Quer dizer, houveram algumas paradas de emergência, pois acho que abusei da comida de rua e pimenta, mas nada que não tenha valido a pena. Albina não é uma cidade agradável, clima meio pesado, de cidade de fronteira. Dezenas de pessoas querendo pegar a tua mochila e te levar até uma das canoas que faz a travessia. Grande parte das pessoas que estão ali atravessam de forma ilegal, pois ficam só do outro lado do rio e retornam. Eu passei pela imigração, local um pouco mais afastado e bem mais calmo, e peguei uma canoa para St Laurent du Maroni, do outro lado do rio Maroni.

St - Tecnicamente na França

St Laurente du Maroni – Tecnicamente na França

Somente eu no pequeno posto de imigração. O oficial, como todo bom francês, não falava inglês, ou pelo menos fingia que não. Tentei jogar umas poucas palavra de francês soltas, misturadas com portunhol, para descobrir de onde saiam os “colectiv” para Cayenne. Mesmo tento entrado na França, o clima da cidade também não era dos melhores. Caminhei até o local onde chegavam todas as canoas com o pessoal que não passava pela imigração, e encontrei uma van que sairia quando lotada. Tinham somente dois índios do Amapá, que diziam ser brasileiros, mas falavam um português um pouco melhor que meu francês. Viviam na Guiana Francesa a tanto tempo que nem lembravam mais. O mais velho, bêbado, dormiu a maior parte do tempo, só acordando para dar umas mordidas no pedaço de pão que estava em uma sacola. Estava muito quente, eu suava, e não tinha sinal de aparecer mais pessoas. Não existia nenhuma outra alternativa, então relaxei e fiquei batendo papo com o pessoal que fazia as travessias.

Me surpreendi quando chegaram três outros passageiros e o motorista foi saindo. Cheguei a pensar que iríamos vazios, mas ele já tinha combinado com outras pessoas e fomos buscar na casa delas. A pequena cidade tem certo estilo, com algumas construções históricas, mas nada que chame muito a atenção. Viagem no meio de florestas até Korou, cidade onde no mesmo dia de madrugada tinham lançado um foguete com o satélite Gaia. Confesso que mesmo não tendo tanto interesse em conhecer o Centro Espacial Europeu, gostaria bastante de ter visto este lançamento. Korou é um dos locais mais turísticos da Guiana Francesa. Além do Centro Espacial, ali na frente estão as famosas ilhas que funcionaram como prisão por tanto tempo, e foram imortalizadas pela história da fuga do Papillon.

De Korou até Cayenne é rapidinho. Se Georgetown e Paramaribo já eram pequenas, com menos de 300 mil habitantes, a capital da Guiana Francesa mais parece uma vila. Sua população é de 80 mil habitantes, mas seu centro é bem compacto. Alguns prédios coloniais bem cuidados e muito organizada. É possível escutar português nas ruas devido ao grande número de brasileiros que tentam a sorte por ali.

Eu fiquei em um bairro mais afastado, fazendo Couchsurfing na casa de três franceses que se mudaram para lá em busca de sossego e dos incentivos que a frança dá para quem mora neste “Território Ultra Marinho Francês.

Conversamos bastante, capricharam no jantar, tomamos vinho, já estava me sentindo em casa. Fomos para a cidade, conheci uns barzinhos e acabei aproveitando mais Cayenne do que imaginava.

Couchsurfing!

Couchsurfing!

Para viajar pelo interior seria complicado, pois os táxis coletivos praticamente só tem ligação com a capital, então exigiria idas e vindas. Mas sempre é bom contar com um pouco de sorte. Em vez de pegar o “colectiv” direto para St George, fronteira com o Brasil, resolvi pegar carona. Para garantir 6:30 já estava indo para a estrada, pois caso eu não conseguisse, ainda daria tempo de buscar um táxi coletivo. Acabei pegando carona com uma van do correio, que foi parando nas (poucas) pequenas cidades do interior da Guiana Francesa. Uma que eu estava ansioso para conhecer era Cacao, cidade de imigrantes do Laos e Vietnã. Impressionante como através dos seus colonizadores, indianos (Guiana), indonésios (Suriname) e agora laosianos e vietnamitas foram parar do outro lado do mundo!

