Montanhas, Lagos e Vulcões!!!

O ônibus para Kabale não era ruim para os padrões da África. Era alto, com três poltronas de um lado, duas do outro e sem banheiro (é claro!). Pouco antes de sairmos, um passageiro se levantou e pediu que todos orassem para que Deus iluminasse aquela viagem (a maioria do pais e crista). Nunca imaginamos o quanto aquele ato seria tao importante. Defenitivamente aquele passageiro ja tinha feito aquele trajeto. Entendemos também porque tantas pessoas recomendavam o lento ônibus do correio. O motorista seguiu a toda. No inicio a estrada estava ate boa, e nao dava para perceber tanto. Logo chegamos a partes onde estava em manutencao, e a poeira levantou. A Bibi que estava na janela sentiu bem mais. Eu dormi mas não demorei muito para acordar com o ônibus desviando de buracos e fazendo curvas em “alta” velocidade (para a condição da estrada era rápido, fisicamente falando não era). Pouco antes de amanhecer, muitas pessoas desceram, e ficamos com três poltronas para nos dois. A Bibi finalmente dormiu, e a paisagem desta região montanhosa foi ficando cada vez mais deslumbrante. A medida que íamos subindo as montanhas, o frio ia aumentando proporcionalmente a altitude. O sol foi chegando aos poucos, proporcionando uma vista magnifica. Não muito depois nos avisaram que havíamos chegado na pequena Kabale (o ônibus seguiria viagem). Descemos, a Bibi enrrolada no saco de dormir, e eu so de camiseta e cachecol, corri para abrir a mala que estava no bagageiro para me agasalhar. Tomamos um bom cafe da manha num hotel não muito longe dali. Na ida até o hotel já arranjamos transporte para o Lago Bunyonyi. No curto caminho montanhoso e empoeirado ate o lago a Bibi dormiu, e eu fiquei observando o dia começar nesta pequena região rural ao redor de Kabale. Senhoras quebravam pedras, sentadas no chão com pequenos martelos, perto de algumas pedreiras. Outras carregavam o cascalho sobre a cabeca, montanha acima e abaixo. Ao chegar no lago, optamos por pegar uma canoa, e não um barco a motor, para curtir ainda mais o clima.

Lake Bunyonyi

Lake Bunyonyi

A paisagem é algo sensacional, todas aquelas montanhas, com terraços cultivados, envolvendo o lago. Um lugar calmo, muito astral e magico. Fomos ate a ilha Buchara. Existem dois tipos de acomodação, chales e barracas. São aquelas barracas tipo exercito, já montadas, que tem cama e da para ficar em pé dentro. Achei que podia ser uma boa oportunidade para a Bibi aprender a “acampar”. De qualquer forma a qualquer momento poderíamos mudar para um chale, se necessário.

Acampando? Mais ou menos...

Acampando? Mais ou menos…

Foram dias bem relax, sem fazer muita coisa. A Bibi meditava com frequência, e eu saia para andar pela ilha, que era bem pequena. Em menos de 15 min dava a volta na ilha. As vezes dava uns mergulhos também.

OoOoooo...!!!

OoOoooo…!!!

Fomos no comentado mercado Kyevu (todos os sabados), que nao ficava muito tempo de barco a motor da Ilha Buchara. Este mercado foi de muita importância nos anos 70, época do Amin, pois e na divisa com a Ruanda, e muitas trocas de mercadorias eram realizadas. Tivemos azar que bem no dia que fomos tinha um velório ali perto, e não formaram muitas barracas por este motivo. Comemos a comida tipica deles que e uma mistura de Batata doce, um tipo de aipim, banana e feijão, tudo cozido junto, na mesma panela, e envolto de folhas de bananeira. Um porcento da população de Ruanda e de pigmeus, e alguns destes estavam lá. Parecem “hominhos”. Tentamos uma interação, mas o povo ali era “meio do mato”, e não teve muita conversa.

Comidinha caseira!

Comidinha caseira!

Kyevu market

Kyevu market

A ilha que estávamos era de propriedade da Igreja Anglicana. Alias, as igrejas cristãs são super atuantes em toda a Uganda. Na ilha tinham viajantes, mas também encontramos alguns missionários. A Bibi gostou da barraca e acabamos nem nos mudando para os chales. Todos os horários eram programados. Depois da janta se escolhia o café da manha e falava o horário que queria que fosse servido, depois do cafe, escolhíamos o almoço e o horário, e assim sucessivamente. Ha, o banho também tinha hora marcada, e vinham abastecer o recipiente do chuveiro com água (quente) com um balde.

