Quando eu visitei o Nepal, em 2005, o país ainda era um reinado. Alias o único reino hindu do mundo. Mas a situação já estava ficando complicada. Muitos diziam que o rei tinha assassinado seus familiares para chegar ao poder, e a guerrilha maoista estava tomando grande parte do país. Lembro de ver os protestos na televisão e pensar se deveria mesmo ir para lá.
Foi um voo longo. Curitiba-São Paulo- Londres (onde deu tempo de ir até um pub)- Delhi (ainda no aeroporto velho, cheio de pessoas dormindo no chão) e finalmente estava sobrevoando Katmandu. Se a palavra Katmandu já soava “exótica”, lembrava a famosa trilha hippie, ao sobrevoar a cidade com o topo de seus templos em destaque, deu aquele friozinho gostoso na barriga. Respirei fundo, e peguei um transporte até o bairro mochileiro de Thamel.
Ruas estreitas, cheio de comercio e hotéis Lojas de equipamentos para montanhistas, pessoas vendendo haxixe em todas as esquinas. Fui andando sem destino pelos labirintos. Encontrei um hotel bacana, com um patio/jardim gostoso na entrada. Nem parecia que tinha aquele caos logo na frente. Achei o preço de 4 dólares o quarto com banheiro bom. Me surpreendi que ao não negociar, acabaram baixando para 2,70 sem eu pedir. Não entendi se ficaram com medo que eu descobrisse o preço que os outros dois hospedes estavam pagando, os se queriam que eu recomendasse o lugar. O que era certo é que com os problemas com os guerrilheiros maoistas, o turismo tinha despencado, e os preços de tudo também.
A praça principal, a Durbar Square, estava a poucas quadras da onde eu estava. Fui algumas vezes lá. Um templo ao lado do outro, adorava subir as escadas e curtir o lugar como um todo. Sempre parava alguém para bater papo. Também não estava longe do ” Kumari Ghar” ( Hanumandhoka palace) de onde esta a ” Kumari”, uma deusa viva para o Hinduísmo e alguns ramos do budismo.
Para identificar a Deusa, utilizam o “horoscopo”, que aponta 32 atributos a uma criança. Ela é colocada em um quarto escuro para confrontar seus medos em rituais aterrorizantes, e se encontra com divindades. A verdadeira Kumari devi não vai se assustar, e após uma cerimonia para receber o espírito divino, vai ser venerada por todos. Quando ela entra na puberdade, seus dias de Deusa estão contados. Ao menstruar pela primeira vez, ela estará se tornando humana novamente. A relação com o sangue e humanidade é muito forte, portanto nada de se cortar. Um simples sangramento também acabaria com a divindade dela, e buscariam uma nova Kumari.
Era setembro, e tive a oportunidade de participar do festival Indra Jatra, onde existe uma procissão, e a Kumari abençoa a todos os milhares de participantes, inclusive o rei.
Lembro de ter sentido bastante o Jetlag, acordado no meio da noite e ter bagunçado bastante o fuso horário Acordei cedo na marra, e de ir caminhar de manha antes do comércio ter aberto.
Swayambunath, também chamado de Monkey Temple, é um complexo com uma grande estupa no topo de uma colina. Esta estupa tem pintada os olhos de Buda, é é muito sagrada (um dos mais antigos do Nepal). Existem macacos que são considerados sagrados por ali também, por isto o nome de Monkey temple.
O domo simboliza o mundo, e os olhos o “despertar”, sabedoria e compaixão. Os 13 degraus da “torre” no topo mostram os estágios da vida espiritual, até atingir a iluminação. Subi os 365 degraus até chegar no topo da colina, onde esta o domo, conversei com muitos monges e curti o lugar.
Ainda no vale de Katmandu, estão outras cidades históricas, como Patan. Linda arquitetura, templos e também muito famosa por seu artesanato.
O tempo Pashupatinath esta na beira do rio Bagmati e é o principal local de adoração do Deus Shiva. Pashupatinath é a encarnação de Shiva em um Servo, portanto atua como um protetor dos animais, como o São Francisco para os cristãos.