Amazônia Francesa

Amazônia Francesa

Aproveitei para comer um delicioso croasant de chocolate em Régina antes de encarar a estrada fantasma e chuvosa até o rio Oyapoque. Acho que não encontramos nenhum carro em todo o percurso. A estrada asfaltada é boa, e corta a floresta verde. Em uma ponte vi um barco com um pescador com a camisa do flamengo. As fronteiras definitivamente não são muito respeitadas por aqui.

De carona com a Van do correio

De carona com a Van do correio

Em St George chovia torrencialmente. Decidi esperar meu amigo entregar as encomendas no correio e me deixar na imigração, que fica um pouco afastada. Depois do passaporte carimbado foi só pegar um pequeno barco para o Brasil. Passamos debaixo da moderna ponte que está pronta mas ainda não funciona, devido a problemas do lado brasileiro, é claro.

Com tempo gostaria de ter visitado o Parque Nacional do Cabo Orange, mas precisa de autorização prévia e demora algumas horas de barco. Por sorte consegui um “pirata”caminhonete que faz o transporte levando mercadorias e pessoas. O ônibus viajaria a noite toda e as notícias da estrada não eram muito animadoras. Um caminhão estava encalhado a muitas horas e não parava de chover.

Barcos em Oiapoque, com a nova ponte pronta ao fundo, mas não funcionando.

Barcos em Oiapoque, com a nova ponte pronta ao fundo, mas não funcionando.

De dia deu para aproveitar melhor a paisagem, da estrada enlamaçada que passa pelas terras indígenas de Galibi e Uaçá. Até chegar o asfalto foram longas horas de viagem, muito pior que no interior da Guiana. Talvez porque ali a temporada de chuva chegou antes. Teve um trecho de 40 km que demoramos quase duas horas para percorrer! Uma caminhonete que saiu um pouco antes que nós se perdeu em uma curva escorregadia e bateu. Mesmo quando a estrada não tem buracos, não adianta querer ir rápido. Em Macapá eu estava em casa, pois já fui várias vezes a trabalho para lá. Caminhei e jantei na beira do rio Amazonas, antes de ir para o aeroporto, cheio de idéias e sensações novas.

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Terra de muitas águas

Guyana, na língua indígena, significa “terras de muitas águas”. Um país colonizado por ingleses, onde dificilmente você vai lembrar que está na América do Sul, pelo menos na sua capital, longe das florestas. Aliás, você será desculpado caso nem lembre do nome da capital desse nosso vizinho. Porém engana-se quem pensa que brasileiros não vão para lá. Pode não ser pelo turismo, mas tem muitos brasileiros se aventurando pelas terras de muitas águas…

Como utilizei milhas, as conexões não foram das melhores. Passei um bom tempo no aeroporto de Guarulhos, antes de seguir para Boa Vista, com escala em Manaus. Cheguei já eram três da manhã. Não valeria a pena pegar um hotel, nem quis incomodar meu amigo Max, que mora lá, pois partiria logo cedo. Dormi profundamente no novo aeroporto. Um casal de neozelandeses também utilizaram o aeroporto como dormitório até o só raiar.

Peguei um táxi até o terminal de Caimbé, de onde saem os táxis coletivos para as fronteiras da Venezuela e Guiana. Comi tapioca no mesmo local onde no ano anterior tomei café da manhã antes de ir para a Venezuela, mas desta vez iria para outro país. São 125 km de estrada asfaltada até Bonfim, na fronteira com a Guiana. O táxi coletivo te leva até Lenthen, do lado da Guiana, então vale a pena, pois um ônibus comum, mais um táxi vai dar quase o mesmo preço (30 reais).

