O que restou dos Jasmins?

Para muitos a chamada “revolução dos Jasmins” foi o estopim do movimento que chacoalharia o mundo árabe, a “Primavera Árabe”. Quem acompanha a região, sabe que protestos violentos em Sidi Ifni no Marrocos e também no Saara Ocidental, antecederam a Revolução dos Jasmins, mas não tiveram a capacidade de “exportar” a Revolução como aconteceu no caso tunisiano.

A “Primavera Árabe” trouxe diversas consequências para o mundo árabe, reformas, guerras civis, conflitos e derrubada de governos, mas em nenhum outro país a transição foi tão fácil e tranquila como na Tunísia. Em menos de um mês o Governo já havia sido deposto e o ditador Bem Ali fugido para o exílio.

Além de questões estruturais e governamentais, uma das grandes mudanças sentidas no país foi a queda do turismo. Nada muito animador já que grande parte dos protestos tinham foco em questões sociais e econômicas, além de liberdade, é claro.

Em 2015 os atentados no (excelente) Museu do Bardo (21 turistas mortos) e meses depois num resort em Sousse (39 mortos) praticamente decretaram o fim do antigo turismo em massa de europeus. Por outro lado, houve um aumento significativo de turistas russos e chineses, que junto com turistas de países vizinhos, mantem o perfil turístico do país. Atualmente a Tunísia, pouco maior que o estado do Ceará, recebe um numero de turistas bem parecido com o do Brasil.

Acredito que de todo o continente africano, provavelmente a Tunísia seja o país mais fácil de viajar. Um país pequeno, com boa infraestrutura e grande facilidade de transporte. O paraíso para quem busca tranquilidade na beira do Mar Mediterrâneo.  Claro que o país oferece, e eu buscava, muito mais do que isto.

Cheguei de táxi coletivo vindo da Argélia. Não teria muito tempo no país, mas como comentei, não foi difícil percorrer grande parte do território. Inicialmente eu viajaria para o extremo sul do Saara argelino, mas devido às dificuldades que tive, acabei optando por conhecer a Tunísia, país que nem exige visto para brasileiros.

Meu primeiro contato com Tunis foi só na Medina e seu Souk (mercado), a parte pulsante da cidade. Como votaria deixei outros lugares para depois. Apesar dos excelentes Louages, lotações com guichês próprios, lugares marcados e preços fixos te levarem para qualquer lugar, eu optei por viajar de trem quando possível.  Foi assim que fui de Túnis até Gabes, o final da linha, já bem ao sul do país.

Fiquei hospedado num hotel decadente a excelentes preços, e foi bom explorar uma cidade não turística. Impressionante ver bares lotados de tunisianos bebendo (muito!) e escutando musica alta não muito longe das mesquitas.

Muitas pessoas usam a cidade como base para conhecer a Ilha de Jerba, com suas praias tranquilas e lugares interessantes como o bairro judeu e a comunidade Ibadi. Eu fui ainda mais ao sul, até Tataouine, explorar alguns belos Ksares Berberes. Apesar do nome, mundialmente conhecido pelo filme Guerra nas Estrelas, a maioria das filmagens do filme aconteceu em Matamata, não tão longe dali. Sob um calor absurdo, visitei diversos Ksares menores além dos impressionantes, Douiret, Chenini e Ouled Soltane. Construídos no século 15, situados no topo das colinas, são fortificações incríveis, onde havia verdadeiras cidades berberes autossuficientes. Região desértica, não muito longe da fronteira com a Líbia, parecia abandonada, jogada às moscas. Devi do à proximidade, pelas estradas, algumas pessoas vendiam galões de gasolina contrabandados da Líbia e caminhões do exercito faziam patrulhamento.

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Nunca imaginaria que teria dificuldade para sair de Tataouine. Devido às férias escolares o transporte estava escasso. Tive que pegar um ônibus de linha até Medenine, aliás, um ônibus articulado que muito lembrava o transporte publico de Curitiba. Em Medenine acabou acontecendo uma situação muito curiosa. Na chegada, estava conversando com o motorista para entender como chegaria até o ponto de ônibus que me levaria até Gabes quando fui abordado por um jovem tunisiano. Me tratava como um velho conhecido. Mencionou que eu era brasileiro, o que achei estranho. Seria um daqueles golpes com turistas? Como sempre, dei conversa, mas sempre atento e me questionando como podia saber sobre mim. Quando tentou pronunciar meu nome e mencionou minha viagem pela Argélia, fiquei sem reação. Tudo se esclareceu quando descobri que ele havia se hospedado na casa de um amigo meu da Argélia. Havia chegado poucos dias depois de mim, e meu anfitrião acabou mostrando algumas fotos minhas e contando da minha aventura por lá. Coincidência é pouco! Acabamos indo tomar um chá e logo veio o convite para ir dormir na casa dele. Nesta região também tem muitos Ksares espalhados, e ele me prometeu mostrar cada um deles. Amizade se formou rapidamente, e quando chegou a hora de me despedir recebi dois quilos de saborosos doces locais para levar na viagem.

Encontros improváveis

Nova parada em Gabes onde conheci a Corniche e outros lugares, mas gostei mesmo de repetir a sequencia de restaurantes, bares e sacada do velho hotel para ver o movimento do final de tarde.

Voltando para o norte, a cidade histórica de Sfax está a um pulo dali. Alias fora as viagens pelo deserto, tudo é muito perto (principalmente para quem acabara de chegar da Argélia, maior país da África).  Uma medina, muito bonita e gostosa de passear e sentar para ver a vida passar.  A estrada para seguir viagem pelos vilarejos do litoral era tentadora, mas pela manhã optei por pegar o trem novamente até Sousse, com parada estratégica de algumas horas em El Jem (Unesco), onde tem um incrivelmente bem preservado anfiteatro romano. A antiga cidade de Tisdro possuía três anfiteatros, e este que se mantem em pé foi construído no século III, e comportava um publico de 30 mil pessoas. Para os fãs de mosaicos, uma parada no Museu Arqueológico de El Fen é obrigatória.

Sfax

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A experiência em Sousse (também patrimônio da Unesco), não foi tão marcante. Caminhar entre os barcos de pescadores é legal, mas os chamados dos vendedores em diversas línguas (tentando adivinhar sua nacionalidade) no Souk quebra um pouco o clima. As excursões de turistas russos (que também estavam em El Jem) tampouco ajudaram.  Acabei pegando um Louage antes do que imaginava com destino a Kairouan (Al-Qayrawan), a cidade mais sagrada do país.

Guichê dos Louages

 

Também patrimônio da Unesco, fundada em 670, sempre foi um importante centro de estudos religiosos, onde existem diversas Madrassas (escolas corânicas). Belas mesquitas, portas azuis e tapetes completam a alegria de quem gosta de se perder pelas ruelas estreitas. Final de tarde a Medida fica lotada de mulheres passeando e fazendo compras enquanto os homens sentam na frente do portão principal para tomar chá e bater papo.

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Quase hora de voltar para casa, retorno à Túnis para os seus arredores. Um trem urbano (TGM) leva até a histórica Cartago(Unesco). Uma dos pontos comerciais mais importantes da antiguidade, cidade Fenícia/Púnica que liderou tantas batalhas contra o Império Romano.  As ruínas não estão centralizadas e exigem boas caminhadas entre elas. Parada obrigatória para qualquer amante de história!! Ficam no topo das colinas Byrsa, subúrbio da elite econômica tunisiana, inclusive não muito longe do palácio presidencial. Um pouco mais ao norte está o bairro mais descolado do país, Sidi Bou Said.

