Zimbábue, a grande casa de pedra

Zim-Ba-Bwe : "A Grande Casa de Pedra"

Zim-Ba-Bwe : “A Grande Casa de Pedra”

A antiga Rodésia conquistou sua independência em 1980, quando passou a ser chamada de Zimbábue. O herói da independência, Robert Mugabe, poderia ter entrado para os livros de história como um “mocinho”, mas gostou tanto do poder que se mantem como líder do país até hoje.

Em 2009, quando eu viajava pela África, tinha grandes expectativas de visitar o país. Infelizmente, devido ao colapso econômico que aconteceu anos antes (o que resultou na dolarização da economia), a epidemia de cólera que se alastrava e a falta de combustível, acabei não indo para lá. Cheguei pertinho, do outro lado do Rio Zambezi, na Zâmbia. Muitos anos se passaram e eu estava empolgado em finalmente poder conhecer o Zimbábue. Interessante que minha impressão do país com certeza foi bem diferente do que eu teria naquela vez. Não são só os lugares que mudam, as pessoas e percepções também.

A Park Station em Joanesburgo (África do Sul) não é o lugar ideal para você ficar de bobeira, mas tive que gastar um tempo lá até a saída do meu ônibus rumo o Zimbábue. Não que seja algo muito assustador para um brasileiro, mas principalmente nos seus arredores, está cheio de malandros e potenciais assaltantes. Tive que dar um chega pra lá em um cara bastante agressivo, mas nada de mais.  Dentro, a estação é ampla e bem estruturada, tem até wi-fi gratuito. O Curioso é que não existem tomadas disponíveis, portanto se quiser carregar o celular precisa pagar em um restaurante ou usar umas maquinas de recarga.

Meu ônibus não era dos mais confortáveis, mas custou praticamente metade do que um de luxo da Greyhound. No final das contas acho que valeu a pena o custo beneficio. A imigração é feita na Beit Bridge, único posto de controle entre os dois países, portanto movimentadíssimo. O processo pode parecer simples, mas demorou algumas horas. No inicio estava aflito, pois tinha que preencher a papelada e esperar meu visto ficar pronto, antes do ônibus partir. Mal eu sabia que os oficiais ainda iriam revistar grande parte das bagagens e seguir uma grande burocracia sobre importação de mercadorias. O grande numero de caminhões também não ajuda na velocidade do tramite.

Estrada do interior

Estrada do interior

Já estava no meio da madrugada, eu deveria estar cansado, mas a excitação de chegar em um novo país não me deixava dormir. Os outros passageiros e até os vendedores indicavam que a experiência seria boa. Educados, comunicativos, sem serem invasivos.

Com o amanhecer, foi fácil de observar as diferenças de infraestrutura entre os dois países. Em outros lugares do Zimbábue até encontrei boas estradas, mas logo depois da fronteira é gritante a diferença com a África do Sul. Todo o sul da África tem sofrido bastante com a falta de chuva nos últimos anos. A paisagem tem se transformado bastante e a seca castiga a população local e os animais. Apesar da África do Sul também passar por esta dificuldade, é possível notar que o Zimbábue sofre mais com esta situação.

Cheguei a Masvingo ainda bem cedo. O ônibus não para numa rodoviária ou em um pátio de transporte, é em um (bom) posto de gasolina ao lado da estrada mesmo. Parada rápida onde os passageiros podem ir ao banheiro ou comprar comida. Para mim estava excelente, seguiria viagem dali. Ao me verem, alguns taxistas ofereceram para me levar até Great Zimbabwe. Era obvio que um estrangeiro iria para lá. Apesar de não ser longe, ficaria caro, pois eu estava sozinho. O jeito foi pegar um táxi coletivo para o centro da cidade e de lá pegar uma lotação (onde colocaram galinhas amarradas no meu colo!) para Great Zimbabwe . Você ainda precisa caminhar uns 800 metros, mas vale a pena, vai gastar um décimo do valor do táxi direto.

Os hotéis na região não são dos mais baratos, principalmente se você estiver sozinho. Optei por ficar na hospedagem dentro do parque. Teria a vantagem de estar a poucos metros da entrada das ruínas.

O que eu não contava era com a qualidade do lugar. Eu não sou de reclamar, já dormi em lugares muito simples quando não tinha outra opção, mas aquele dormitório me pegou. Não sei se eu estava cansado da noite mal dormida no ônibus ou se os beliches com colchões rasgados me assustaram.  Fezes sabe lá do que espalhadas pelo quarto não me animavam muito. Eu cheguei a falar que ficaria lá. Deixei minha mochila e fiquei pensando como que faria, já que não forneciam lençol nem mosquiteiro, e desta vez eu não estava preparado. Fui tomar um banho para raciocinar melhor e decidi ir para um dos quartos privados, mesmo tendo que pagar o dobro.  Não foi o banho relaxante que me fez torar a decisão, mas babuínos sedentos que entraram no banheiro (sem portas), para tomar água. Assim como com os malandros da estação Park Station, tive que me impor, mas somente usando um jogo psicológico, sem dar um passo a mais para o conflito.

Depois de estar a salvo, bem alimentado e ter descansado bem, já podia conhecer as famosas ruínas. Uma pequena trilha levava até lá, da onde eu estava era como se fosse o quintal de casa. Foi incrível caminhar pela região, explorando cada cantinho deste que foi um importantíssimo centro politico e comercial do Sul da África.

O inicio da construção da capital deste reinado  é controverso, mas foi e entre os séculos 13 e 15 que teve o seu apogeu, quando comercializavam com chineses, persas, árabes e europeus.

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As ruínas estão divididas em 3 regiões, Complexo da colina (onde aconteciam os rituais) , Complexo do vale e a Grande área cercada. Só a parede do “Great Enclosure” tem 11 metros de altura e até 5 de espessura! Dizem ser a maior ruína da África subsaariana.  Merecidamente listada como patrimônio da Unesco desde 1986, era surpreendente eu ser o único visitante em todo aquele dia. É um misto de decepção pelas pessoas não visitaram um lugar tão impressionante com um egoísmo de se sentir “dono” do lugar por ter ele só para você.

Um pequeno museu com diversos artefatos e informações complementaram as informações do guia que eu havia contratado. Uma bela coleção de pássaros de pedra, que simbolizavam os diversos reis que passaram por ali e no passado ficavam exibidos no topo de colunas de pedra. Hoje o desenho de um deles faz parte da bandeira nacional do Zimbábue. Alias, o nome do país também foi em homenagem a esta civilização, e significa “A Grande Casa de Pedra”.

