Principado de Svaneti

Quando saí para meu projeto dos “Países que não existem”, sabia que passaria pela Geórgia varias vezes. Sabia também que não poderia dar a atenção devida ao país. Não seria a primeira vez. No início de 2011, quando parti de Istambul para percorrer a Rota da Seda, minha ideia inicial era de passar pela Geórgia e Armênia antes de ir para o Irã. Acabamos nos atrasando um pouco e teríamos somente duas semanas para percorrer estes países (alguns vistos da Ásia Central tem data marcada). Surgiu a possibilidade de visitarmos o Norte do Iraque e optamos por esta rota. Seria muito mais difícil voltar para para o Iraque do que para a Geórgia. Não é que eu estava certo?!

Como a Bibi não foi comigo, existe uma probabilidade bem alta de eu voltar para os Cáucasos. A região que eu mais gostei da Geórgia acabou aparecendo no roteiro meio que por acaso. Dias antes, um deslizamento de terra bem grande aconteceu na Military Highway, estrada que liga a Geórgia com o Sul da Russia. Falavam em semanas para liberar a estrada, pois até o posto de fronteira que tinha sido danificado. Com isto ia por água abaixo meu plano de visitar a Ossétia do Sul, já que o único acesso permitido é via Russia. Com esta situação, tínhamos alguns dias extras e não foi difícil escolher o destino: O antigo Principado de Svaneti, a mais alta região habitada da Europa.

Não deixa de ter uma ligação com o meu projeto, já que no passado já fez parte do Reino da Abkhazia, antes de ser anexado ao reino da Geórgia. Devido a localização estratégica, sempre foi de extrema importância. Foi protetorado dos Bizantinos para se defenderem dos persas e dos russos que temiam a invasão dos otomanos. Tão isolado que mesmo durante a URSS conseguiu preservar bastante sua tradição.

Estávamos voltando da República da Abecásia, o Marcelo iria encontrar com dois amigos em Tbilisi capital da Geórgia, e eu fiquei em Zugdidi. Sabia da infrequência do transporte publico no período da tarde. As estradas, apesar das ultimas reformas, ainda são lentas e cheias de curvas. Parei no pequeno patio de ônibus e me informaram que quando chegassem mais passageiros sairia. Estava com uma cara que demoraria horas e resolvi comer alguma coisa. Me deliciava com mais um prato tipico da região quando vi uma marshrutka (lotação) parando na frente do patio onde funcionava a “rodoviária”. Sai correndo a tempo de embarcar sentido Mestia, “capital” de Svaneti.

Caminho para Mestia

Caminho para Mestia

Não demorou muito e começamos a subida. A paisagem foi mudando, curvas e mais curvas, penhascos e lagos. Foram horas de viagem, mas poderiam ser dias que não reclamaria. Cabeça encostada na janela, vendo a paisagem incrível passar como se fosse a televisão da vida real. Só tirei o sorriso do rosto quando percebi que o motorista estava bêbado. Numa das nossas paradas ele tomou mais duas garrafas de cerveja, o que me deixou preocupado. Cheguei a pensar em pegar carona, mas o final de tarde se aproximava e a estrada não tinha movimento. As curvas aumentaram, mas nosso “piloto” parecia saber o que estava fazendo. Horas mais para frente, paramos para ajudar a tirar um sofá de cima de uma caminhonete e entregar para uma família. Muito contentes com minha ajuda, já me convidaram para comer e beber. O vinho rolava solto, mas para meu desespero a bebida preferida do motorista era o Chacha, uma vodka feita de uva, tipo uma grappa. Como não adiantava intervir, achei melhor relaxar, ou melhor, beber para relaxar. A “festa” de ultima hora parecia não acabar e acabei seguindo um uma outra lotação que passou por ali. Começava a anoitecer, a paisagem de montanha continuava incrível, e as primeiras torres de vigia dos Svaneti começaram a aparecer.