Ainda dormimos uma noite em  Kabale e depois  seguimos pela montanhosa e empoeirada estrada para Kisoro. Como não tinha transporte local saindo regularmente, pegamos um táxi “comunitário”. O motorista coloca quantos passageiros couberem para que todos paguem menos. Sei que em certa etapa da viagem tinham 3 na frente e 4 atrás, na verdade 5, pois um passageiro estava com uma criança não muito pequena no colo. Dava para ver a cara de desespero da Bibi. Alem disto, muita poeira, buracos e paisagens exuberantes…

Kisoro e uma cidade muito empoeirada, sem muitas atrações. E ponto de partida para ver os Gorilas da Montanha do lado de Uganda. Existem diversos hotéis simples e muito baratos, do estilo que ficamos em Kabale, mas como a TPM da Bibi virou TM, tive que arranjar algo melhor. Depois de muito procurar, encontramos um lugar muito agradável, onde os proprietários nos trataram como filhos. Foi bom ficar num lugar mais estruturado, pois no dia seguinte fui subir um vulcão, e fiquei tranquilo de deixar a Bibi descansando.

Sensacao de estar em casa.

Sensação de estar em casa.

Tinha combinado com um Bodaboda de passar me pegar as 6 da manha, e este não apareceu. Sai para a cidade ainda escuro, em busca de outro transporte. Depois de um tempinho achei um motoboy que não falava uma palavra em inglês, mas aqui eles também falam Kiswahili. Negociei para ir ate o parque, e antes disto passamos no posto de gasolina, pois e claro que tava sem combustível. Fomos seguindo desviando todos aqueles buracos, e ainda a certa distancia da entrada do parque a moto quebrou. Segui a pé, andando rápido, pois se me atrasasse não deixariam eu subir o vulcão. Cheguei bem atrasado, mas viram que eu não teria problemas de completar o percurço antes de anoitecer, e liberaram minha subida. Subi eu, um guia e um guarda devidamente armado de um AK47. O parque nacional de Maharinga (Uganda) e a continuação do parc nacional des Virungas (Congo), e parc nacional des Volcans (Ruanda). São diversos vulcões que se estendem um ao lado do outro, cruzando fronteiras e se estendendo por um vasto territorio. Escolhi subir o Muhavura (4127 mts) o mais alto dos 3 vulcões deste parque da Uganda (O Pico da Neblina, mais alto do Brasil tem 2994 mts). Pra mim sempre os primeiros 30 min são os piores, depois parece que engrena. A subida e bem íngreme, e ia em zig-zag. Alguns metros para a esquerda, outros para a direita. So mais perto do cume que tivemos que circundar para chegar ao topo, e encontrar um pequeno lago na cratera. Infelizmente o tempo estava totalmente encoberto. Toda a vista dos outros vulcões e países não foi possível. Que pena!!! Fiquei com aquela sensação de quero mais, mas fazer o que. Como eu tinha subido rápido, tive mais tempo la em cima para esperar para ver se o tempo abria, mas não adiantou, não era meu dia. Iniciamos a descida com cuidado, pois escadas improvisadas tinham pregos enferrujados e estrutura suspeita. O bom e que na vinda era subida o tempo todo, e não volta só descida, sem oscilações. Chegando la embaixo olhei para cima, tamanha não foi minha surpresa ao notar que a montanha não estava mais encoberta! O parque fica numa região bem remota, e foi interessante passar por todos aqueles vilarejos. Alguns deles estavam com falta de água, e  pessoas formavam longas filas para abastecer galoes com água trazida da cidade.

No Topo!!

No Topo!!

Lago na cratera do vulcao

Lago na cratera do vulcão

Escadas

Escadas

O desafio visto de baixo

O desafio visto de baixo

Dia seguinte seguimos (novamente por uma estrada esburacada e empoeirada) até a fronteira de Ruanda.

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A Pérola da África

Antes de cruzar a fronteira para a Uganda, atravessamos a linha do Equador. Percebi que já tinha viajado um bocado, pois iniciei bem abaixo do tropico de Capricórnio, além disto, minha viagem estava sendo para o Nordeste e não direto para o norte. Foi uma viagem bem tranquila. Pegamos um ônibus executivo, bem melhor que os da Tanzânia. Tinham so 3 poltronas por fileiras, tipo os nossos ônibus leito, mas as comparações param por aí. A viagem passou super rápido, e fomos apreciando a bonita paisagem.

