República da Abecásia, mais um dos países que não existem?

Depois de uma rápida passagem por Tbilisi, capital da Geórgia, pegamos outro trem noturno, até Zugdidi, no oeste do país. Mais uma viagem longa em um trem lento. Chegamos o dia ainda não havia amanhecido e buscamos transporte até a fronteira. Bem, fronteira na pratica, pois na teoria a Geórgia considera a Abecásia como parte do seu território. É um país de facto independente, mas com reconhecimento limitado, mais um dos “Países que não existem”.

A região passou por diversos domínios, existiam principados menores fazendo parte de reinos maiores. Politicamente a Georgia sempre teve uma influência muito grande na região, mas etnicamente e linguisticamente o povo de lá é mais ligado aos seus vizinhos do norte, no Cáucaso russo. Como colapso da URSS a Abecásia quis ser um país, e não somente um território da Georgia.

Chegando próximo do rio Igur, um pequeno posto de controle da Georgia. Quase passamos despercebidos mas nos chamaram e anotaram o número do nosso passaporte. Carroças faziam o transporte até o outro lado, mas fomos caminhando pela pequena estrada e depois por uma longa ponte, onde lá no fundo já era possível avistar uma bandeira da República da Abecásia e barreiras do exército.

Ponte Georgia x Abecásia

Ponte Georgia x Abecásia

Meia dúzia de pessoas formavam uma fila, uns se encostavam na pequena guarita, ao lado de uma cancela fechada. A fronteira ainda não tinha aberto,  esperamos um tempo por ali, só fantasiando como seria do outro lado. Quando liberados, andamos pelos corredores de grade e arame farpado até o controle de passaporte em si. Na nossa vez, o oficial perguntava em um inglês sofrível detalhes da nossa viagem. Ele falava alto, quase que gritando, como que se desta forma fossemos entender melhor. Eu tinha anotado uns nomes de hotéis, mas o que falei não ficava bem no centro da cidade e ele ficava fazendo mais perguntas pois a resposta não tinha sido muito precisa.

Fronteira

Amanhecer na fronteira

fronteira

Primeiro controle Abecásia

Imigração feita, fomos negociar um transporte. Existem duas opções: Um táxi direto ou lotação até Gali não muito longe dali, e outra até Sukhumi, capital da Abecásia. Negociamos o valor com um taxista, conseguimos outros passageiros para dividir, e desta forma o preço não ficou muito mais alto do que se fizéssemos em etapas. Já tínhamos um pouco de Rublos russos, moeda utilizada lá, o que facilitou bastante, pois se não existe nenhum comercio na fronteira, imagine uma casa de cambio. A Abecásia tem sua própria moeda, o Apsar, mas é basicamente figurativo, o Rublo que é a moeda corrente.

Fomos percorrendo a estrada, parecia que entravamos em um filme pós-guerra. Tudo abandonado, casas destruídas, já sendo tomadas pela vegetação. Marcas fortes de destruição, como se o cheiro de morte e do ódio ainda estivessem no ar. Fora estas ruínas ao longo da estrada, pouco lembrava que alguém já viveu ali. Por outro lado, o cinza dos destroços quase que desaparecia com tanto verde ao redor, isto para não falar das belas montanhas no horizonte. Muito poucas pessoas, uma região rural quase que esquecida no tempo. Vacas, muitas delas. Pastando e passeando no meio da estrada, que quase não tem movimento. Uma ou outra vila, mas o lugar é desolado. Esta é a região onde a maioria dos georgianos moravam, sendo expulsos em diversas guerras, até serem massacrados numa tentativa de limpeza étnica. Os que sobreviveram fugiram para a o outro lado do rio Ingur, ou atravessaram as montanhas.

Estradas vazias

Estradas vazias próximo a Gali

Até Sukhumi tudo abandonado, depois tudo  bem cuidado

Até Sukhumi tudo abandonado, depois tudo bem cuidado

Quando o cristianismo chegou na região, os abcasos se converteram. Séculos mais tarde, já sob o domínio Otomano, alguns se converteram ao islamismo. No século 19, quanto a Russia invadiu a região, estes abcasos  muçulmanos lutaram pelos otomanos. Com a conquista russa, tiveram que fugir para onde hoje é a Turquia, dentre outras regiões do Oriente Médio. Como a região ficou esparsamente povoada, os russos incentivaram e forçaram a imigração de Georgianos, armênios dentre outros povos. Quem diria que no futuro os Russos apoiariam os Obcasos contra os Georgianos…

Entramos em Sukhumi, e depois de deixar um passageiro, pedimos para nos levar direto na imigração. Tínhamos uma autorização de entrada, com datas específicas inclusive, mas precisa ir até o Ministério de Relações Estrangeiras para tirar o visto propriamente dito. Quando o motorista entendeu onde queríamos ir, exitou um pouco. Fez uns telefonemas, perguntou na rua e nos levou em um prédio do governo. Gesticulava e dizia “Niet, Niet (Não)”. Depois fomos saber que era feriado regional. Estávamos numa região bem central e decidimos ir caminhando mesmo. Passamos por parques e praças, muito arborizados mas sem uma viva alma. Logo chegamos ao State Drama Theatre e na parte principal do calçadão.

State

State Drama Theatre

Cafés descolados, hotéis, lojas com camisetas e bonés com bandeira da Abecásia, além de quinquilharias que turistas gostam. Era como se existisse um universo paralelo. Claro que tínhamos passado por um ou outro prédio com buracos de bala, mas a realidade ali é outra. Um lugar preparado e acostumado a receber turistas. Antes que imaginem turistas de diferentes nacionalidades, deixa eu ser mais específico: Turistas Russos! A fronteira com a Russia não é muito longe dali, seguindo por uma estrada litorânea,  são 140 km ao norte, bem pertinho de Sochi, famosa pelos jogos olímpicos de inverno.