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A noite seria de lua cheia, uma daquelas “super luas” anunciadas. Já tinha me programado para percorrer novamente as ruínas somente com a luz do luar, mas uma forte neblina acabou com meus planos. Não pude reclamar de ter uma noite bem dormida.

Muitos estudiosos apontam a superpopulação e a falta de recursos naturais, aliados a questões ambientais ocasionaram o declínio deste grande império. O que se sabe com certeza é que com o declínio de Great Zimbabwe, floresceu outro reinado, o Khami, que seria a minha próxima parada.

Depois de uma caminhada e dificuldade de achar transporte de volta para Masvingo, peguei carona com uma pick-up mesmo. No centro não foi difícil encontrar um ônibus que iria até Bulawayo. Era um transporte lento, parecia um ônibus municipal, mas era o que tinha. Bananas e marmitas com batata e frango eram oferecidas em cada uma das dezenas de paradas, portanto o almoço estava garantido. Foram horas para percorrer os 300 quilômetros de estrada, mas ainda tive tempo de perambular pela agradável Bulawayo quando cheguei.

Em Bulawayo vi os primeiros brancos no Zimbábue. Um grupo bem eclético de turistas, daqueles que viajam nas empresas de “Overland tour”, ocupavam cafés e lojas de um centro comercial onde fui fazer compras num mercado. Pareciam mais a vontade com os muros e seguranças armados. No supermercado alguns brancos do Zimbábue mesmo, mostrando que nem todos abandonaram a Nação depois das politicas (desapropriação de terras) do Mugabe.

Hospedei-me numa pousada muito gostosa, um casarão num bairro bem tranquilo. Todos os quartos vazios, para desespero da proprietária, que no passado pagou todos os estudos dos filhos com a renda vinda do turismo.

livro de presente para as criançada da pousada

Livro de presente para as criançada da pousada

Nada de internet, falta de luz e água com certa frequência mostram que o Zimbábue continua com problemas. As moedas de dólar cunhadas pelo governo já não são aceitas em todos os lugares. Com a falta de troco os preços sobem e as notas de 1 USD estão por todos os lados. Muitas delas se desfazendo de tanto circularem. Existe falta de dinheiro (papel moeda mesmo) também. Poucos caixas eletrônicos estavam fornecendo dólares e todos com um valor bem restrito por saque. Eu tinha lido sobre isto e levei o suficiente para minha estadia (evitando pagar IOF também).  O governo aponta que logo deve entrar com nova moeda, o que para parte da população, causa temor de uma nova hiperinflação.

As ruínas de Khami (também Patrimônio da Unesco) não são longe de Bulawayo, estão a uns 25 km de distância. Depois da grandiosidade de Great Zimbabwe, temia que Khami não me impressionasse muito. No final das contas foi bom eu não ter grandes expectativas, pois fiquei encantado com as ruínas da capital do antigos Reino de Butua. Tanto a arquitetura como a forma de construção é diferente de Great Zimbabwe. Gostei bastante da composição arquitetônica dos “tijolos”, dando um estilo para a decoração, além da disposição da cidade ao longo do rio.

Corredores

Corredores

Ruinas de Khami

Ruinas de Khami

Estilo arquitetonico

Estilo arquitetonico

Construção

Cidade perdida

Outro lugar muito legal perto de Bulawayo é o Parque Nacional Matobo, popularmente chamado de Matopos Hills. Deixei os animais de lado desta vez e me foquei nas formações rochosas, cavernas e pinturas rupestres. O povo San deixou mais de 3000 pinturas na região. Como são nômades era a forma de registrar a sua passagem deixando informações para quando voltassem ou para outro grupo que viesse depois deles. As pinturas (algumas com 2000 anos) são muito bonitas, de diferentes estilos, e é uma delicia ficar subindo e descendo as colinas e entrando nas cavernas em busca delas.

Pinturas rupestres

Pinturas rupestres

Cavernas em Matobo

Cavernas em Matobo

Matopos Hills

Matopos Hills

Rochas

Rochas

Do topo das colinas existem vistas incríveis e os blocos de granito se equilibrando um nos outros é algo impressionante! Foi outro ótimo programa que me surpreendeu bastante. As colinas de Matobo também estão listadas no patrimônio da Unesco, mas não parece atrair tantos turistas assim. Alias, no Zimbábue acho que atualmente eles estão se concentrando nas Cataratas Victória mesmo, uma pena.

Tentei pegar o trem de Bulawayo para Harare, capital do país, mas não deu muito certo. O trem faz o trajeto três vezes por semana, mas quebrou e não tinha nem uma estimativa de hora (ou data!) para chegar. Acabei pegando um ônibus mesmo. A estrada era boa e o ônibus era excelente, então foi uma viagem bem tranquila. Tinha a esperança de na chegada conseguir achar um transporte para o Lago Kariba, no noroeste do país, divisa com a Zâmbia. Infelizmente toda a minha correria para atravessar Harare de uma rodoviária para outra foi em vão. Não havia nenhum transporte direto para Kariba, e passar a noite em outra cidade no meio do caminho não daria certo para mim, pois o meu retorno para o Brasil se aproximava.

Faltou tempo para o Lake Kariba e sobrou para Harare. Uma cidade grande, mas bem pouco agressiva. Peguei lotações para cima e para baixo e me pareceu bastante segura, contrariando o imaginário de um país com tantos problemas. Não existem grandes atrações, mas sempre da para inventar alguma coisa.

Na parada “Copacabana”, é só atravessar o Township de Mabare e subir até o topo da colina de Kopje. Antigamente o chefe Zezuru observava as manadas de búfalos lá de cima. Hoje só é possível avistar a selva de pedras que Harare se transformou.

Harare

Vista de Kopje – Selva de pedras

Fui ao Mukuvisi Woodlands, um parque urbano onde se pode ver diversos animais “selvagens”, caminhei por todos os cantos da cidade, presenciei um culto de uma igreja africana numa praça e pude variar um pouco a comida, já que vinha comendo Sadza quase todas as refeições (uma espécie de “polenta”, chamada de Ugali no Leste da África).

culto local

culto local

chega de

Chega de Sadza

Gostei de viajar pelo Zimbábue. Viagem tranquila, sem muitos desafios, atrações bastante interessantes e pessoas prestativas. Tinha tudo para estar lotado de turistas (como já foi no passado), mas a situação politica e econômica não ajudam muito. Uma pena.