A Uganda é chamada de Pérola da África, além de diversos outros apelidos. Local onde o turismo tem crescido consideravelmente, mas deve aumentar ainda mais. A estabilidade tem aumentado, mas ainda existem alguns graves problemas na fronteira com o Sudão. Difícil não associarmos a Uganda ao louco do Idi Amim. Para quem não lembra dele, vale ver o filme ” O ultimo rei da Escócia”, o qual fala da historia dele e da Uganda na época. Para se entender um pouco mais, a situação do pais não era melhor antes, e nem ficou melhor nos anos seguintes a esta ditadura. Só perto dos anos 90 que veio a “estabilidade” econômica, mas mesmo assim, o presidente que assumiu, e esta no poder ate hoje, e muito criticado.

Da fronteira seguimos sem paradas para a simpática Jinja. Mais uma daquelas cidades que tentam lançar como meca dos esportes radicais, mas e meio forcado, puro marketing turístico. Uma cidade relativamente pequena, mas com uma boa estrutura. Muitos visitam esta cidade só para fazer Rafting (nivel 5) na  nascente do rio Nilo. Sim uma das nascentes do Nilo, o rio mais longo do mundo, e aqui. O ônibus nos deixou na estrada, pois seguia para a capital, Kampala. Pegamos 2 Boda-Bodas, que nada mais e que uma motocicleta com pequenas adaptações para levar passageiros e bagagem (ta bom, motoboy, hehe), e fomos para um hotel indicado. Não sabíamos que no final de semana em questão estaria acontecendo a maior feira agropecuária do pais, portanto tudo tava lotado. A Bibi ficou cuidando das mochilas enquanto eu dei uma volta para achar algum lugar para ficarmos. Acabei negociando numa mansão, adaptada a hotel, um super quarto. A Bibi ficou bem feliz, e de sobra, a noite teria um casamento muçulmano no jardim, o qual participamos discretamente.

Hotel

Hotel

Casamento

Casamento

No outro dia fomos na tal fonte do rio Nilo, que aparentemente não tem nada de especial, mas tudo mudou, quando sentamos numa pedra, ficamos conversando por horas tomando uma cerveja com o nome de ” Nile Special” ! Íamos passar na feira agropecuária depois, mas já era o ultimo dia e estavam desmontando tudo, alem do mais, como a Bibi e de Chapecó, já ta cansada destas feiras…hehe (não podia perder a piada..!!)

Nile Special!!!!!!! haha

Nile Special!!!!!!! haha

Com o centro compacto, e um ótimo lugar para passear, e existem alguns bons e baratos restaurantes. Ficamos um bom tempo no hotel também, onde fizemos alguns amigos que trabalhavam la. Deu vontade de ficar mais tempo, só por causa das pessoas. Ha, ia esquecendo, quando Gandi morreu, seu corpo foi cremado, e suas cinzas espalhadas por alguns lugares. Parte destas cinzas estão no templo Indu daqui. Alias, alem de templos, tem muito restaurante Indiano (comemos num bem gostoso), e Indianos também. No inicio da década de 70, o Amin tava tao incomodado com os asiáticos, que os expulsou do pais, só com as roupas do corpo. Ele “nacionalizou” o comercio, que grande parte era de Indianos e Chineses.

Pegamos um ônibus para Kampala. Viagem tranquila, nem conversamos muito, ficamos só curtindo o visual. O motorista não nos avisou para descer no local que tínhamos pedido, e acabamos no centrão. Um caos nunca visto antes, impressionante mesmo. E para piorar, não estavam aceitando minha nota, pois tava com um selo raspado. Perdemos um tempinho nesta, mas logo pegamos um daladala para o Hotel que tinham nos recomendado. A Bibi foi indo na frente e minha moto estava lenta. Alguns Km depois, parou completamente. O motorista pediu para eu descer, deitou a moto chacoalhando, e me falou: “Agora chega ate o posto de gasolina”. Claro que no posto ele não tinha dinheiro nem pra colocar combustível. Dizem que não colocam combustível para que a moto/carro não sejam roubados, mas acho que e poque são quebrados mesmo.

Motoboy!!

Motoboy!!