Cartago

Ruínas com a Catedral de São Luis de Cartago ao fundo

Carros e cabelos da moda lotam cafés e restaurantes da região. No calçadão que leva até o topo da colina, eles se misturam com os turistas que também não são poucos, principalmente próximo do horário do por do sol. Um ponto onde se pode observar a costa mediterrânea com uma marina é muito disputado para fotografias. Não menos disputadas são as dezenas de portas e janelas azuis e brancas, que apesar do movimento, dão um ar especial para o lugar.

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Andando por uma região tão privilegiada dá quase para esquecer algumas das principais reivindicações dos jovens tunisianos quase sete anos antes. Mas talvez seja justamente este privilégio de alguns que contraste com o desemprego de jovens com bom nível de educação que acenda a faísca inicial. Janeiros de 2018 novos protestos aconteceram, e se tornaram violentos. Resta saber se vão continuar e até se intensificar.

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Benelux com criança

Benelux é uma organização de livre comercio entre três países europeus, Bélgica, Holanda e Luxemburgo. O tratado foi assinado no final da Segunda Guerra, mas entrou em vigor somente nos anos sessenta. Foi um embrião do que hoje se tornou a União Europeia.

Segunda vez que o Gabriel foi para a Europa e segunda vez utilizando a KLM. O tratamento com crianças é excepcional. Mesmo ele não cabendo mais no berço, nos forneceram os assentos confort da primeira fila. Mais espaço para nossos pés, para ele brincar, e até montaram uma caminha no chão.

Do aeroporto de Amsterdam fomos direto para Lisse, uma pequena cidade onde nos encontraríamos com meus pais, irmãs e respectivas famílias. Na verdade esta primeira etapa da viagem foi idealizada pelos meus pais, uma viagem de barco pelos canais dos Países Baixos (Holanda).

Eles já estavam viajando há uns dois dias, já entendendo bem sobre o funcionamento do barco. Um barco grande, com 4 suítes,  para três pessoas cada. Tinha que ser assim, estávamos em oito adultos, um adolescente, uma criança e dois bebes.

Barco atracado em um espaço publico.

Nesta primeira cidade já está uma das grandes atrações do interior da Holanda, o Parque Keukenhof, também conhecido como “Parque das Tulipas” ou “Jardim da Europa”. Dizem ser o maior jardim de fores do mundo, com quase 8 milhões de flores plantadas todos os anos. Não sei se é verdade, mas que é belíssimo isto eu posso garantir. Diversas cores e estilos, tornam um passeio muito agradável. Não é nenhum segredo, e como só florescem numa estação do ano, pode ter certeza que terá muita gente.

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Ótima infraestrutura para (Europa Ocidental, né?!), no meio do parque tem até brinquedos e uma “fazendinha” para as crianças brincarem com os animais. O Gabriel que mora em chácara se sentiu em casa.

A viagem de barco é lenta, mas muito bonita. A velocidade media não passa de 10 km, então muitas vezes passávamos um período inteiro viajando ( manhã ou tarde). A vantagem é passar por pequenas cidades que numa viagem para as “Capitais” normalmente acharíamos muito longe, por não terem tantas “atrações”. Não adianta, sempre o interior dos países acaba surpreendendo.

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Gabriel no comando

Para dormir, as vezes parávamos numa “Marina”, outras em espaços públicos mesmo. A vantagem das marinas é que tinham banheiros (não que no barco não tivesse). Os chuveiros, sempre automáticos, funcionavam com 0,50 de Euro e já tinham a temperatura regulada. Nada de funcionários para limpeza, um pequeno rodo para quem usasse mantivesse seco. Estavam sempre impecáveis.

Foi uma delicia explorar Gouda à noite, procurando um lugar para comer e beber alguma coisa. A calmaria da noite não se repetiu no dia seguinte. Era quinta-feira, dia de feira na cidade. Barraquinhas vendendo o famoso queijo Gouda e encenações dos leilões de queijo que acontecem há centenas de anos. Tudo muito animado.  Os Stroopwafels, “bolachinhas” que ficam em cima do chá derretendo com o vapor é outra gostosura da cidade.

Gouda

Gabriel esperando o leilão de queijos Gouda

Antiga prefeitura, no estilo Gotico

Como nos outros dias, após uma noite e uma manhã, era hora de pegar a estrada, ou melhor, o canal. Além da velocidade baixa, diversas comportas e dezenas de pontes estão pelo caminho. Isto torna a viagem mais lenta, no entanto mais interessante. As comportas são miniaturas das do Canal do Panamá. Elevam ou baixam o barco na altura do canal adiante. Existem diversos tipos de pontes. As que abrem de lado, as levadiças que abrem ao meio, as que levantam inteiras, outras que simplesmente passamos por baixo sem ter que esperar. Algumas têm um botão para avisar quando alguém chega, outras têm horário marcado. Existem ainda as que têm um funcionário para abrir. Ele fica numa cabine e lança um tamanco holandês amarrado numa cordinha para colocarmos o pedágio dentro depois que ele libera a passagem.

Tropa reunida

Viagem em família

Algumas vezes chegamos antes do horário marcado para abrir. Sem problemas, da para encostar  à beira do canal e sair para conhecer as cidadezinhas, a pé ou de bicicleta. Boa hora para se abastecer para as refeições seguintes ou torar um sorvete e/ou cerveja também. A área externa do barco é uma delicia, mas acabamos usando pouco, pois a primavera holandesa estava muito fria.

Tentando aproveitar a área externa

Chegamos já no final de tarde em Oudewater, onde resolvemos passar a noite. Mesmo tendo jantado no barco, encaramos o frio da noite para caminhar pelas ruazinhas da pequena cidade. Gostamos bastante dali. Diz a lenda que está cheia de bruxas. Existe até hoje um museu na casa onde pesavam mulheres para saber se eram bruxas. Pela noite até que procuramos, mas não vimos nenhuma.

Chegando em Oudewater

Simpática Oudewater

Uma das poucas cidades grandes que passaríamos era Utrecht. Calculando melhor o tempo achamos melhor não ir. Atrapalharia um pouco a logística. Deixar o barco, pegar táxis para o centro, tudo isto para ficar pouco tempo, achamos não valer a pena. Acabamos aproveitando uma parada ali perto, em Maarssen, onde caminhamos e encontramos um delicioso restaurante.

Maarssen

Os canais logo se tornariam bem mais largos, verdadeiros rios onde passam embarcações que mais parecem navios. Correnteza torna as manobras mais difíceis e é preciso tomar cuidado, pois os barcos grandes não têm como te ver.

Ultima noite já na marina, para entregar o barco pela manhã cedo. Em uma semana foram 225 quilômetros viajando pelos canais, passando por 13 comportas e 76 pontes

Clichê holandês: Canais, Barcos, Bicicletas e Moinho

Ainda teríamos um dia em Amsterdã com a “Big Family”. Eu tinha conhecido na cidade quase duas décadas antes, mas era a primeira vez da Bibi. Não deu para fazer muita coisa, nem era o objetivo. Passeamos rapidamente pela cidade e ainda de tempo de ir no museu da Annie Frank.