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No país ao longo de um rio

A Gâmbia estava ligara à rota comercial trans-saariana e fez farte de alguns dos maiores impérios africanos, como o de Ghana, Mali e do Songhai. Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar na região mas logo venderam seus direitos para os ingleses. A disputa colonial pela África fez com que diversas regiões trocassem constantemente de controle, até a conferencia de Berlin, que fez a partilha oficial do continente africano entre os europeus. Maios ou menos nesta época a França tinha influencia na maior parte do Oeste da Africa (no que viria a se chamar Africa Ocidental Francesa) mas a disputa sobre província chamada Senegambia ainda era grande. Os ingleses tinham um entreposto militar em Banjul (hoje capital da Gambia) e controlavam o já proibido trafico de escravos pelo Rio Gambia. Não foi difícil para os inglese conquistarem o território ao longo do rio (hoje Gâmbia), mas os franceses ficaram como toda o restante (hoje Senegal).

O mapa da africa , que já é um absurdo pelas fronteiras determinadas por linhas retas ficou ainda mais esquisito com um país que existe somente ao longo de um rio.

Me aproximando da Gâmbia, vindo da porção norte do Senegal, a estrada N4 (também chamada de Trans-Gambia) praticamente terminou. Viajei muitos quilômetros num carro velho (sept place) por uma estrada bastante empoeirada e quente. Já se aproximava do final de tarde e cheguei a cogitar a possibilidade de dormir nos últimos vilarejos do Senegal. Estando tão perto não custava atravessar a fronteira. Mas não seria tão rápido assim. No posto de controle do Senegal, passaporte carimbado, tranquilo. Já no da Gambia, o oficial veio me perguntar se eu queria que carimbasse meu passaporte. Claro que queria, como faria para explicar na saída do país ou em um possível controle de passaporte? Tentaram me cobrar 2000 CFA, algo como 3 euros. Eu viajava com meu passaporte italiano, pois brasileiros precisam de visto para lá (e não dá para tirar na fronteira) e sabia que não precisava pagar nada. Tentei argumentar, insisti, mas não teve conversa. Sempre me orgulho de dizer que sempre arranjei uma forma de fugir de oficiais corruptos mas ali eu cedi. Estava cansado demais para esperar. Da fronteira contratei um moto-taxi para me levar alguns quilômetros até a próxima cidade, a pequena Farafeni.

Cuidados com a ebola

Cuidados com a ebola

Estava trocando dinheiro, lá eles usam o Dalasi da Gambia e não o CFA, quando percebi que tinha uma van sendo carregada. Já tinha anoitecido, mas não custava ver se ela não iria para meu próximo destino, Janjanbureh. Estava com sorte, era o único transporte que tinha no patio e ia para lá. Quer dizer, sorte mais ou menos. Um cara, daqueles bem malandros veio tentar me vender a passagem. Cobrando bem mais caro. Isto é bem raro nesta região da África, normalmente levam bem a serio os preços e não cobram extra de estrangeiros. Percebi a armadilha e fui comprar direto com o motorista. Ele me garantiu que já estavam quase saindo. Eu sabia que o tempo passa de maneira diferente por ali, então comprei uns baguetes de um vendedor, ovos cozidos de outro e fiz meu sanduíche.

Quando finalmente saímos, a minivan estava lotada, de passageiros e de carga. Os pouco mais de 100 quilômetros foram muito lentos, com paradas para descarregar mercadorias, sair passageiros e subir novos. Quando finalmente chegamos no destino final já era mais de 10:30 da noite.

Peguei minha mochila sem sabem muito bem para onde ir. Na minha frente um rio, Janjanbureh ficava no outro lado. O motorista me falou que tinham hotéis deste lado da margem do rio também, e logo apareceram uns malandros se oferecendo para me levar lá. Estava muito escuro, nenhuma iluminação publica, então não me senti muito seguro de perambular sem conhecer a região. Conversava com quatro senegaleses que estavam vindo a trabalho quando um barqueiro ofereceu para nos levar por 100 Dalasi. O senegalês se ofendeu, ficou irritadíssimo. Segundo ele o preço correto era de 5 Dalasi. Quase brigou com o barqueiro. Eu tentei negociar mas ele disse que não teria passageiros de volta naquele horário e que não poderia nos levar por menos. Os senegaleses discutiram mais um pouco com o barqueiro, falaram alguma coisa que eu não entendi, e ele saiu furioso.

Sentamos na margem do rio, com uma noite quente e muito estrelada. Sem muitos mosquitos mas eu reforçava o repelente, pois esta é uma das áreas com maior incidência de malária de toda a Africa. Os senegaleses ligaram para alguém e garantiam que logo um barco viria nos buscar. Vendo a demora sugeri de eu pagar 60 e cada um 10 Dalasi. Eles não acetaram. Eu morto de cansado da longa viagem resolvi achar o barqueiro e pagar o preço. Quando me dei conta, resolvi fazer a conversão da nova moeda e cai na risada. Os 100 Dalasi são pouco mais de 2 Euros! Eu acabei demorando mais de meia hora para atravessar o rio por este valor. Os senegaleses tinham ficado tão revoltados com o valor que (cansado e não raciocinando) nem me dei ao trabalho de fazer a conversão. Só pensava que pagaria 4 vezes mais que o justo. O raciocínio deles era correto, mas paguei os 100 Dalasi com gosto. O primeiro hotel que fui olhar estava mais de que bom para aquele momento. Ainda tive energia para tomar duas cervejas no bar que ficava num deck ao lado do hotel, e fui dormir, sem banho, o balde poderia esperar a manhã seguinte.

Janjanbureh ( antiga Georgetown) fica na histórica Ilha MacCarthy. Um dos locais mais a dentro do Rio Gâmbia que os ingleses se estabeleceram. Foi um lugar onde muitos escravos libertos vieram morar também. Hoje é um pequeno vilarejo, com certo apelo turístico. Possui diversos armazéns antigos e algumas ruínas o que dá um ar de lugar esquecido. Alguns vendedores ambulantes perto do “porto”, onde 7 entre 10 vendem mangas. O forte café Touba também é muito popular. Alem da cultura e historia local, dizem ser um lugar incrível para observar pássaros. Acabei não encontrando nenhum outro estrangeiro por ali, ninguém para dividir uma canoa ou barco para conhecer os parques nacionais ali por perto. Sozinho os preços eram extremamente proibitivos, então fiquei perambulando pela região. Sempre aparecia alguém para conversar comigo. Eu dou papo, mas infelizmente sempre era com segundas intenções, normalmente oferecendo um serviço de guia.