Chegamos no hotel indicado, que era fora do centro. Tinha tentado ligar de Jinja, mas o numero tinha mudado. Resultado, tava lotado. O da frente era bem tranquilo, mas a Bibi não quis ficar porque não tinha banheiro no quarto. Acabamos indo procurar um outro hotel que não encontramos, e seguimos de volta para o centão barulhento. Eu já tava bem irritado nesta hora porque queria ter ficado já no primeiro. Vimos mais um hotel, mas o custo beneficio não parecia ser dos melhores. Para encurtar a historia, dei uma colher de chá pra Bibi, que tava de TPM, e arrumei um hotel melhor (e caro!). Deu tempo de caminhar um pouco pelo caos  desta região ainda antes de dormir.

Kampala...

Kampala…

Dia seguinte fui dar entrada para meu visto da Etiópia, era melhor esperar em Kampala que em Nairóbi sozinho. Vi que a parte de cima da cidade e totalmente diferente, pelo menos para este lado. Poucas quadras do caos do centrão, estão avenidas largas, com arvores floridas. Se afastando ainda mais começam os bairros residenciais, com muitas casas bonitas e algumas mancões. Kampala fica ao longo de sete colinas, portanto tem uma bela vista, e muda muito de uma região para outra. O visto ficaria para o dia seguinte, e voltei para pegar a Bibi e sair a pé pela cidade. Caminhamos bastante, e nos impressionamos com gigantescos pássaros que sobrevoavam a cidade e faziam ninhos nas praças. Como estávamos longe, voltamos de moto, passando pela parte nobre da cidade. Kampala estava surpreendendo bastante. Para fechar o dia, e comemorar que o visto estava encaminhado, fomos jantar num gostoso restaurante Etíope. Restaurante movimentado, comida boa, mas o mais legal foi ver a Bibi comer com as mãos…

Passaros

Pássaros

Nao tem preco!!

Não tem preço!!

Um dia pela manha, começamos a conversar com o garçom, e a conversa se prolongou por horas. Falamos sobre o dia a dia, sobre cultura, e sobre a época do Amin, e claro. Achava que todos odiavam este homem que fez tantas barbaridades, mas descobri que alguns o defendem, dizendo que tem o outro lado da historia…

Bem, o Achi (garçom) foi mais uma daquelas pessoas que nos encantou. Combinamos de nos encontrar depois do expediente dele. Neste tempo saímos para conhecer mais a cidade e buscar o visto que deveria estar pronto. Deveria, mas não estava. Vieram com aquela historia que brasileiros ganham o carimbo quando chegam no aeroporto. Tive que explicar (novamente) que iria por terra, e que nesta fronteira nao davam o visto (eu explicando para o consulado!). Também, porque alguém em sã consciência iria encarar a dura e longa viagem pelo deserto do norte do Kenya/sul da Etiópia? Bem, o problema era meu, e acabaram emitindo o visto na hora mesmo. Ufa!

Tivemos que ligar para o Achi e remarcar para noite. Neste meio tempo corri para conseguir as passagens para Kabale. Inicialmente íamos no ônibus do correio, que diziam que era mais seguro, mas como e pequeno e para o te, pó todo, optamos por ir em um noturno, que vai mais rápido. No horário combinado o Achi apareceu no hotel (que já não era mais o mesmo do primeiro dia, mas acho que não preciso entrar em detalhes,hehe). Saímos para um barzinho, mas estava muito barulhento. Acabamos num bar de um hotel, onde conversamos por algumas horas. O cara e de uma simpatia que não existe, cheio de sonhos, trabalhador, mais uma daquelas historias de vida. Trabalha um monte, e no final do mês ganha USD35. E eu que me achava malandro quando em parte da viagem gastava só USD7 por dia. E o Achi com aquele sorrisão estampado, falando dos seus planos, de seus sonhos. Mesmo com toda a dificuldade, ele se deu ao trabalho de nos trazer lembranças de Uganda. Algumas provavelmente de sua própria casa, outras talvez compradas. Prometemos que tentaríamos ajudar de alguma maneira. Como a vida e dura! E como alguns, mesmo perdendo os pais, trabalhando um monte, não desanimam, nem perdem a vontade de viver.

Achi

Achi

Ele ainda caminhou com a gente ate o hotel, onde arrumamos as coisa, e antes de sair dei a camiseta do Brasil que tinha acabado de ganhar da mãe/Clau. Logo saímos pois já era perto da meia noite, e tínhamos que pegar o ônibus.