Um gostoso jantar de despedida, onde no dia seguinte cada um faria uma viagem diferente. Antes do sol nascer, Eu a Bibi e o Gabriel estávamos a caminho da estação central de trem. Um bom trem de Amsterdã para a Antuérpia (já na Bélgica) onde faríamos uma rápida conexão em um trem comum para Bruges. O Gabriel aprovou o novo meio de transporte e quando não estava dormindo ficava todo animado com a movimentação.

Ficamos muito bem localizados em Bruges, o que facilitou bastante para conhecer a cidade. Não da para dizer que as calçadas de pedra são as mais apropriadas para carrinhos pequenos de bebe, mas tudo correu bem.

Praça do mercado

Parlamento

Canais

A Bibi ficou encantada com a cidade, e realmente é muito charmosa e bem preservada. Canais, pontes, igrejas, construções antigas e o palácio. Onde quer que você olhe tem estilo.

Curtimos com calma, revezando entre cafés, cervejas, chocolates e restaurantes, tudo com calma. O ritmo numa viagem com filhos é outro, e a pressão interna para conhecer algum lugar é nula. Apenas vive-se.

Apesar de ensolarados, teve um dia que fez bastante frio. Acabou dando um febrão no Gabriel, mas nada de mais. Dia seguinte ele já estava bom. Uma comida simples, rápida e barata disponível em diversos cantos da cidade são os “Copos de macarrão”. Se escolhe a massa e molho, uma boa quantidade por cerca de 5 Euros. Salva qualquer fome que possa aparecer numa criança (ou adulto)  quando não tem um restaurante em vista.

Final do dia nas costas do pai

Canais

Tinha visto algumas possibilidades de cidadezinhas para visitar no interior da Bélgica, mas acabamos optando por viajar por menos cidades e passar mais tempo nelas.  Dinant, Veurne e Ghent ficariam para uma próxima, pois tínhamos um voo saindo de Luxemburgo.

Trem de Bruges para Bruxelas e outro até Luxemburgo. Um grupo escolar de crianças descontraiam o vagão, mas um senhor não gostou e pediu silencio. Não atenderam e foi ele que teve que se retirar. Paisagem bonita e aquela tranquilidade que é viajar de trem.

Ficamos num hotel bem próximo da estação de trem. Facilitou a chegada, mas no final do dia descobriríamos que não era das melhores regiões. Muitos bêbados, drogas e prostituição nos arredores, num ambiente nem um pouco familiar.

Luxemburgo é uma cidade pequena, capital do país homônimo, um dos menores da Europa. Conhecido por ter uma das maiores rendas per capita do mundo. Pelas fotos que tínhamos visto, criamos certa expectativa. Ainda mais nós que adoramos cidades pequenas. Mas sempre existe um grande perigo nas expectativas, e acabamos não gostando tanto assim de lá. Tentamos, ficamos duas noites, exploramos o centrinho da cidade mais de uma vez. É bonito, fotogênico com certeza, mas parado, não tem alma nem personalidade.

Luxemburgo

Luxemburgo

Luxemburgo

Refletindo chegamos à conclusão que está mais para uma fotografia do que para um filme. Enfim, aproveitamos o visual da corniche, as casemates, caminhamos da cidade alta (Ville Haute) até a baixa (Grund). Elevador público (e gratuito) leva de volta até cidade alta.

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O país é um Grão Ducado e o Gabriel adorou ver a marcha da troca da guarda no Palácio Ducal. Para nós nada de muito impressionante. Bem mais marcante o café ali na frente (Chocolate House Bonn), com colher de madeira e chocolate na ponta para fazer o capuchino, além de ver o Gabriel imitar os guardas batendo o pé, é claro.

Imitando os guardas

Pegamos um voo para Londres, já que as passagens estavam bem mais baratas que as de trem. Ficamos uns dias com minha irmã Gi, com o Dan e meu sobrinho Alfredo. Nada de turismo, a ideia era mesmo curtir eles. Mas isto já é outra historia, ou melhor, outra viagem.

De carro até o fim do mundo!

Quase 30 anos depois da minha primeira grande viagem pela América do Sul (Argentina, Chile e Uruguai acampando), chegava a hora de eu levar a minha família para uma longa Road Trip pelos mesmos países.

O Gabriel estava prestes há completar um ano e dois meses, então nunca soube ao certo qual seria o destino final. Dependeria  da adaptação dele com a viagem e do ritmo que seguiríamos.

A vantagem de viajar de carro foi de poder levar o bercinho dele, o baldinho para o banho, brinquedos e tantas outras coisas as quais (imaginávamos)  fariam ele se adaptar mais facilmente no dia a dia da estrada.

Acho que não estamos esquecendo nada!

De Curitiba fomos para Chapecó, onde nos encontraríamos com meus sogros, Silvio e Mara, meu cunhado Jony (que já foi umas 8 vezes para a Patagônia de carro), meu outro cunhado Marco (que junto com o Jony fez parte da Rota da Seda comigo e com a Bibi) e a namorada dele, Manu.

Viajaríamos em dois carros, e numa viagem com tantas pessoas os “imprevistos” tendem a acontecer com mais frequência. Não demorou muito. Na saída para Uruguaiana, nossa  ultima parada no Brasil, dois membros da “equipe” descobriram que não sabiam onde estavam as carteiras de identidade deles. Inocentemente acharam que a carteira de motorista seria aceita. Eu sabia que as únicas possibilidades eram passaporte ou CI, mas não quis contrariar quando disseram que seguiriam para a fronteira mesmo assim. Fizeram um Boletim de Ocorrência na policia e seguimos viagem.

No hotel em Uruguaiana encontramos o despachante que nos entregou a “Carta Verde”, seguro obrigatório para dirigir na Argentina. Pelas nossas pesquisas estava mais barato tirar lá do que com as seguradoras que pesquisamos.

Claro que os “sem carteira de identidade” foram barrados na tentativa de entrar na Argentina. Já havíamos pensado nas melhores soluções, e acabamos nos dividindo. A Mara e o Jony vieram com a gente enquanto Marco, Silvio e Manu iriam tentar emitir um passaporte de emergência ou uma segunda via da identidade.

A estrada do lado argentino era infinitamente melhor que as que eu viajamos pelo lado brasileiro. Pistas largas, bom asfalto e com pouco movimento. Nem a chuva fazia o ritmo da viagem diminuir. Parecia que agora a viagem fluiria sem problemas, mas não foi bem assim. Fomos parados num posto policial em Entre Rios. Depois de verificarem a documentação, pediram para ver alguns itens de segurança, mas acabaram implicando mesmo com o fato do carro ter um engate. Me deixaram mais de quarenta minutos esperando numa fila para me falar que pela lei argentina o engate precisa ser removível, blablabla. Mostraram a cartilha, os preços das multas, mas estava na cara que era “esquema”. Sem muito poder de negociação, com o Gabriel ficando impaciente, acabei pagando para ter sossego.   Depois fui descobrir que no Brasil também não pode, mas que é uma daquelas leis que “não pegou” por aqui. Na Argentina não deve ser diferente, mas resolveram tirar proveito, pois foi o único locar que me incomodaram sobre isto.

Foi o dia que mais rodamos em toda a viagem, pouco mais de mil quilômetros. O Gabriel já demonstrava como seriam os próximos dias. Um santo, cantava e brincava, mesmo depois de tento tempo no carro se divertia explorando o quarto do hotel. Por outro lado fechou a boca, não quis comer muito, e permaneceu assim basicamente por toda a viagem.