Pintura em um antigo armazém

                                                                 Pintura em um antigo armazém

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" Porto"

                                                                                     ” Porto”

"Avenida" principal

“Avenida” principal

Peguei um barco para a outra margem do rio e fui explorar os famosos círculos de pedra da região. Os mais conhecidos são os de Wassu, poucos quilômetros dali, listados como Patrimônio da Unesco. Grandes (alguns com 2 metros), bonitos, mas naquele esquema pago, guia, blablabla. Não é uma experiencia em si, tampouco um Stonehenge.

travessia

Travessia

 

Wassu

Entre o Senegal e Gâmbia existem mais de 2000 destes círculos, que foram construídos entre os seculos 3 A.C. e 16 D.C. , nos rituais de sepultamento. A forma de extração das rochas e capacidade de organização mostra o desenvolvimento das sociedades que viveram por ali.

Resolvi estender o passeio e procurar também alguns círculos perto dos vilarejos. Sozinho eu não encontraria, então contratei uns meninos para me levar. Eles ficaram felizes da vida. Uma delicia caminhar entre as casas tipicas, as baobás e escutar as histórias e sonhos da piazada. Os círculos que encontramos, bem mais modestos, tinham um ar de vitória. As crianças discutiam qual era o melhor caminho, qual círculos deveríamos ir e nos divertíamos. Só o sol que castigava, pois estava muito quente.

Círculos de pedra

Círculos de pedra

Meus guias

Meus guias

Casas tipicas

Casas tipicas

Paisagem entre os vilareijos

Paisagem entre os vilareijos

Quando chegou o dia de ir embora, atravessei a ilha e segui pela margem sul. Não tinham ônibus diretos, então tive que fazer diversas conexões até voltar para o Senegal, agora na porção sul, Casamance. Antes disso eu tive que passar pela imigração, que também queria que eu pagasse pelo carimbo. Não eram agressivos, na verdade se faziam de meus amigos. Mas desta vez era de dia, e eu estava com tempo. Coloquei minha arte de negociação para funcionar, dizia que ia voltar por aquela fronteira e até anotei o telefone do guarda. Não fugi da mordida, mas pelo menos paguei só um Euro.

Viajei pelo sul do Senegal e para Guiné Bissau, mas tinha que atravessar a Gambia novamente para pegar meu voo em Dakar, Senegal.

Desta vez fui pela costa da Gâmbia. Dias antes as fronteiras Gâmbia-Senegal tinham sido fechadas novamente. Os dois países vivem brigando por causa da cobrança de impostos. Para a economia do Senegal, atravessar a Gambia, cerca de 40 quilômetros, é bem mais fácil que contornar, que seria uns 600 ou 700 quilômetros. Eu perderia um dia de viagem caso tivesse que dar a volta na Gâmbia. Resolvi arriscar e pude passar, para surpresa minha, sem cobrança para carimbarem o passaporte!

Mototáxi até a primeira cidade pós fronteira e um Peugeot velho (Sept Place) até Serekunda e estava na costa da Gâmbia. Tinham me alertado para evitar o litoral, mas não custava passar um dia na praia. Passei por Kotu e Bakau, até achar uma pequena pousada. Ia sair para comer, mas pensei em ver o mar antes. Fui me decepcionando e entendi exatamente porque haviam me falado para evitar o litoral. As praias da Gâmbia são famosas e muitos turistas vão para lá. Mas é o tipo de gente que fica só nos resorts, só fala com os locais que são seus empregados. Isto gera um clima de segregação muito forte. As pessoas passam a olhar o estrangeiro como uma forma de ganhar dinheiro, e os turistas se escondem atras dos muros, seguranças e vidros dos carros fechados para ter o menos contato possível com as pessoas. Vão para a África sem querer viver a África. Resorts de luxo com bairros inteiros para dar apoio, muitos com casebres com telhado de zinco. O preço de drinks caríssimos são o equivalente a mais de uma semana de trabalho de quem os serve. Não durou muito. Olhei chocado tudo aquilo, voltei para pousada, pedi desculpas e peguei a minha mochila. Me irritei tanto que não consegui nem esperar o ônibus. A demora me fez pegar um táxi mesmo, afinal seriam só 12 Km. Porem mais surpresas estavam por vir. Nos pararam numa barreira policial. O guarda pediu meu passaporte e ficou puxando papo. Resolveu revistar minha mochila. Falou brincando se eu não tinha um “presente” para ele. Me fiz de bobo e ele nos liberou. Não muito tempo depois nos pararam novamente. Desta vez um soldado sorridente me contava como estavam deixando tudo ótimo e seguro para os turistas. Eu olhei com uma cara de “não to te entendendo”. Ele deu uns tapinhas nas insignias do seu ombro e pediu uma colaboração. Fala serio! Disse que estava sem nada no momento, talvez outro dia. Ele manteve o sorriso, agora bem forçado e me dispensou.

Praias e restaurantes só para estrangeiros

Praias e restaurantes só para estrangeiros

Foi um alivio chegar a Banjul. Uma cidade calma e sem grandes atrações. Fiquei em um hotel quase ao lado do Arco 22, um monumento em homenagem ao golpe de estado dado em um presidente democraticamente eleito. Andei pela cidade, explorei mercados, prédios históricos, conheci a mesquita principal e peguei informações sobre o ferry que teria que pegar no dia seguinte. Por alguns momentos me senti anonimo, mas as vezes apareciam malandros com um papo bem manjado. Sempre super simpáticos, mas com interesse estampado na cara. Uma pena, mas parece que a barreira entre o estrangeiro e a população local está bem definida.

Arco 22 no final de tarde

Arco 22 no final de tarde

Num restaurante, um aglomerado de pessoas se espremia na frente de uma televisão. Pensei que era um jogo de futebol, muito popular por ali, mas não. Na Gâmbia, assim como no Senegal e grande parte do Oeste da Africa, além do futebol, o esporte nacional é a Luta Tradicional. Parecida com a Luta Greco-Romana, mas embalada por tambores e ritos tradicionais. Ao contrario dos países vizinhos, na Gâmbia e no Senegal, os lutadores podem dar tapas antes de derrubar os oponentes, se tornando muito mais violenta. O esporte lota as arenas e sempre esta presente na televisão.