Brasileiros não precisam de visto  para a Guiana nem Suriname, mas precisam para a Guiana Francesa. Decidi viajar com meu passaporte italiano, mas um viajante comentou que teve problemas para trocar de passaporte na fronteira Guiana francesa-Suriname, então eu tentaria trocar já na saída do Brasil, mesmo que tivesse que pagar um “Tourist Card” para entrar no Suriname como italiano.

O oficial da imigração da Guina não entendeu porque eu não tinha o carimbo de saída do Brasil no passaporte italiano. Expliquei que tinha dupla nacionalidade e ele pediu para eu esperar e depois ir falar com seu superior em uma mesa. Inventei uma história de que era italiano, mas tinha nascido no Brasil, que a própria embaixada italiana recomendava que utilizasse o passaporte italiano fora do Brasil (…) e que iria para a Guiana Francesa. Ele só abanou a cabeça e com um largo sorriso disse: Welcome to Guiana! Nessas alturas o táxi já tinha me abandonado, provavelmente pela pressão dos outros passageiros, que iriam pegar um pequeno avião que estava para sair.

Passei pelos taxistas do outro lado da fronteira e parei na beira da estrada, onde acenei para o primeiro carro que passou. Um brasileiro, indo comprar pneus dentre outras coisas em Lenthen, me deu carona e contou entusiasmado de como tinha ouro fácil na Guiana. Fui em algumas lojas com ele até ele me deixar no centro, se é que existe centro nessa pequena cidade estilo velho oeste. Ele me avisava, cuidado, você vai se apaixonar. Vai trazer tua família para viver aqui. Ouro, muito ouro. Fácil de ganhar dinheiro. Expliquei que gostava de natureza, queria conhecer a cultura mas ele insistia. Em Irabuta, 560 km daqui, tem sete cachoeiras, lindas, bem do lado do garimpo…

Me despedi dele e fui trocar uns reais por guianese dolar. Logo descobri que os gdolares estão meio em falta, os garimpeiros estão segurando para manter a cotação alta. Se comprar nas lojas, vendem produtos na cotação 1 real para 100 GD, mas se for trocar por dinheiro, consegue 85 no máximo 90 por um real. Troquei somente o suficiente para chegar até a capital, Georgetown.

As “Navetes”, vans que atravessam o país até Georgetown, só saem quando lotadas e já faz algum tempo que ônibus não fazem mais esse trajeto. Tinha a esperança de arranjar outros passageiros, ou de pegar carona com um caminhão, mas logo vi que não seria tão fácil. De qualquer maneira não deixa de ser um período de “desintoxicação”  onde logo percebemos que estamos longe de casa sem nenhum controle da situação. Uma navete falou que tinha passageiros, que quem sabe sairiam antes. Acabei indo com eles, voltei para o lado brasileiro, onde fiquei esperando por horas com garimpeiros até dar o horário para sair. No final das contas foi bom entrar na viagem e escutar diversas histórias do garimpo e de vidas.

Estrada "Trans-Guiana"

Estrada “Trans-Guiana”

O transporte sai mesmo entre 17:30 e 18 horas. A pequena estrada é toda de terra e umas três horas depois para em Annai, onde existe uma armação de madeira com redes para dormir. Existem pequenas vilas ali perto e estruturas onde usam de saída para o ecoturismo na região. Conheci um suíço que estava voltando das vilas e falando maravilhas. Depois outras pessoas me falaram ser muito mais interessantes que os destinos amazônicos de Brasil-Equador-Peru. A NaGeo elegeu como um dos destinos para ecoturismo em 2014. Mas como todo lugar de difícil acesso, é bom preparar o bolso. Complicado de sair das rotas montadas para o turismo, gastasse tempo e muito dinheiro. De qualquer maneira dizem ser bem recompensador.