Trenque Lauquen era somente uma cidade onde passaríamos a noite, mas sabe que achamos bem gostosa e charmosa, com suas ruas arborizadas e arquitetura.

Primeiras cidades paradas só para dormir

De Trenque Lauque até Neuquen foram uns 700 km. Um pequeno trecho de estrada bem esburacada perto do parque nacional Lihue Calel. Nada muito assustador, a velocidade mais lenta permitia que observássemos empolgados os primeiros guanacos que encontramos. Perto da Casa de Piedra uma bela represa e pausa na defesa sanitária para controle fitossanitário. Pelo menos nos deixaram comer todo o estoque de frutas que tínhamos no isopor.

beira da estrada

Neuquen é uma cidade um pouco maior, mais movimentada. Minha maior recordação de lá poderia ser o delicioso Bife de Chorizo e a Quilmes gelada, mas o Gabriel correndo atrás dos pombos na praça, gritando enlouquecidamente, com certeza vai estar em primeiro lugar.

Criança se diverte em qualquer ligar I

Na pequena Junín de los Andes, chegou a vez do Gabriel apurar seu paladar. Experimentou carne de caça pela primeira vez, Cerdo. Não comeu muito. Nada contra a comida, este foi o ritmo (para desespero do pai) adotado por ele durante a viagem. Comer pouco nas refeições, frutas na estrada e mamadeira a noite e pela manhã. A Bibi estava tranquila, mas eu confesso que em dias que ele comeu pouco eu acordava de madrugada para dar um “mama extra” enquanto ele dormia. Coisas de pai.

A travessia para o Chile é feita bem no meio do Parque Nacional Lanín. Uma fronteira tranquila, pouco movimentada e burocrática, principalmente para os padrões chilenos. Diversos lagos, bosques e o belo vulcão Lanín, com 3747 metros de altitude, com o cume nevado e flores na base.

Vulcão Lanin

Passamos por Pucon e fomos direto para a casa que havíamos alugado pelo Airb&b nos arredores de Villarica. Uma casa rustica, feita de toras, com uma linda vista para o Vulcão Villarica. Na dificuldade de se comunicar com o caseiro, ele soltou: Ninguém de vocês fala “chileno”. Rimos muito pois era um espanhol que nunca tínhamos escutado antes, bem “chileno” mesmo.

Vista da nossa casa

Parte da “equipe” que tinha ficado para trás nos encontrou lá, onde passamos o ano novo, curtimos a região e andamos bastante pelas ruas de Pucon.

siga as placas

Inicio da competição: Parrilla chilena, argentina ou uruguaia é melhor?

Quando chegou a hora de pegar a estrada novamente, voltamos para Junin e depois até San Martin de los Andes, onde fizemos um piquenique na frente do lago. Dali até Bariloche é uma estrada belíssima, um verdadeiro passeio contornando lagos com um super visual.  A pequena Vila de la Angostura merece um destaque também.

Saímos por aí

Criança se diverte em qualquer lugar IV

Bariloche foi outro lugar que passamos uns dias, também com uma (boa) casa alugada pelo Airb&b. Apesar do verão pegamos muito frio, em torno de 5 graus. A temperatura só foi subir quando já estávamos de saída.

Mas tiveram suas vantagens e pudemos aproveitar bons cafés no centrinho e até pegar neve na nossa visita no Cerro Catedral! As visitas ao Cerro Otto e Campanário também valeram muito (apesar do forte vento). São ângulos diferentes, então vale a pena visitar os dois. Nós achamos o Campanário o mais bonito, mas isto é uma opinião bem pessoal.

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Passeio de carro pelo sul de Bariloche, onde tem o famoso Circuito Chico. A Colonia Suiza também fica por ali. É bem turística, mas pode ser uma boa parada para comer alguma coisa (Sanduíche de truta defumada!)e comprar uma lembrança.

Foi em Bariloche, lugar muito bem estruturado, que furou o pneu a primeira vez (foram 4 vezes em toda a viagem). Nem dava para reclamar, fácil de achar uma “Gomeria” (borracharia).

O estilo e paisagem da viagem mudaria bastante quando partimos para o sul. Uma esticada até Los Antiguos (via Esquel, onde tem um belo Parque Nacional), para atravessar a fronteira com com Chile novamente e dormir na pequena Chile Chico. Cidadezinha na beira do Lago Gral Carreira onde usaríamos de base para ir até Puerto Rio Tranquilo, visitar as famosas “Catedrais de Mármore”. Uma viagem para a Patagônia depende muito da sorte com o tempo, que muda muito rápido. Como as distancia são longas, não tem como esperar alguns dias para o tempo melhorar.  Saímos de Chile Chico pela encantadora estrada de rípio (cascalho) mas na metade do caminho o tempo virou. Apareceu até um arco íris, mas tivemos que voltar devido à chuva. O passeio de barco pelas cavernas das catedrais de mármore terão que ficar para uma próxima viagem.

A caminho de Puerto Rio Tranquilo

Um dos trajetos mais bonitos de toda a viagem

Devido as longas distancias e poucas opções de paradas, sempre que o tanque estava pela metade, parávamos para abastecer. Em Tamel Aike a fila do mosto de gasolina já tomava algumas quadras. Nem paramos para pegar informação. Tínhamos gasolina para chegar até a próxima cidade, pouco mais de 200 quilômetros adiante. O que não contava era com um longo trecho de estrada de cascalho (80 km) o que diminui bastante o rendimento. No final das contas chegamos em Tres lagos no final da reserva, com o painel indicando poucos quilômetros de autonomia. Ao chegar no único posto de gasolina, nova fila de carros. Descobrimos que estava tendo falta de combustível por toda a Patagônia. Além da alta temporada, parece que estavam esperando um aumento no preço para distribuir. A falta era só de gasolina e não de Diesel. Ai tivemos a sorte de estarmos em dois carros. O Gabriel e a Bibi seguiram com todos na caminhonete e eu e o Jony ficamos esperando algumas horas até chegar o caminhão de combustível. Tomamos alguns litros de chimarrão e batemos papo com o pessoal. Depois de algumas horas já estavam todos amigos.

Gabriel esticando as pernas

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Fila para “Nafta”. (Gasolina)

Todos os postos de gasolina tem maquinas de água quente para chimarrão, o que ajuda bastante para preparar uma mamadeira quentinha.

A dona do posto não aguentava mais responder se tinha novidades ou se o combustível chegaria naquele dia. Já estávamos nos preparando para dormir no carro quando chegou o caminhão. Uma gritaria e todos buzinando para comemorar. Um bom tempo para esvaziar o caminhão e ainda demorou uns 20 minutos até a nossa hora de abastecer. Depois de umas cinco horas de espera, finalmente  com o tanque cheio, dirigimos 180 quilômetros até El Calafate, onde finalmente pudemos descansar.

El Calafate é uma cidade estruturada, bem turística. Uma amigo sempre me diz para não confiar em cidades que tem “Bar de Gelo”.  Lá tem dois! Dependendo do estilo do viajante pode ser um oásis, para outros somente uma base para conhecer a grandiosa Geleira de Perito Moreno e o Lago Argentino (Além do excelente museu “Glaciarium”). Na programação inicial a “Equipe” havia decidido ficar uns dias por ali, até mesmo para dar uma descansada da estrada. Influenciado por amigos argentinos que (preconceituosamente) diziam que o lugar era para “Turistas preguiçosos” acabei reservando só uma noite lá. Justamente a ultima noite de hotel reservado, dali para frente seria negociação na chegada ou a caminho do hotel, o que nos deu uma flexibilidade muito maior e uma grande economia.