Luta tradicional

Luta tradicional

O ferry de Banjul para Barra é o caminho mais próximo para ligar as capitais da Gâmbia e Senegal. Cheguei cedo para pegar o primeiro mas tive que esperar um bom tempo. Ferry lotado e colorido, onde finalmente pude bater papo com pessoas comuns. Uma travessia lenta mas agradável e com bela vista de Banjul na saída. Em Barra taxistas diziam que não tinha ônibus, que a fronteira com o Senegal estava para fechar, mas eu já tinha me acostumado com a malandragem local. Ignorei o assedio e fui até o patio do transporte. Deu tempo de comer alguma coisa para gastar minhas ultimas notas da moeda local e partir para o Senegal, onde entraria sem pagar pelo carimbo.

Banjul

Banjul

Ferry Banjul-Barra

Ferry Banjul-Barra

Chegada em barra

Chegada em barra

As cores e dores do Benim

O Benim é um pequeno país no Oeste da África que possui laços fortíssimos com o Brasil. Durante alguns seculos o então reinado de Dahomey controlou a região, participando no riquíssimo comercio de ouro. Com a descoberta do “Novo Mundo”, o trafico de escravos aumentou consideravelmente, e  foi muito lucrativo durante seculos. Um brasileiro de Salvador, filho de um português com uma escrava, foi amado e odiado na região. Em certo momento da história, Francisco Felix de Souza, fez um pacto de sangue com o rei de Dahomey e conseguiu praticamente exclusividade no mercado de escravos. Foi responsável pelo terrível ato de financiar a captura e enviar milhares de escravos para o Brasil. Conflitantemente com esta pratica, passou a ser uma pessoa munto respeitada pelos escravos que voltaram do Brasil para o Benim depois de livres. Eles tinham adquirido uma cultura brasileira/portuguesa, então o Francisco Felix de Souza não deixava de ser uma referencia e um bom contato na terra estranha que um dia foi lar de seus antepassados.

Se alguns poucos escravos trouxeram cultura quando voltavam para o Benim, o mesmo aconteceu quando milhares foram levados para a America (12 milhões de toda a África).  Em toda esta região do Oeste da África existe um culto muito forte aos antepassados, lendas, lugares sagrados e entidades, as quais chamam de Vudum (Espíritos). Ao ser “exportado” acabou sofrendo pequenas adaptações mas continua sendo a base do Voodoo no Haiti, da Santeria em Cuba e Umbanda e Candomblé no Brasil.

Eu atravessei a fronteira Niger-Benim de motocicleta. Já passava das duas horas da tarde e os oficiais pareciam entediados. Algumas mulheres assumiram o controle e inspecionaram meu passaporte. Não encontravam o numero de serie do visto que buscavam,  aproveitaram para brincar comigo e se ofereceram para ver se eu não queria leva-las para o Brasil. Depois de algumas rizadas, dados da minha viagem anotados, fui liberado. Um senhor veio correndo me oferecer transporte. “Ultimo lugar, vamos sair agora!”. Seria bom demais para ser verdade, pois os transportes normalmente partem cedo. Eu tinha a ambição de no máximo chegar até Parakou naquele dia, metade do caminho até a costa. Mas não, ele dizia que os outros lugares já estavam tomados e eu poderia seguir até a capital, Porto Novo, ou Cotonou, centro econômico. Dei uma sondada no preço, para ver se estavam me cobrando o valor correto(sempre cobraram o valor correto no Oeste da Africa) e fui procurar o meu lugar. Era um carro pequeno, mas com duas fileiras de bancos atrás. Iria o motorista e outras dez pessoas. Eu fiquei feliz quando me deram o lugar ao lado do motorista, dividindo com só mais um passageiro, eu na janela. Não demorei muito para perceber que não era o mais confortável. Para cabermos, tive que ficar com a janela aberta o tempo todo, com o braço para fora, quase debruçado,  para sobrar um pouco de espaço. Quando começou a chover eu tentei fechar a janela mas fui repreendido. O espaço era mais valorizado, mesmo que ficássemos molhados.

12 pessoas? Só com a janela aberta ;)

11 pessoas? Só com a janela aberta 😉

Se não mentiram no preço, mentiram no tempo da viagem que acabou sendo muito, mas muito mais demorada que o esperado. Chegamos em Parakou já tarde da noite. Uma longa parada para jantar, carregar o topo do carro com tudo quanto é mercadoria possível. Aproveitei para conversar com os outros passageiros. Todos Nigerinos, que estavam indo tentar a sorte no Benim. Alguns trabalhariam no porto, outros tinham sido contratados para levar carros de volta para o Niger. Na feira noturna, enquanto comíamos começou a tocar uma musica de Guiné-Bissau. Era creole, mas tinham muitas palavras em português e eu comecei a cantarolar. Todos ficaram impressionados como eu conhecia uma musica de Guiná-Bissau (eu não conhecia) e queriam saber se eu já tinha morado lá. Eu brincava que tinha nascido lá e nos divertimos bastante.

Já era tarde, eu cheguei a cogitar a ideia de buscar um hotel, mas o acordado era  percorrer o trajeto todo, portanto não me devolveriam parte do valor da passagem. Antes de viajar, no meu plano original, de Parakou eu iria para o noroeste do país, para explorar a região de Natitingou, onde está a tribo Tata-Somba, com suas casas de barro em formatos tipicos, patrimônio da Unesco. No entanto, eu havia prolongado minha estadia no Niger quando decidi  ir até Agadez, então estava com o itinerário um pouco mais apertado. Fica para a próxima! Apesar do cansaço, eu ganharia um pouco de tempo por viajar a noite, apesar de perder a paisagem. Decidi seguir viagem mesmo.

Foi uma viagem dura, não dormi quase nada. Na entrada de cada vilarejo tinha uma corda ou um bambu com um latão na ponta trancando a estrada. O motorista pagava um pedágio e arrastavam lentamente o latão para passarmos. A cena se repetiu dezenas de vezes. Mas algumas paradas para trocar mercadorias, fazer entregas e já amanhecia quando chegamos em Porto Novo. Eu queria conhecer a capital, mesmo não tendo grandes atrativos, diziam ser bonita por estar espalhada por colinas na beira do lago Nokoué. Mas a chuva não parecia que ia parar, então me contentei em admirar as decadentes casas coloniais francesas e a pacata cidade despertar pela janela do carro superlotado. Dali até Cotonou é um pulo, são cidades praticamente interligadas. Tomei um bom café da manhã, e me despedi dos meus companheiros de viagem. Cotonou é uma cidade barulhenta, suja e perigosa, não é o tipo de lugar que se pode dar bobeira. Dali eu queria ir até Ganvie, uma grande vila só de casas sobre palafitas. Foi a forma que a população encontrou para fugir dos traficantes de escravos. Mas o problema é que com aquela chuva forte não seria uma experiencia nada agradável, pois a unica forma de chegar lá é de canoa.