Mestia - Geórgia

Mestia com suas torres

A pequena Mestia funciona como a capital da região. Até que tem uma boa estrutura turística (mais que imaginava/queria), com hotéis e um ou outro restaurante onde o pessoal fica tomando cerveja e escutando musica no final da tarde. Muitos homestays onde as famílias fazem um dinheirinho extra alugando os quartos das suas casas. Alias, muitas destas casas já são verdadeiras pousadas, cheias de estrangeiros. Eu paguei 25 Lari, cerca de 10 euros para um quarto privado, com direito a café da manhã e jantar (bem servidos!).

Arredores de Mestia

Arredores de Mestia

Caminhadas

Caminhadas

O fato de ter ficado isolada nas montanhas por tanto tempo, preservou a cultura Svaneti. Eles tem uma língua própria, bem diferente do georgiano. As roupas, comidas e costumes também são diferentes. A partir de Mestia tem uma serie de passeios e trekkings para fazer. Algumas igrejinhas super antigas, um museu etnográfico mas a cultura e visual da região que são a grande atração. Cercada de montanhas, algumas delas nevadas e com diversas torres defensivas (construídas entre os seculos 9 e 12). Fiz uma caminhada até o Glacial Chalati, passando por outras belas paisagens. Não foi difícil conseguir carona na volta, e nem fiquei surpreso quando me convidaram para beber. Beber parece ser um esporte nacional por aqui também!

Glaciar

Glaciar

Foram dias gostosos mas ainda não tinha terminado a minha jornada por Svaneti. Um pouco ao sul de Mestia fica Ushguli, quatro pequenos vilarejos com casas de pedra, cheios de torres defensivas, à sombra da maior montanha da Georgia ( Mt Shkara, 5068metros). O caminho não é fácil, umas quatro horas para percorrer menos de 50 quilômetros, mas o trajeto é fascinante. Ushguli é daqueles lugares que se pode usar qualquer tipo de elogios e superlativos, mas mesmo assim não se consegue descrever a beleza da região. Tão pouco as fotos conseguem traduzir o encanto do lugar!

Ushguli, Svaneti

Ushguli, Svaneti

Caminhei entre as vilas, visitei igrejas, monastérios e observei o dia a dia da região. As imponentes montanhas ao fundo – alem do povo em geral- davam todo um clima para o vale. Cachorros usados para pastoreio estavam por todos os lados. Alguns faziam companhia nas caminhadas, outros intimidavam quando me aproximava de alguma casa ou tentava interagir com alguém. Mais para frente vou escrever sobre as inúmeras atrações da Georgia, país com potencial turístico muito grande, mas Svaneti foi o lugar que mais gostei de todos que visitei!

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Gostaria de ter passado mais tempo nestes vilarejos, dar chance ao acaso, entrar no dia a dia local. Existem diversas casas que alugam quartos, deve ser uma experiência incrível ficar uns dias por ali. Infelizmente acabei só passando o dia. Na noite anterior soube que a fronteira com a Russia tinha sido reaberta, e apesar da lentidão, era possível atravessar. Eu já havia perdido a data de entrada para a Ossétia do Sul, mas não deixava de ser uma oportunidade de visitar algumas repúblicas do Norte do Cáucaso, que ficam no sul da Russia.

Interessante que em linha reta, se atravessasse as montanhas, eu não estava a mais de 10 km do sul da Russia (a montanha mais alta da Europa fica do outro lado da fronteira,  o Monte Elbrus, com 5642mts).  Porem a unica estrada da Georgia para a Russia é a Military Highway . Eu teria que voltar até Mestia, acordar muito antes do sol nascer para garantir espaço em uma lotação até Tbilisi e da lá pegar outra lotação, montanha acima novamente, até Kazbegi. Confesso que senti falta de ter uma das coisas mais importantes numa viagem, “Tempo”, mas compensei com muita disposição. Cansativo? Claro que sim, mas as paisagens, pessoas e experiencias faziam que eu quase não lembrasse disto!

 

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