El Calafate – Só faltou o sol

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Separamo-nos neste ponto da viagem, agora seria só eu a Bibi e o Gabriel. Primeira parada seria El-Chalten, pertinho dali, cerca de 200 km ao norte.  Foi ali que tudo começou a dar errado, ou certo? Justamente o primeiro lugar que não tínhamos reserva era minúsculo, e na altíssima temporada estava lotado. A solução foi pegar um hotel com categoria bem superior à que estávamos utilizando, mas conseguimos um excelente desconto.

Já no primeiro dia tive um problema com o carro. Na verdade vários. Os dois pneus furados seriam fáceis de arrumar, mas o problema no motor de arranque não foi bem assim. O carro foi quebrar justamente numa cidade que não tem nenhum mecânico. Por outro lado foi o lugar que mais gostamos de toda a viagem. Se é para quebrar e ficarmos empacados, que seja num lugar especial.

El Chalten

Em Chaltén, um cara que tem vários carros para alugar para turistas e utilizar como “taxi”, quebra um galho como “mecânico”. Como arruma os seus carros, porque não poderia arrumar os dos outros?

Sem opção, a única saída seria confiar na capacidade dele. Dois ônibus por dia vem de El Calafate, então sabíamos se as peças estavam chegando ou não. Novos problemas iam surgindo, mas pelo menos os emblemáticos Fitz Roy e Cerro Torres haviam saído detrás das nuvens e pareciam abraçar a pequena cidade. Aproveitamos para fazer caminhadas e curtir o visual fantástico. No centrinho diversos restaurantes, todos bem caprichados, voltados para o publico europeu. Turístico, mas com estilo bacana. Alguns restaurantes produzem a própria massa, outros tentam se diferenciar de outra maneira. Comida boa, mas como toda a Patagônia, cara, e sem opções de coisas baratas. Alias, nem cozinhando quando ficamos em AirB&B conseguimos baixar o nosso orçamento. Ta certo que comíamos bem, mas a Patagônia é um destino muito caro, tanto para alimentação quanto para hospedagem.

Cidadezinha no meio das montanhas

Fazenda norueguesa em plena Argentina

Criança se diverte em qualquer lugar V

Nas viagens sempre aparecem anjos, e desta vez olha a coincidência, eles eram de Curitiba. Uma família que estava no mesmo hotel que nós até nos emprestou o carro quando o nosso estragou, o que facilitou bastante até definir o que faríamos com nosso carro, já que estávamos num hotel fazenda um pouco mais afastado.

Gabriel dormiu quase toda a caminhada

Carrinho sempre ajuda

Rápida passagem por El Calafate novamente, e seguimos para Puerto Natales (Chile), nossa base para explorar o Parque Torres Del Paine. A imigração para o Chile que já vinha se mostrando lenta, estava caótica devido à uma greve. Mesmo com o Gabriel pequeno, não nos pouparam de longas filas e revista no carro e malas.

Escolhemos Puerto Natales, porque lá a hospedagem é muito mais barata do que no parque. Não fica tão perto assim, mas a estrada é boa e sem movimento.

Puerto Natales

Primeiro albergue a gente nunca esquece!
Gabriel fez sucesso no Hostel

Com o Gabriel pequeno, decidimos fazer somente trilhas curtas e acabamos rodando todo o parque de carro. Não tenho duvida que os melhores visuais são nos trekkings, mas da para aproveitar bastante o parque desta forma também.

Visual variado, diversos ângulos das montanhas, lagos e cachoeiras. O parque é incrível, uma das melhores partes da viagem com toda a certeza. Estradas de cascalho, cheias de guanacos e lebres para completar o astral.

Pequeno explorador

Torres del Paine

O tempo que estava aberto no inicio do dia, fechou após o almoço e chegou até a chover um pouquinho. Típico da região de montanhas. O vento também castigou em alguns momentos, nos fazendo até desistir na metade de uma trilha, mas deu para aproveitar bastante!

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Guanacos

Patagônia chilena

Estrada de rípio dentro do parque

Era para iniciarmos a volta dali, mas convenci a Bibi a dar uma passada em Punta Arenas, na beira do Estreito de Magalhães, para ver os milhares de pinguins na Isla Magdalena. Não alterou tanto a quilometragem (ok, só um pouco) e a estrada era boa e muito bonita entre Punta Arenas e Puna Delgada. Destaque para a cidade fantasma de San Gregório no meio do caminho.

Arte de rua em Punta Arenas

Cidade fantasma de San Gregorio

Naufrágio no Estreito de Magalhães

Dizem que quem viaja pelo extremo sul da América do Sul, quando o carro aponta para o norte, o pessoal vai meio que direto. Não foi muito diferente para nós. Paradas estratégicas em Rio Gallegos, Comodoro Rivadavia, Puerto Madryn, Bahia Blanca e Luján ( que já fica ao lado de Buenos Aires).

Gabriel descobrindo porque tantos argentinos vão para as praias de Santa Catarina… rs – (Comodoro Rivadavia)

Criança se diverte em qualquer lugar VI – Puerto Madryn

Com os dias longos, saindo cedo ainda dava para aproveitar uma parte da tarde/noite. Ainda tivemos alguma “emoção” com pastilhas de freio gastas e tudo fechado no domingo, bateria que não carregava mais e outros problemas menores no carro. Nada que não fosse superado ou que atrasasse a viagem. Depois eu listo todos.

A Ruta 3 que é esta do atlântico, é boa mas o vento é absurdamente forte. As vezes chega a atrapalhar para dirigir ou aumentar o consumo dependendo da direção do vento.

Comendo banana e dando aquela esticada nas pernas num posto de gasolina

Na verdade o maior problema que tivemos foi em Puerto Madryn, onde o Gabriel passou mal e chegou a vomitar. Acabamos até cancelando o passeio pela (bem recomendada) Península Valdez. Baleias, focas, leões e elefantes marinhos e pinguins ficariam para uma outra visita, pois o Gabriel nem conseguiria se divertir.

Não que estivesse muito abatido, mas não era aquela alegria em pessoa que não parava de cantar e fazer bagunça a viagem toda. Um médico que encontramos num posto de gasolina disse que nove em cada dez casos nos postos de saúde era esta virose. Aceleramos a volta de vez.

Catedral Gotica de Lujan

A caminho de casa ainda pararíamos para descansar na charmosa Colônia Del Sacramento (Uruguai) por uns dias. De lá fomos dormir na pequena Camaquã, já em terras tupiniquins. Ainda passamos uns dias em Itajaí-SC, onde teve aniversario de um ano do Alfredo, primo do Gabriel que mora em Londres. O primeiro dia na praia, com sombra em água fresca, já foi suficiente para o Gabriel recuperar o apetite e voltar a comer (muito!)bem.

Colonia del Sacramento – Uruguai

Batendo papo com o primo em Itajaí
(Foto:Daniel Lane)

Foi então que 36 dias depois, 130069 Km rodados, chegamos em casa. Nos primeiros dias o Gabriel ia até a garagem e ficava tentando entrar no carro falando “BrumBrum…”. Acho que ficou viciado, mas não vai ser um problema.

Missão cumprida!