Não tive outra opção a não ser pegar um táxi coletivo até a histórica Ouidah, patrimônio da Unesco. Foi a decisão certa. Fica a apenas 40 quilômetros de Cotonou mas um mundo a parte. Cara de cidade do interior, vida calma e cultura fortíssima, pois ali é o centro do Vudun. Depois que já estava instalado no hotel a chuva até parou! O nome da cidade Ouidah, vem do português, “Ajuda”. A região tem muitas coisas interessantes. No forte português São João Batista,  hoje funciona um museu, e tem até placa escrito em português.

Forte São João

Forte São João Baptista de Ajudá

Placa em inglês, francês e português

Placa em inglês, francês e português

Forte

Forte

Herança portuguesa

Herança portuguesa

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Existe uma floresta sagrada, onde dizem que um chefe Kpasse se transformou em uma arvore para fugir dos inimigos. Lá também  estão diversas estatuas de entidades do Vudun e da para aprender bastante e sentir o clima do lugar. Mas se quiser só passear pela cidade já vai avistar bandeiras, santuários e oferendas do Vudun, pois estão por todos os cantos.

Floresta Sagrada Benim

Floresta Sagrada

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Templo Vudun

Templo Vudun

Explorando Ouidah

Explorando Ouidah

Locais de culto espalhados pela por Ouidah

Locais de culto espalhados por Ouidah

Um dos locais mais famosos da cidade é o “Templo da Serpente”. Um lugar sagrado  onde cultuavam as cobras mas hoje se transformou mais em um “Tourist-Trap”, o famoso pega turista. Tudo bem que é legal você conhecer um templo com dezenas de cobras, no maior estilo Indiana Jones, mas o pessoal vai estar mesmo é querendo colocar uma cobra no teu pescoço para ganhar uns trocados.

Indiana Jones ou "pega turista"?

Indiana Jones ou “pega turista”?

Já que que a foto "está no preço", fica de recordação

Já que que a foto “está no preço”, fica de recordação

Não muito longe dali fica a Casa do Brasil, que é interessante, apesar de bem pobrezinha. Dentre diferentes objetos existem placas com as listas das famílias de escravos que ao ficarem livres voltaram do Brasil para o Benim, os chamados Agudás. Seus descendentes vivem até hoje lá, e incorporaram varias palavras  portuguesas em seu vocabulário.

Casa Brasil Benin

Casa Brasil

Agudas, famílias de escravos livres

Agudas, famílias de escravos livres

Em frente à imponente basílica de Ouidah tem um pequeno museu de Voodoo com esculturas de diversos lugares do mundo. Me diverti vendo futebol no final de tarde e tomando cerveja barata a noite.

Basílica Ouidah

Basílica Ouidah

Iemanja!

Iemanjá! Muitas entidades tem os mesmos nomes utilizados no Brasil

Escultura em uma arvore no centro de Ouidah

Escultura em uma arvore no centro de Ouidah

Futebol em um final de tarde

Futebol em um final de tarde

Os lugares mais marcantes da região ficam nos arredores da cidade, poucos quilômetros do centro. É possível percorrer a “Rota dos Escravos”, caminho que os escravos faziam da cidade até a praia onde embarcavam para as Américas. São uns 4 quilômetros de caminhada,  onde se pode aprender muito, alem de refletir como o absurdo da escravidão poderia ser legalizada. Tem uma arvore onde eram obrigados a dar varias voltas para esquecerem suas origens. Na beira da praia um portal que funciona como memorial, o “Ponto do não retorno”, com figuras bem marcantes desenhadas. É um clima muito pesado, difícil não pensar nas atrocidades cometidas ali. Mas um memorial serve para isto, para nunca esquecerem do que se passou ali.

Rota dos escravos

Rota dos escravos

Ponto do não retorno

Ponto do não retorno

Alguns hotéis e uma praia agradável, mas sem a “vida” da cidade. Sempre é possível encontrar um pequeno restaurante local para comer uma comidinha caseira e bater papo. O futebol também rolava por ali com frequência. Deixei para curtir praia no meu próximo destino, Grand Popo, já bem pertinho da fronteira com o Togo.

Pescadores

Pescadores em Grand Popo

Mulheres esperando os pescadores

Mulheres esperando os pescadores em Grand Popo

Grand Popo também fica pertinho. O litoral do Benim é minusculo, então é bem fácil de se locomover. Sobrou pouco deste antigo porto  de escravos. A maior parte das casas coloniais foi derrubada pelo mar, e o que sustenta o lugar é uma base naval, a pesca e o turismo. Diversas pousadas onde o pessoal fica de bobeira depois de longas viagens pelo Oste da Africa. Muitos expatriados utilizam apraia para descansar do dia a dia também. Mas isto não significa que estava cheio do turistas. Vi só uma meia duzia, mas existem muitas pousadas sendo construídas, então parece ser um negocio promissor.

Praia

Praia e cores

Pescadores

Pescadores

Pescadores

Vila de pescadores ganeses

Praia

Praia

Um lugar colorido. Mar verde, praias douradas e roupas e redes de pesca de diversas cores. Peixe e cerveja muito baratos se não comer nas pousadas. Eu sempre ia fuçando para encontrar novos lugares. A maior parte dos pescadores da região são de Ghana, e atravessam todo o litoral de Togo para tentar a sorte no Benim. Alguns tem licença para a pesca em trazem toda a família, outros vem ilegal. Ficavam muito felizes quando eu oferecia para as mulheres deles cozinharem para mim, um trocado extra no orçamento.

Dei uma recarregada na energia nos dias que fiquei ali. Descansei, tomei banho de mar, escrevi e li bastante e interagi como pude, já que não consigo ficar muito parado. Logo eu estava na beira da estrada, pronto para pegar uma moto e percorrer os poucos quilômetros até a fronteira com o Togo.

Reencontro com a Croácia

Quando surgiu a oportunidade de eu voltar para os Bálcãs, meu foco era Sérvia e Eslovênia, os países que eu não tinha viajado anteriormente. Pensava em pegar um trem ou ônibus direto de Belgrado para Liubliana. Como meu cunhado Jony, também estava viajando por aquela região, tentamos unir os roteiros. Ele estava de carro, então não foi tão difícil de inverter a sequencia da sua viagem e marcamos de nos encontrar em Zagreb, capital da Croácia. Na minha ultima viagem pela Croácia, tinha estado basicamente pelo sul/litoral do país (clique aqui).