Na verdade parece um grande parque, com vários templos e Ghats. Estes Ghats, escadarias com acesso ao rio onde fazem os rituais de cremação. Existem as escadarias onde as mulheres frequentam, outras que só a realeza, e assim vão se dividindo. Muitos Sadhus, Homens-santos hindus que abandonaram o mundo perambulam por ali.
É incrível ver o Budismo e Hinduísmo lado a lado. Os Hindus acreditam que Buda é uma manifestação de Vishnu, mas não é o que os budistas pensam no bairro Boudanath. Um dos lugares mais sagrados para os budistas. Outra grande estupa com os olhos de Buda, que podem ser vista de longe, e diversas gompas (monastérios) ao redor. Muitos refugiados tibetanos moram na região, e ao caminhar pela região, era convidado para entrar nas pequenas casas e bater papo.
A grande altitude das montanhas formam rápidas corredeiras por todo o país, e eu decidi fazer rafting. Peguei um ônibus que ia parando na entrada e saída de cada cidade para ser revistado pelo exercito, até chegar no ponto de saída. Foi um dia inteiro encarando as corredeiras, água gelada e verdadeiras ondas que se formavam quando a corredeira batia nas pedras. Por sorte não virou nenhuma vez, foi muito divertido mas passamos um sufoco!
Mais um onibus pelas belas paisagens e até me acostumei com os controles do exercito. Todos deciam para apresentar os documentos muitas vezes eu só acenava para os soldados da janela. Acho que eu não tenho cara de maoista, pois muitas vezes não pediram para eu decer.
Cheguei em Pokhara já de noite, uma bonita cidade na beira do lago Phewa. Uma cidade relativamente estruturada para o turismo, mas novamente sem estrangeiros, o que fazia os preços despencarem. Ali é a saída para um dos trekings mais famosos do Nepal, até o acampamento base do Annapurna. Como eu pretendia ir até o Tibet, deixei para fazer um trekking em uma próxima visita ao Nepal.
Conversei com algumas pessoas, peguei uma canoa até a pequena ilha onde está o Templo Barahi. De lá consegui ir até outra margem do lago, onde segui trilhas ( e me perdi um pouco) até a Peace Pagoda, no topo da montanha. Uma grande estupa branca, com estatua de Buda dourado, erguida para promover a paz mundial. A vista do lugar é muito bonita, pena que as nuvens cobriam as maiores montanhas ( 3 das 10 maiores montanhas do mundo estão na região).
- Simpatia
Também não tive sorte quando fui até a vila de Sarankot para ver o sol nascer. Tudo estava nublado novamente. De qualquer forma não deixou de ser um passeio para conhecer melhor os arredores da cidade. Não muito longe dali está o campo refugiado de tibetanos Tashi Palkhiel, ótimo lugar para se desenvolver um sentimento anti-chines, devido ao absurdo que se vê lá. Anti-ocidente também, por se envolver em tantas gerras econômicas e se calar para outros absurdos que acontecem.
Curti bastante a região mas tinha que voltar para Katmandu. Novo ônibus belas paisagens e controles do exercito e estava de volta. Consegui acertar minha viagem ao Tibet e ainda fui visitar Backtapur, uma das mais bela cidade do vale de Katmandu. A ” cidade dos devotos” é mais uma da região listada na lista da unesco, e é fácil de entender porque. Portais, templos, palácio e pagodas fazem do ambiente um lugar fantástico.
Muitos outros lugares interessantes como Changu Nayaram, os artesãos de potes em Thimi, e tantas outras coisas que acontecem entre todos estes lugares, aleatoriamente, fizeram eu adorar o país, seu povo e cultura. Mas era hora de me despedir, e já com o visto especial do Tibet no passaporte, seguia pelas estradas rumo ao norte.
cara,que loucura….
Gui seu relato sempre transporta…Impressiona a realidade agora deste terremoto que devastou esta região tão significativa culturalmente, despedaçando não só a historia como os seres humanos que lá ficaram sem os que se foram…