 

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Apesar de estar com a revisão em dia, tivemos alguns problemas com o carro. Já soube de gente que foi sem furar um pneu, mas não tivemos tanta sorte. Faz parte. De qualquer maneira rodamos bastante e revisões teriam que ser feitas ao longo de um ano de uso do carro de qualquer maneira. Importante ter em mente que numa viagem longa, problemas podem acontecer, e algumas manutenções serão inevitáveis ( e terão um custo).

Nosso “mecânico” em El Chalten. Peças vinham de mais de 200 km de distância

Gastos com o carro:

– Multa em Entre Rios (por causa do engate)

– Quatro pneus furados

– Friso soltou

– Limpador de para brisas estragou

– Motor de arranque estragou (bem onde não tinha mecânico)

– Pastilhas de freio (bem no dia que estava tudo fechado)

– troca de óleo (faz parte em longas quilometragens)

–  Troca de bateria

Zimbábue, a grande casa de pedra

Zim-Ba-Bwe : "A Grande Casa de Pedra"

Zim-Ba-Bwe : “A Grande Casa de Pedra”

A antiga Rodésia conquistou sua independência em 1980, quando passou a ser chamada de Zimbábue. O herói da independência, Robert Mugabe, poderia ter entrado para os livros de história como um “mocinho”, mas gostou tanto do poder que se mantem como líder do país até hoje.

Em 2009, quando eu viajava pela África, tinha grandes expectativas de visitar o país. Infelizmente, devido ao colapso econômico que aconteceu anos antes (o que resultou na dolarização da economia), a epidemia de cólera que se alastrava e a falta de combustível, acabei não indo para lá. Cheguei pertinho, do outro lado do Rio Zambezi, na Zâmbia. Muitos anos se passaram e eu estava empolgado em finalmente poder conhecer o Zimbábue. Interessante que minha impressão do país com certeza foi bem diferente do que eu teria naquela vez. Não são só os lugares que mudam, as pessoas e percepções também.

A Park Station em Joanesburgo (África do Sul) não é o lugar ideal para você ficar de bobeira, mas tive que gastar um tempo lá até a saída do meu ônibus rumo o Zimbábue. Não que seja algo muito assustador para um brasileiro, mas principalmente nos seus arredores, está cheio de malandros e potenciais assaltantes. Tive que dar um chega pra lá em um cara bastante agressivo, mas nada de mais.  Dentro, a estação é ampla e bem estruturada, tem até wi-fi gratuito. O Curioso é que não existem tomadas disponíveis, portanto se quiser carregar o celular precisa pagar em um restaurante ou usar umas maquinas de recarga.

Meu ônibus não era dos mais confortáveis, mas custou praticamente metade do que um de luxo da Greyhound. No final das contas acho que valeu a pena o custo beneficio. A imigração é feita na Beit Bridge, único posto de controle entre os dois países, portanto movimentadíssimo. O processo pode parecer simples, mas demorou algumas horas. No inicio estava aflito, pois tinha que preencher a papelada e esperar meu visto ficar pronto, antes do ônibus partir. Mal eu sabia que os oficiais ainda iriam revistar grande parte das bagagens e seguir uma grande burocracia sobre importação de mercadorias. O grande numero de caminhões também não ajuda na velocidade do tramite.

Estrada do interior

Estrada do interior

Já estava no meio da madrugada, eu deveria estar cansado, mas a excitação de chegar em um novo país não me deixava dormir. Os outros passageiros e até os vendedores indicavam que a experiência seria boa. Educados, comunicativos, sem serem invasivos.

Com o amanhecer, foi fácil de observar as diferenças de infraestrutura entre os dois países. Em outros lugares do Zimbábue até encontrei boas estradas, mas logo depois da fronteira é gritante a diferença com a África do Sul. Todo o sul da África tem sofrido bastante com a falta de chuva nos últimos anos. A paisagem tem se transformado bastante e a seca castiga a população local e os animais. Apesar da África do Sul também passar por esta dificuldade, é possível notar que o Zimbábue sofre mais com esta situação.

Cheguei a Masvingo ainda bem cedo. O ônibus não para numa rodoviária ou em um pátio de transporte, é em um (bom) posto de gasolina ao lado da estrada mesmo. Parada rápida onde os passageiros podem ir ao banheiro ou comprar comida. Para mim estava excelente, seguiria viagem dali. Ao me verem, alguns taxistas ofereceram para me levar até Great Zimbabwe. Era obvio que um estrangeiro iria para lá. Apesar de não ser longe, ficaria caro, pois eu estava sozinho. O jeito foi pegar um táxi coletivo para o centro da cidade e de lá pegar uma lotação (onde colocaram galinhas amarradas no meu colo!) para Great Zimbabwe . Você ainda precisa caminhar uns 800 metros, mas vale a pena, vai gastar um décimo do valor do táxi direto.

Os hotéis na região não são dos mais baratos, principalmente se você estiver sozinho. Optei por ficar na hospedagem dentro do parque. Teria a vantagem de estar a poucos metros da entrada das ruínas.

O que eu não contava era com a qualidade do lugar. Eu não sou de reclamar, já dormi em lugares muito simples quando não tinha outra opção, mas aquele dormitório me pegou. Não sei se eu estava cansado da noite mal dormida no ônibus ou se os beliches com colchões rasgados me assustaram.  Fezes sabe lá do que espalhadas pelo quarto não me animavam muito. Eu cheguei a falar que ficaria lá. Deixei minha mochila e fiquei pensando como que faria, já que não forneciam lençol nem mosquiteiro, e desta vez eu não estava preparado. Fui tomar um banho para raciocinar melhor e decidi ir para um dos quartos privados, mesmo tendo que pagar o dobro.  Não foi o banho relaxante que me fez torar a decisão, mas babuínos sedentos que entraram no banheiro (sem portas), para tomar água. Assim como com os malandros da estação Park Station, tive que me impor, mas somente usando um jogo psicológico, sem dar um passo a mais para o conflito.

Depois de estar a salvo, bem alimentado e ter descansado bem, já podia conhecer as famosas ruínas. Uma pequena trilha levava até lá, da onde eu estava era como se fosse o quintal de casa. Foi incrível caminhar pela região, explorando cada cantinho deste que foi um importantíssimo centro politico e comercial do Sul da África.

O inicio da construção da capital deste reinado  é controverso, mas foi e entre os séculos 13 e 15 que teve o seu apogeu, quando comercializavam com chineses, persas, árabes e europeus.

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As ruínas estão divididas em 3 regiões, Complexo da colina (onde aconteciam os rituais) , Complexo do vale e a Grande área cercada. Só a parede do “Great Enclosure” tem 11 metros de altura e até 5 de espessura! Dizem ser a maior ruína da África subsaariana.  Merecidamente listada como patrimônio da Unesco desde 1986, era surpreendente eu ser o único visitante em todo aquele dia. É um misto de decepção pelas pessoas não visitaram um lugar tão impressionante com um egoísmo de se sentir “dono” do lugar por ter ele só para você.

Um pequeno museu com diversos artefatos e informações complementaram as informações do guia que eu havia contratado. Uma bela coleção de pássaros de pedra, que simbolizavam os diversos reis que passaram por ali e no passado ficavam exibidos no topo de colunas de pedra. Hoje o desenho de um deles faz parte da bandeira nacional do Zimbábue. Alias, o nome do país também foi em homenagem a esta civilização, e significa “A Grande Casa de Pedra”.