Peguei um ônibus noturno de Belgrado para Zagreb (trens só durante o dia) e acabou demorando bem mais que o esperado. Atravessei a porção sul da província autônoma de Volvodina até chegar na imigração, que foi bem demorada, mesmo de noite. Cheguei só na manha seguinte, o que não foi ruim. Como já estava claro, pude pegar um tram direto para o centro antigo, onde tinha combinado de encontrar o Jony na frente da catedral.

Rodoviaria

Autobusni

Jovens bêbados caminhavam pela rua e tentavam roubar frutas na feira que estava sendo montada. Pelo jeito a noitada havia sido longa! Caminhei aleatoriamente pela cidade até achar um pequeno café aberto. Fiquei batendo papo com um Croata que apostava fortemente na sua seleção na copa do mundo. Avisou para tomarmos cuidado, senão seríamos surpreendidos. Conversamos um pouco de Zagreb, Croácia, Tito e Iugoslávia, mas já estava na hora de eu encontrar com meu cunhado. Mesmo sem estarmos com celular, tudo ocorreu perfeitamente como o combinado. Demos mais algumas voltas pela cidade e já pegamos a estrada sentido Plitvice, uns 150 km dali.

Apesar de ser uma das grandes atrações do país, parte do trajeto é feito por estradas bem simples (apesar de boas), cortando o interior do país. Belas paisagens fizeram o tempo voar. O tempo não estava dos melhores, mas pelo menos não estava chovendo. De certa maneira ajudou a não ter tenta gente no parque, que normalmente é lotado.

Plitvice

Lindas cachoeiras

Existem diversas trilhas, para rodar todo o parque demora cerca de 4 horas. Devido as chuvas fortes que caíram na região, algumas partes das trilhas estavam interditadas, pois a água passava por cima da passarela.

Passarelas

Passarelas

São incontáveis cachoeiras e lagos. O mais legal é que a água corre no meio das arvores e plantas e não só por pedras. Isto da todo um clima para a região. Lindo o parque, que é patrimônio da Unesco. Mais no final das nossas trilhas fomos brindados com o sol, que saiu de trás das nuvens! Os lagos, com suas águas límpidas, não chegaram a dar aquele tom azulado, mas a beleza do lugar é tão grande, que independe disto.

Plitvice

Plitvice

Lago e água escorrendo entre as arvores.

Missão cumprida, tínhamos que pegar estrada para mais uma esticada, agora até Liubliana, capital da Eslovênia. Mas não sem antes parar para comer alguma coisa. Diversas placas mostravam um animal, que não conseguíamos identificar, espetado em um rolete. Estávamos ansiosos para experimentar algo novo. Mas no final das contas era só ovelha e porco. No lugar que paramos já tinha até acabado a ovelha, então não tivemos muita opção. De qualquer maneira a comida estava saborosa e a refeição custou cerca de 5 Eur por pessoa, junto com bebida.

Optamos por não pegar a estrada principal,  e cortamos caminho pelas secundárias. Apesar de mais perto, tornaria a viagem um pouco mais longa, por outro lado bem mais bonita. Não nos arrependemos!! Não demorou muito para chegarmos na pequena fronteira com a Eslovênia.

 

 

Pós revolução nas montanhas celestiais!

O Quirguistão é um pais montanhoso, muito montanhoso. Algumas destas montanhas atravessam boa parte da Asia Central. Uma das maiores cadeias de montanhas ‘e a Tian Shan, que significa “Montanhas Celestiais”. O Quirguistão divide outras coisas com seus vizinhos, a origem do povo e da língua são praticamente os mesmos. A independência de todos estes países também aconteceu na mesma época, com o colapso da URSS. Mas entrando na politica as coisas ficam diferentes. O Uzbequistão tem o mesmo ditador, odiado por todos, desde a independência  O mesmo acontece com o Cazaquistão  se bem que o ditador la ‘e adorado por muitos (o que não faz o petróleo . No Quirguistão um ditador não se mantem por tanto tempo. Em 2005 houve a revolução das tulipas, e depois de muito quebra-quebra e mortes, o ditador teve que fugir do pais. Novo presidente, sistema e problemas antigos, muita corrupção  nepotismo e descontentamento fizeram com que a população fosse as ruas novamente ano passado. Novo quebra-quebra e violência  Carros incendiados e a policia/exercito abrindo fogo contra a população  Centenas de mortos e milhares de feridos. O novo presidente não aguentou a nova revolução  e também teve que fugir. O pais ainda sente esta revolução recente. Existem os otimistas, mas outros falam que so os marionetes foram trocados. Hoje o Quirguistão  assim como o Brasil, tem uma Presidenta. Vamos ver como ‘e que elas se saem…

Depois da despedida da mãe e Clau, tiramos um dia para descansar, lavar roupas e programar os próximos dias. Nosso próximo destino era Kol Ukok, bem perto de Kochkor, montanha acima. Havia uma pequena possibilidade de chuva, mas quando acordamos de manha, resolvemos cancelar, pois as montanhas estavam encobertas com nuvens escuras. Não foi a primeira vez que as montanhas fizeram isto comigo. Prorrogamos para o dia seguinte. Depois de ter chovido, parecia que daria certo, mas só no tempo de tomar cafe da manha, o vento bateu e as nuvens voltaram. Cancelamos novamente, mas arriscamos uma saída pela vila. Próximo do horário de almoço o tempo limpou, e decidimos aproveitar a oportunidade. O inicio da subida ficava a poucos km da nossa pousada. Tivemos que esperar um pouco ate nossos cavalos chegarem. Nesse meio tempo já iniciou nova movimentação de nuvens. Mas todos falavam que só na primavera que chovia forte, que no verão seria uma chuva fraca e curta. Resolvemos arriscar. A subida por um vale, sempre montanha acima, com uma super vista de Kochkor e suas montanhas atras. Os cavalos passavam por pedras, rios, ladeiras, com a maior tranquilidade. A medida que fomos subindo, fomos nos aproximando dos restos de neve, e também das nuvens, que ja estavam quase ao nosso lado. Ameaçava chover, mas por um momento parecia que tudo tinha ficado para trás  Foi quando já bem no alto da montanha, iniciou um vento forte.