A parada às 21 horas é estratégica. Capotei na rede (tinha dormido a noite anterior no avião e aeroporto) até às 3 da manhã, quando pegamos estrada novamente. Mais horas de estrada, agora não mais savana e sim mata fechada da reserva de Ikorama, até a balsa que inicia a travessia às 6 da manhã. Iniciou uma chuva fina e dava para perceber que a estrada já estava bem mas molhada. Quanto mais ao norte viajávamos, mais molhada e esburacada ficava. Passamos por mineração, regiões de extração de madeira e controle de passaporte. As histórias dos garimpos sempre nos acompanhavam e não poderia ser diferente. Meus companheiros tinham marcas no corpo. Um tinha perdido o olho, outro parte da perna e haviam passado boa parte da vida procurando ouro.

"Navetes"entrando de ré na Balsa

“Navetes”entrando de ré na Balsa

Quando nos aproximamos da área urbana, já no início da tarde, uma forte chuva começou. Muitas mesquitas e templos hindus se destacavam ao lado das pequenas casas. Chegando no centro da cidade, notamos que tudo estava debaixo d’água. Pessoas andavam com botas para poder atravessar as poças e algumas ruas somente de barco mesmo. Isto que o período de chuvas ainda não tinha chegado.

Templos Hindus por todos os lados

Templos Hindus por todos os lados

A primeira impressão foi de caos, em meio a uma arquitetura inglesa, algo surreal. A navete nos deixou em uma rua bem brasileira, com anúncios de restaurantes em português, igrejas evangélicas, hotéis, anúncios de compra de ouro e prostituição.

Como chovia muito, acabei dividindo o táxi com o suíço, que ia ficar em um dos hotéis que tinha marcado para ver. Hotél simples, em cima de um bar restaurante (17 usd para duas pessoas). Nada de descanso, fui tomar banho e sair para encontrar um couchsurfer que tinha feito contato umas semanas antes. Ele tem um clube do livro em um café onde se encontram nas tardes de sábado. A chuva estava fraca, mas foi difícil chegar lá com as ruas alagadas. Ia tentando contornar as áreas alagadas, dando a volta nas quadras e foi bem complicado chegar sem se molhar.

O encontro estava no final, conversei um pouco com o grupo e depois fiquei batendo papo com o Vidya. Ele é de origem indiana, assim como metade dos guianeses. Foram trazidos pelos ingleses ainda no  século 19, grande maioria do estado de Bihar. A outra metade de guianeses é de negros, existindo uma pequena minoria de indígenas e chineses, porém pouco representativa. A sociedade e a política se dividem mesmo entre negros e indianos. Pude aprender um pouco mais sobre o país e a cultura local. Voltando para o hotel ainda tomei uma cerveja com o suíço. Após duas noites, finalmente poderia dormir bem, certo? Provavelmente, só não esperava que a música no bar em baixo do meu quarto estivesse tão alta. Mas no final das contas estava tão cansado que acabei dormindo de qualquer maneira.

Tinha me programado para visitar a Kaieteurr Falls, uma das cataratas mais incríveis do mundo. Como não dispunha dos 5 dias para ir de jipe pela estrada, tinha pesquisado sobre como ir de avião. Troquei emails com uma agencia que cobrava 130 usd. Tinha medo de não ter companhia para ir comigo, mas não reservei pois não sabia como estava a estrada do Brasil até Georgetown e se chegaria a tempo. Me falavam que demorava de 16 a 26 horas até Georgetown e não quis arriscar pagar correndo o risco de náo chegar.  Acabou que estava lotado, não tinha mais espaço no pequeno avião. Existia a possibilidade de ir em outros aviões, pagando quase o dobro, mas achei que não valia a pena. A cachoeira é linda, majestosa, mas já tinha tido a experiência de uma cachoeira isolada cercada por florestas, que foi o Salto Angel. Achei que valeria mais usar o tempo para explorar a cidade e conhecer a cultura, sem contar que com a chuva poderia não ser uma boa ideia voar naquele velho avião.