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A noite seria de lua cheia, uma daquelas “super luas” anunciadas. Já tinha me programado para percorrer novamente as ruínas somente com a luz do luar, mas uma forte neblina acabou com meus planos. Não pude reclamar de ter uma noite bem dormida.

Muitos estudiosos apontam a superpopulação e a falta de recursos naturais, aliados a questões ambientais ocasionaram o declínio deste grande império. O que se sabe com certeza é que com o declínio de Great Zimbabwe, floresceu outro reinado, o Khami, que seria a minha próxima parada.

Depois de uma caminhada e dificuldade de achar transporte de volta para Masvingo, peguei carona com uma pick-up mesmo. No centro não foi difícil encontrar um ônibus que iria até Bulawayo. Era um transporte lento, parecia um ônibus municipal, mas era o que tinha. Bananas e marmitas com batata e frango eram oferecidas em cada uma das dezenas de paradas, portanto o almoço estava garantido. Foram horas para percorrer os 300 quilômetros de estrada, mas ainda tive tempo de perambular pela agradável Bulawayo quando cheguei.

Em Bulawayo vi os primeiros brancos no Zimbábue. Um grupo bem eclético de turistas, daqueles que viajam nas empresas de “Overland tour”, ocupavam cafés e lojas de um centro comercial onde fui fazer compras num mercado. Pareciam mais a vontade com os muros e seguranças armados. No supermercado alguns brancos do Zimbábue mesmo, mostrando que nem todos abandonaram a Nação depois das politicas (desapropriação de terras) do Mugabe.

Hospedei-me numa pousada muito gostosa, um casarão num bairro bem tranquilo. Todos os quartos vazios, para desespero da proprietária, que no passado pagou todos os estudos dos filhos com a renda vinda do turismo.

livro de presente para as criançada da pousada

Livro de presente para as criançada da pousada

Nada de internet, falta de luz e água com certa frequência mostram que o Zimbábue continua com problemas. As moedas de dólar cunhadas pelo governo já não são aceitas em todos os lugares. Com a falta de troco os preços sobem e as notas de 1 USD estão por todos os lados. Muitas delas se desfazendo de tanto circularem. Existe falta de dinheiro (papel moeda mesmo) também. Poucos caixas eletrônicos estavam fornecendo dólares e todos com um valor bem restrito por saque. Eu tinha lido sobre isto e levei o suficiente para minha estadia (evitando pagar IOF também).  O governo aponta que logo deve entrar com nova moeda, o que para parte da população, causa temor de uma nova hiperinflação.

As ruínas de Khami (também Patrimônio da Unesco) não são longe de Bulawayo, estão a uns 25 km de distância. Depois da grandiosidade de Great Zimbabwe, temia que Khami não me impressionasse muito. No final das contas foi bom eu não ter grandes expectativas, pois fiquei encantado com as ruínas da capital do antigos Reino de Butua. Tanto a arquitetura como a forma de construção é diferente de Great Zimbabwe. Gostei bastante da composição arquitetônica dos “tijolos”, dando um estilo para a decoração, além da disposição da cidade ao longo do rio.

Corredores

Corredores

Ruinas de Khami

Ruinas de Khami

Estilo arquitetonico

Estilo arquitetonico

Construção

Cidade perdida

Outro lugar muito legal perto de Bulawayo é o Parque Nacional Matobo, popularmente chamado de Matopos Hills. Deixei os animais de lado desta vez e me foquei nas formações rochosas, cavernas e pinturas rupestres. O povo San deixou mais de 3000 pinturas na região. Como são nômades era a forma de registrar a sua passagem deixando informações para quando voltassem ou para outro grupo que viesse depois deles. As pinturas (algumas com 2000 anos) são muito bonitas, de diferentes estilos, e é uma delicia ficar subindo e descendo as colinas e entrando nas cavernas em busca delas.

Pinturas rupestres

Pinturas rupestres

Cavernas em Matobo

Cavernas em Matobo

Matopos Hills

Matopos Hills

Rochas

Rochas

Do topo das colinas existem vistas incríveis e os blocos de granito se equilibrando um nos outros é algo impressionante! Foi outro ótimo programa que me surpreendeu bastante. As colinas de Matobo também estão listadas no patrimônio da Unesco, mas não parece atrair tantos turistas assim. Alias, no Zimbábue acho que atualmente eles estão se concentrando nas Cataratas Victória mesmo, uma pena.

Tentei pegar o trem de Bulawayo para Harare, capital do país, mas não deu muito certo. O trem faz o trajeto três vezes por semana, mas quebrou e não tinha nem uma estimativa de hora (ou data!) para chegar. Acabei pegando um ônibus mesmo. A estrada era boa e o ônibus era excelente, então foi uma viagem bem tranquila. Tinha a esperança de na chegada conseguir achar um transporte para o Lago Kariba, no noroeste do país, divisa com a Zâmbia. Infelizmente toda a minha correria para atravessar Harare de uma rodoviária para outra foi em vão. Não havia nenhum transporte direto para Kariba, e passar a noite em outra cidade no meio do caminho não daria certo para mim, pois o meu retorno para o Brasil se aproximava.

Faltou tempo para o Lake Kariba e sobrou para Harare. Uma cidade grande, mas bem pouco agressiva. Peguei lotações para cima e para baixo e me pareceu bastante segura, contrariando o imaginário de um país com tantos problemas. Não existem grandes atrações, mas sempre da para inventar alguma coisa.

Na parada “Copacabana”, é só atravessar o Township de Mabare e subir até o topo da colina de Kopje. Antigamente o chefe Zezuru observava as manadas de búfalos lá de cima. Hoje só é possível avistar a selva de pedras que Harare se transformou.

Harare

Vista de Kopje – Selva de pedras

Fui ao Mukuvisi Woodlands, um parque urbano onde se pode ver diversos animais “selvagens”, caminhei por todos os cantos da cidade, presenciei um culto de uma igreja africana numa praça e pude variar um pouco a comida, já que vinha comendo Sadza quase todas as refeições (uma espécie de “polenta”, chamada de Ugali no Leste da África).

culto local

culto local

chega de

Chega de Sadza

Gostei de viajar pelo Zimbábue. Viagem tranquila, sem muitos desafios, atrações bastante interessantes e pessoas prestativas. Tinha tudo para estar lotado de turistas (como já foi no passado), mas a situação politica e econômica não ajudam muito. Uma pena.

Suazilândia, a última monarquia absolutista da África.

Nas regiões rurais do continente africano ainda existem centenas, talvez milhares de pequenos reinados. Apesar da população local se submeter às decisões dos monarcas, as leis oficiais dos países são regidas por governos centrais. A “realeza” em muitos destes lugares é somente um titulo. Não que não exista um status financeiro e político gigantesco comparado com a população em geral, mas não existe abundancia como em um reinado imaginário.

São poucos os reinados absolutistas no mundo todo, mas existe uma pequena nação no sul da África que funciona desta maneira. A Suazilândia, um dos menores países da África, está espremida entre a África do Sul e o Moçambique. Lá o Rei Mswati III é literalmente “Rei”, tendo o direito de escolher o primeiro ministro, mudar leis e fazer o que bem entender do seu reinado. Não que estas ações não sejam feitas por ditaduras em outros países, mas neste caso isto é oficial, a forma de governo escolhida.