Tempestade vindo

Trovoadas não muito longe, no cume das montanhas ao nosso lado. Veio uma chuva fina e já tínhamos colocado a roupa adequada. Ficou frio, bem frio. De repente minha jaqueta preta foi ficando branca. Falei para a Bibi se cuidar que estava chovendo granizo, mas logo percebemos que não tinha problema, na verdade estava nevando! Sim, neve em pleno verão do Quirguistão  Olha, só não foi melhor, porque passamos um frio desgraçado  Nossas mãos congelavam, e não queríamos parar para pegar mais roupas na mochila. Nao muito tempo depois, atingimos o ponto mais alto, e o tempo abriu totalmente. Parecia combinado para podermos ver a paisagem do lago azul com as montanhas nevadas ao fundo. Ainda tínhamos que contornar o lago, para chegar mais perto das montanhas, e ver em qual dos sete yurts que ficaríamos  O lugar era fantástico  perfeito para mim, com certeza um dos lugares que mais gostei nesta segunda etapa da viagem! Eu ficaria uma semana la só subindo as montanhas ao lado, glaciais e outros lagos. O problema para a Bibi ‘e que era zero estrutura. Nada de banho, na verdade não tinha nem banheiro. Bem autentico.

vista da janela do yurt

A família que ficamos era bem gente fina, e passamos um bom tempo dentro do yurt nos aquecendo com chá quente. Mesmo de dia ligaram o aquecimento, queimando bosta, e claro. Tinha um japonês acampando ali ao lado. Conversamos bastante e tomamos leite de égua, aquele fermentado. O vento estava de cortar, mesmo com o tempo bom. Eu parecia uma criança andando para cima e para baixo. Com o entardecer a temperatura despencou ainda mais, e o céu parecia um planetário.  Nosso yurt tinha uns furos, mas pelo menos as cobertas eram grossas. Durante a noite cheguei a pensar que um lobo atacava uma ovelha de tanto que ela berrava, mas estava só dando cria haha. Segunda vez que isto acontece, outro dia foi uma jumenta. Eu tinha falado que iria entrar no lago, mas não tive coragem. Alem de encarar a água quase congelada, teria que sair num vento gelado. Ficou para a próxima.

 

O retorno foi com tempo bom, mas longo e sem paradas. As centenas de marmotas continuavam correndo, atravessando a trilha, e dando sinal para as outras. Depois de umas cinco horas resolvemos descer dos cavalos, e seguir a pé  pois já não dava mais para aguentar de dor. Ficamos na casa da mesma família, e tomamos um merecido banho quente. Nosso próximo destino era Naryn, algumas horas dali. Chegando la decidimos nem ficar na cidade, e continuar a viagem ainda mais ao sul, bem perto da fronteira com a China. No caminho muita poeira, e muitos caminhões e chineses trabalhando na nova estrada. Saímos em uma estrada secundaria, passando entre um cânion  ate chegar em Sary Tash. Ficamos em Yurts no vale, com vista para o antigo e diferente caravançarai  Mal tínhamos chegado, vieram umas pessoas se apresentar para nos. Um deles se dizia o Consul do Brasil no Quirguistão.  Dei risada, pois ele mal falava inglês. Ele tinha um boné com o Cruzeiro do Sul e escrito em Kyrgs.

Demorou um bom tempo ate entender que era um titulo honorário  e que ele era um homem de negócios  Fomos convidados para um banquete com eles, tiraram muitas fotos e demos muita risada. Fomos forcados a tomar umas vodkas. Quando alguém oferece um brinde, todos escutam atentamente esta pessoa falar sobre cada um da mesa, e depois viram o copo. Nos fizemos de bobo e fomos tomando devagar. Tinha uma jornalista que falava bem inglês  e ela serviu como interprete. E-mails trocados, mais fotos, prometemos ir ate o seu cafe restaurante “Pele”, para conversarmos mais. Ele contou que tinham 11 brasileiros em Bishkek, sendo que 3 eram jogadores de futebol, e nos prometeu colocar em contato com eles. Neste lugar não tinha chuveiro, mas tinha uma daquelas saunas de pedra, onde aquecem a água com fogo, e mistura água fria para tomar banho. Melhor do que nada, mas depois de limpo fica aquela sensação de suado.

Banquete

Noite fria, mas um bom yurte fez com que nem sentíssemos  Tivemos uma surpresa que no dia seguinte não encontraram os nossos cavalos. Eles amarram as patas dianteiras do cavalo como se fosse uma algema, mas mesmo assim eles desapareceram. Foram pulando sei la para onde. Ficaram procurando ate tarde, e so nos avisaram quando já não dava mais tempo de subir os mais de 4000 mts ate o passe que daria para enxergar mais um lago entre as montanhas. Decidimos caminhar pelo vale, sem pretensão de ir muito alto. Depois de algumas horas, quando vimos uma movimentação de nuvens, decidimos voltar, pois nova tempestade estava vindo. Inacreditavelmente conseguimos chegar nos Yurts sem nos molharmos.

Caravansarai

Ainda visitamos o caravançarai por dentro, antes de retornar para Narin. La chegando achamos um apto bem barato, mas como queríamos interação, buscamos uma casa de família  Ficamos num daqueles blocos soviéticos caindo aos pedaços  mas que dentro era bem reformado. Alias Narin e cheia destes blocos, uma cidade bem espalhada, decadente, com um rio cortando ao meio.

Narin

Caminhamos pela cidade e ficamos amigos de umas pessoas de Bishkek que estavam no quarto ao lado. Trabalhavam para a Unicef, e acabamos jantando juntos. Novamente nos incluíram nos rounds de vodka, e ficamos escutando como os tempos soviéticos eram bons, muito melhores que agora. Um deles brincava: “antes não tínhamos dinheiro, mas tínhamos tudo! Agora podemos ter dinheiro, mas não temos nada…”. Quando ele disse que se tivesse uma nova URSS ele sairia correndo para la sugeri dele ir para Cuba, mas acho que ele não entendeu minha ironia, ou talvez tivesse bebido demais para isto.

Adoramos nossa estadia, nossas anfitriãs e vizinhos, mas tínhamos que voltar para Bishkek. Pegamos uma mashtruka (microonibus) e encaramos a estrada. Nosso hotel tava lotado, e ao buscar um lugar para ficarmos acabamos encontrando nossos amigos israelenses de Bukhara. Saímos para jantar, bater papo e contar as aventuras do ultimo mês  Deu tempo de acertar mais um ou outro detalhe, nos mudarmos para o nosso hotel favorito, pois teríamos nova companhia. Agora os irmãos da Bibi que viriam para viajar conosco.

Bishkek