Se Dargavs, a cidade dos mortos, ficasse em algum outro país europeu, seu dia a dia seria diferente. Existiriam filas de turistas, lojinhas vendendo cartões postais, imãs de geladeira e camisetas. Barracas de comida nas proximidades disputariam os turistas a tapa. Hotéis com vista para a “cidade”, tours diários direto de Vladikavkaz, passes especiais para visitas noturnas em dias de lua cheia. Com certeza estaria listado na lista do patrimônio da Unesco e figuraria entre as principais atrações de qualquer país. Mas (para nossa sorte) não está! Ela esta perdida no meio do cáucasos, isolada, parada no tempo, cercada por montanhas de pelo menos 4 mil metros…
Saindo de Vladikavkaz, fomos sentido sudoeste, como quem iria para a Ossétia do Sul. Não tinha como não lembrar com frustração que estava tão perto deste “não-país”, mas que não poderia visitar por ter perdido a data de entrada. O Marcelo me incomodava dizendo que esta seria uma grande “mancha no meu currículo”. Depois de diversos contatos e burocracia com as autoridades da Ossétia do Sul, agora os planos eram outros.
Dezenas de guindastes se destacavam nas obras de novos conjuntos habitacionais sendo construídos nos arredores de Vladikavkaz. Igrejas ortodoxas e memoriais de guerra montavam a paisagem que se tornava rural, com as imponentes montanhas do cáucasos atrás. Na parada para abastecer, carros da Ossétia do Sul nos mostravam o quanto estávamos perto deste “País que não existe”. Já conformado que não iriamos para lá, agora tentávamos achara o caminho para Dargavs.
Uma estrada simples, pequena mas relativamente bem conservada ia acompanhando uma corredeira que trazia água de desgelo. Nosso motorista, chamado “Guia” estava animado. Nunca tinha ido para “temida” Dargavs – a cidade dos mortos. Diz a lenda local que quem visita a cidade não volta vivo. Não sei se foi por isto, mas um pouco para frente paramos num local para fazer oferendas. Ele nos deu moedas e nos chamou para jugarmos numa espécie de poço. Nem pensamos duas vezes, poderíamos estar garantindo as nossas vidas, era melhor seguir o script.
Fomos viajando entre as belas montanhas, quando passamos por uma cidadezinha, Koban (?), relativamente bem estruturada. Fortes antigos e diversas torres tradicionais ao longo da colina. O “Guia” tentava nos explicar que era um lugar turístico, onde “muitos estrangeiros” vinham. Ok, quem sabe (como osseta) ele estava se referindo aos Russos como estrangeiros. Ele escutava animado musicas internacionais, e enquanto tocou Sting, nos questionou se não era musica brasileira. Não nos parecia muito bem informado…
Mudamos os trajeto, agora não seguíamos entre as montanhas e sim montanha acima. Avistamos pela primeira vez o Monte Kazbegi, o mesmo que tínhamos visto dias antes do lado Georgia. Entre uma e outra encruzilhada ficamos na duvida para onde seguir. Fomos atendidos por um simpático casal de ossetas. Mesmo Dargavs sendo tão incrível, não tinham a menor ideia de onde queríamos ir. Tivemos que mostrar uma foto para nos apontarem a direção. Antes disso a senhora fez questão de me levar até uma pequena casa de madeira próxima do rio. O Marcelo, Leo e Khouri não entendiam porque eu tinha entrado no “banheiro” com ela e demorado tanto. Na verdade era o local onde ela produzia pão para toda a vila, acho que ficaram aliviados ao saber disto. O marido, provavelmente depois de ter tomado umas doses de vodka, nos abraçava e sorria sem parar.
Não estávamos longe de Dargavs, e quando chegamos ao próximo vilarejo, decidimos ir caminhando, para observarmos melhor o ambiente todo. O rio Gizeldon estava tímido, com pouca água, mas todo o vale e as montanhas dão um clima especial para o lugar.
Dargavs, a cidade dos mortos, na verdade é um cemitério. São cerca de 100 criptas, construídas entre os seculos 12 e 16. Todas as necrópoles tem uma arquitetura bem singular e uma torre solitária se destaca um pouco mais a direita.
O silencio tomava conta do lugar. Teias de aranha comprovavam o abandono, mas a beleza de todo o conjunto nos impedia de achar algo de assustador. Até mesmo os caixões abertos e os esqueletos pareciam estar em harmonia. Moedas nas entradas de algumas tumbas são a unica marca de que existe visitação por ali.
Uma das lendas é de que uma praga assolou a Ossétia centenas de anos atras. Dargavs teria sido construída para servir de abrigo para os doentes, que teriam vivido lá enquanto aguardavam a sua morte. Dai viria a história de que quem vai para Dargavs não volta com vida. Arqueologistas comprovam que as construções são bem mais antigas que a praga de poucos seculos atrás, que dizimou grande parte da população. De qualquer maneira não é difícil de imaginar que a praga tenha dado origem a esta superstição de não sair vivo de lá.
Depois de explorar toda a região por horas, procurar curiosidades, subir na torre e apreciar a vista fantástica do local, decidimos voltar. Durante o longo trajeto não fazíamos piada sobre não voltar de lá com vida. Não queríamos dar chance para o azar. Com tantas curvas, precipícios e motoristas com hábitos suicidas, demoramos para relaxar.
Poucas horas depois, contornamos Vladikavkaz e nos aproximamos da fronteira da Rússia com a Geórgia. Uma fila de caminhões apareceu, nos mostramos que não teríamos tarefa fácil. Se na ida para a Ossétia o “Zico” deu um show de habilidade/contatos/proatividade, agora era a vez do “Guia” mostrar seus talentos. Furava fila, desafiava “caras de poucos amigos” e só parava quando aparecia um carro de polícia. Também tinha uns contatos por ali, o que claro que facilitou muito. Depois de varias situações, chegamos a imigração russa. Furando novamente a fila descaradamente, questionei porque ninguém reclamava. Ele só fez sinais mostrando telefones, armas e outras coisas que não entendi direito. A mafia estava conosco novamente, não seria desta vez que nos impediriam. A oficial da imigração se frustrou quando não entendemos nenhuma das perguntas que fez. Perdemos uns minutos mas logo fomos liberados.

A equipe! Agora parados em um congestionamento na “terra de ninguém”, entre Ossétia (Rússia) e Geórgia
Mas não chegaríamos com tanta facilidade à Geórgia. ainda tinha toda a “Terra de ninguém”entre as duas fronteiras. Nosso motorista fez o possível e impossível, ultrapassou filas dentro de tuneis e tudo, mas uma hora tudo parou. Ficamos um bom tempo parados em congestionamentos, só observando a “mafia dos fura fila”. Nos aproximando da República da Geórgia a situação foi se normalizando. Na imigração nos olharam com certa suspeita, fizeram meia duzia de perguntas e nos liberaram. O transito fluiu e não demorou muito para chegarmos próximo de Kazbegi. A noite se aproximava e não imaginávamos ter que enfrentar um novo congestionamento, quando de repente cruzamos com milhares de ovelhas!! Uma situação no minimo inesperada, mas para falar a verdade nada mais nos surpreendia…