Quando a chuva dava uma trégua me aventurava pela cidade. Cheguei na catedral Anglicana de St George bem na hora da missa. A idéia era conhecer esta igreja que é uma das maiores estruturas de madeira do mundo, mas com o entusiasmo de todos que lá estavam acabei ficando. Um bonito coral,  público praticamente de negros, tirando um ou outro indiano. Vieram perguntar meu nome e me apresentaram no final da missa, contando que estava viajando por terra do Brasil até a Guiana Francesa…

Igreja St George

Igreja St George

As ruas continuavam alagadas, mas a água tinha baixado um pouco. A cidade fica no nível do mar. Os holandeses construíram muros de contenção  (mais de 400 km) no rio e no mar e por isto fica difícil da água escoar, principalmente com muita chuva e sujeira entupindo os canais. Era para o calçadão ao longo do muro de contenção estar cheio de pessoas no domingo, mas não com o mau tempo, é claro. De qualquer maneira fui conferir. Andei também pelo centro, que estava semi deserto. Só nas regiões das lojas que tinha mais movimento. O restante parecia um local meio abandonado. Muitas pessoas gostam de fazer o estilo gangster-rap americano, o que não ajudou muito neste clima geral de cidade abandonada.

Passei pelas principais construções históricas em madeira da cidade, quase todas do século 19, até chegar no mercado Stabroek, com sua torre com um relógio. Mas até o mercado não estava em total atividade, então voltaria no dia seguinte. Pena que os dois shows que aconteceriam em um parque também foram cancelados pela chuva.

Muro de contenção construído pelos holandeses

Muro de contenção construído pelos holandeses

O ritual da noite anterior se repetiu. Cerveja com o suíço e música e barulho atrapalhando meu sono. Pelo menos o final de semana tinha terminado.

Como estava viajando com o passaporte italiano, precisava providenciar o meu visto para o Suriname, que pode ser solicitado na embaixada. Fui lá, dei entrada na papelada e me entregaram a tarde. Providenciei transporte até o Suriname, que sai todos os dias entre 4h e 4:30h da manhã. Como a chuva finalmente parou pude explorar mais a cidade, comer nos pequenos restaurantes indianos, visitar os lugares que não eu tinha podido aproveitar bem com a chuva. Encontrei também muito mais sorrisos que no dia anterior. Georgetown não é uma cidade que podemos chamar de acolhedora, mas estava bem mais simpática que no domingo deserto-chuvoso-Gangsta, além de ser bastante interessante culturalmente

Stabroek Market com a Torre do relógio

Stabroek Market com a Torre do relógio

O Vidya me convidou para o lançamento de um documentário que um amigo dele fez, chamado Copyright Guyana. Foi em uma casa tradicional, toda reformada e decorada, que funciona como um centro cultural. Vários artistas estavam lá para prestigiar e discutir o assunto.   Nestas alturas o Vidya ficava mostrando para todos o livro da Rota da Seda que eu tinha dado de presente para ele.  Foi muito divertido, muitas pessoas bacanas e um cocktail caprichado.

Vidya com o Livro Rota da Seda

Vidya com o Livro Rota da Seda

Não prorroguei muito a noite, pois o transporte para o Suriname passaria me pegar às 4 da manhã. Mesmo sendo segunda-feira a musica estava alta e o bar movimentado. Definitivamente não escolhi o melhor lugar para ficar. Era o agito da cidade, aberto 24 horas por dia, com todos os tipos de pessoas. De qualquer forma, estava tão cansado que dormi pesado, acordando só com o despertador.

Aguardava uma van e me surpreendi quando descobri que o transporte até a fronteira era um carro todo “tunado”.  Entrei no carro sob o assobio de prostitutas dizendo, já vai? Não gostou da Georgetown? O pior é que eu tinha gostado, mas tinha que ir…