Todos os anos, no Festival Umhlanga (que dura 8 dias), também chamado de Swazi Reed Dance, o rei pode escolher uma nova noiva. O rei tira seu terno e se veste com roupas tradicionais para ver milhares de mulheres virgens dançando de top-less. Para muitas meninas é a forma de mudar completamente o seu futuro. Assim ele escolhe uma nova esposa para fazer parte do seu harém. Ele só se casa depois que elas engravidam, provando a sua fertilidade.  Hoje são quinze esposas e pelo menos trinta filhos. Após a cerimonia ele pendura as roupas tradicionais e vai para casa brincar com sua coleção de carros de luxo e cuidar da sua fortuna de mais de 200 milhões de dólares (segundo a Forbes).

Para chegar na Suazilândia eu pequei uma “Kombi” em Durban. Impressionante como o transporte publico é subestimado na África do Sul. Estrangeiros pagam fortunas por serviços como o Baz buz, micro-onibus que te levam de hostel em hostel em dias marcados, quando existem lotações muito mais baratas. As vezes parece difícil para as pessoas saírem da bolha…

A estação YMCA em Durban não é muito movimentada, e tem até uma ou outra barraquinha vendendo sanduíches de ovo enquanto você aguarda a van sair. A que ia para a Suazilândia era uma Sprinter novinha, bastante confortável. As estradas nesta parte da África do Sul são perfeitas, pistas largas nos dois sentidos, com asfalto de qualidade. Infraestrutura muito melhor do que no Brasil.

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No controle de passaporte da saída da África do Sul tive um problema com meu passaporte. Eu tinha carimbado a entrada do país, mas o oficial não havia lançado no sistema. Acabou demorando um pouco, mas nada demais. Isto chamou a atenção de outro estrangeiro que estava na van e começamos a conversar.  Inicialmente em inglês mas depois rimos quando descobrimos que os dois éramos brasileiros. O Jaime mora nos EUA faz muito tempo, e estava iniciando sua viagem de dois meses pela região sul da África. Inicialmente iria somente atravessar a Suazilândia a caminho do Moçambique, mas resolveu seguir comigo para conhecer um pouco do país.

S

Vales da Suazilândia

A Suazilândia fica perto do Kruger, safari mais famoso da África do Sul. Isto faz com que o país receba uma quantidade razoável de turistas, pelo menos os que tem uns dias a mais. Desde a época do Apartheid, quando o turismo na África do Sul era boicotado, a Suazilândia já vinha se desenvolvendo nesta área. Estava meio sem saber para onde ir quando cheguei na pequena Manzini, cidade que é o centro econômico da Suazilândia. O Vale Ezulwini pode ter boas caminhadas, mas sabia que me irritaria demais com todos os casinos e spas que tem na região. Acabamos indo para o Vale Malkerns, onde nos hospedamos no Sondzela Backpackers. Um casarão colonial,antigo dentro da reserva particular Mlilwane Wildlife Sanctuary.

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Mlilwane wildlife Sanctuary

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Faltou o calor, mas tinha até uma piscina

Café da manhâ

Café da manhã

Existem algumas trilhas para caminhadas tranquilas na companhia de antílopes, zebras, gnus e javalis, tudo isto com jacarandás floridas e belas colinas ao fundo. Os macacos ficam ali perto da casa mesmo, nos arredores da piscina, talvez buscando algum resto do jantar que é servido ao redor da fogueira. Por falar em jantar, os próprios animais da reserva são abatidos e antílope foi o prato da primeira noite.

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Zebras

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África

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Jacarandá

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Visual

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Wild Beast

Existiam outros hospedes, dentre eles o Thomas e sua família. Ele é belga, mas se criou na França. Trabalha para o Medico sem Fronteiras e morou em diversos países, como Afeganistão, Burkina Faso e Haiti. Ficou fascinado pelas minhas viagens e pelo meu ultimo livro, “Uma Viagem pelos Países que não existem”.  Sua esposa é taiwanesa, e pedia para que ele traduzisse o que estava escrito. Ele lê português, então deixei um livro de presente. Segundo eles, seus filhos estão bem adaptados à vida na Suazilândia. A sogra veio de Taiwan para ajudar com o recém-nascido, que tem 3 meses.  Ao jogar pingue-pongue com eles falaram que eu segurava a raquete como os chineses. Não sei bem o que isto quis dizer.

Pose para a foto com os livros

Pose para a foto com os livros

Na Suazilândia existem diversas “Vilas Tradicionais”, locais montados para os turistas irem tirar fotos com swazis com suas roupas típicas e quem sabe tentar dançar musica folclórica. Já fui a lugares parecidos com estes em outros países, mas agora normalmente passo este tipo de “experiência”.

Numa noite, após o jantar, me avisaram que uma van nos aguardava para levar a um Lodge que fica dentro do mesmo parque. Teria uma apresentação de musica e dança típica. Eu e o Jaime nos juntamos à família belga-taiwanesa e outros turistas (sul-africanos e europeus) que vinham de uma excursão da África do Sul. O motorista colocou uma musica eletrônica, psy-trance a todo o volume. No caminho deu carona para sua irmã e outros dois rapazes, que caminhavam pelas ruas de terra que davam acesso ao Lodge. Eles eram os dançarinos que se apresentariam naquela noite. Vestidos com roupas comuns, levavam as “Roupas tradicionais” numa mochila da Adidas, provavelmente fabricada na China. Viva a globalização.

Sentamos nos troncos ao redor da fogueira e esperávamos os hospedes do Lodge terminarem seus jantares a luz de vela para a apresentação começar. Iniciou uma ventania forte e o tempo mudou completamente. Nuvens chegaram rápido e cobriram as estrelas e a lua que estava quase cheia. Acabou a luz. Torcemos para a van chegar antes da chuva, e foi o que aconteceu. Voltamos para nosso dormitório e a musica mais tradicional que escutamos foi a do (provável) Dj israelense, que fez a trilha sonora daquela noite, combinando com os raios e trovoadas.

No domingo, antes do Jaime seguir para o Moçambique e eu para o Zimbábue (via Joanesburgo), decidimos passar na igreja. Segundo o Thomas, nada mais típico na Suazilândia que um domingo na igreja. Já no transporte publico podíamos observar mulheres com seus melhores vestidos e pastores (os de pessoas, não de animais) com seus cajados. Queríamos ir a uma missa da Igreja de Zion, mas acabamos em uma Igreja Anglicana mesmo. Igreja lotada e o coral muito bonito. Os hinos africanos em geral são muito bonitos. Foi uma boa despedida da Suazilândia. Pegar transporte foi fácil, o pátio parecia que tinham mais “Kombis” que pessoas.

Igreja

Igreja

trans

Patio dos transportes

Na ultima parada antes da imigração fui num quiosque gastar meus últimos Emalangeni. Ele tem o valor equiparado ao Rand (que também é aceito na Suazilândia), mas não é aceito fora do país. Comprei dois bolinhos e a moça me deu um terceiro, o ultimo (que já estava meio quebrado). O seu irmão apareceu nesta hora. “Você não vai tomar café?” Expliquei que só estava gastando o restante de dinheiro antes de entrar na África do Sul. Eu te pago, disse ele antes de me servir. Ele tinha acabado de voltar de uma temporada de trabalhos no Canada. Juntou dinheiro e voltou para a Suazilândia para empreender. Me conte, como é viajar com a mochila nas costas, insistia. A conversa não se prorrogou muito, pois o meu transporte estava para sair. Trocamos os contatos de facebook e parti.