Tinham me indicado algumas “goztinitza”, pequenas pousadas ou casas que alugam quartos. Para nossa surpresa, estavam todas lotadas. Uma disponível queria alugar só para longos períodos. Muito solícitos, tentavam ligar para conhecidos tentando achar uma vaga para nós. Foi quando um turco-abecaso, que falava um pouco de inglês se aproximou para ajudar. Nos recomendou um antigo hotel soviético. Disse que estavam reformando, ainda era de péssimo estado, mas o preço era bom. Fomos caminhando e batendo papo na direção deste hotel. Nos despedimos quando ele chegou perto da sua casa, e meio que por acaso, achamos uma pousada muito boa, ainda em construção também. O preço não era dos melhores, mas negociamos um pouco e nos deixamos ser convencidos pelo proprietário, gente finíssima. Ele falava inglês, seria uma ótima fonte de informações, o lugar era incrível, com um super café da manhã. Nosso cansaço e pouco tempo que teríamos lá com certeza ajudou na decisão também.

Atravessamos a cidade até o pátio onde ficam os ônibus e lotações, bem perto da velha estação de trem. Tivemos que esperar um tempo mas logo saímos sentido norte, primeiro subindo uma montanha e depois beirando a praia.

Estação de trem

Estação de trem

Bem fácil de pegar ônibus, só ler a placa

Bem fácil de pegar ônibus, só ler a placa

Litoral da Abecásia

Litoral da Abecásia

Avisávamos constantemente os passageiros onde queríamos descer, para ter certeza que não esqueceriam da gente e nos déssemos conta só próximo da Russia. Paramos em Novy Afon, um lugar movimentado perto da calmaria que estava Sukhumi. Cheio de turistas russos, seja indo para as paias com boias, nos restaurantes ou buscando os passeios da região.

Cavernas, lagos, cachoeira e cânion,  o antigo forte Anacopia em uma montanha e o Monastério Novi Afon entre as arvores. Região muito bonita, onde os moradores tentam aproveitar o fluxo de turistas e peregrinos. Muitas barraquinhas no caminho que leva até o belo monastério. As montanhas verdes atrás e os jardins floridos na frente deixavam o lugar ainda mais bonito. Já tínhamos ouvido falar bem, mas mesmo assim nos surpreendeu bastante pela beleza (interior e exterior) e grandiosidade do lugar. Na entrada distribuíam lenços para as mulheres cobrirem a cabeça e aventais caso alguém tivesse de bermuda.

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A praia mais famosa, Gagra, não fica muito longe, mas depois de passar por um parque e um memorial, resolvemos parar na praia ali na frente mesmo. Tanto os locais quanto as centenas de turistas pareciam pouco se importar se a República da Abecásia tem ou não reconhecimento internacional. Dentre os membros da ONU, Venezuela, Nicarágua, Nauru e Russia reconhecem (Vanuatu e Tuvalu reconheceram mas voltaram atrás). Outros países não membros como Transnístria, Ossétia do Sul e Nagorno-Karabakh também reconhecem, mas no final das contas isto muda muito pouco a vida local.

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Perguntando sobre transporte, e cansados de esperar um ônibus de volta, ficamos muito contentes quando um micro-ônibus de excursão russa nos deu carona. O motorista não parava de falar, provavelmente contando histórias do lugar e fazendo piadas, pois o pessoal não parava de dar risada.

Também pudemos aproveitar Sukhumi. Caminhamos pelo longo calçadão na beira do mar, conhecemos o jardim botânico, exploramos praças e mercadinhos e até fizemos degustação de vinhos. Num lugar cheio de russos, não foi novidade termos problemas para pedir comida. Cansados de tentar que nos entendessem, depois de falar inglês, português e até imitar galinha, a solução foi olhar para as mesas ao lado, escolher o prato mais bonito e apontar dizendo, quero este! Até que dava certo.

Calçadão em Sukhumi

Calçadão em Sukhumi

Jardin Botânico

Jardin Botânico

Conversei longamente com o dono do hotel que ficamos. Perguntava sobre o não reconhecimento internacional da Abecásia, e ele dava de ombros. Na verdade nós só precisamos da Russia, discursava. “O Ocidente acha que precisamos do reconhecimento deles, mas não precisamos, não estamos nem aí. Nossa vida não mudaria nada (…) o império americano e europeu esta em declínio, esta crise mundial só confirma isto (…) enquanto a Russia só se fortalece…” A exaltação russa era grande, assim como é a dependência da Abecásia do vizinho do norte. Sou meio provocativo e questionei porque a Russia não anexava a Abecásia de uma vez. Ele disse que a soberania era respeitada. Mais tarde fui saber que todos os abecasos puderam tirar passaporte russos, bastava mostrar os passaportes soviéticos. Alias, puderam usar os passaportes da URSS até 2011! Praticamente todos tem dois passaportes, e alguns dupla cidadania. Mesmo os que não tem o passaporte russo, podem viajar tranquilamente para a Russia com o passaporte abcáso, só não podem ir para outros países que não reconheçam a Abecásia como país.

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Tínhamos notado alguns carros modernos e caros nas ruas, muitos deles em alta velocidade e cantando pneu. Nosso amigo turco-abecaso dizia que algumas famílias controlavam tudo por ali. Talvez por causa disto que tiveram tantos protestos nas ruas meses antes (Abril 2014). Quando fomos tentar tirar o visto ficamos sabendo que o escritório havia mudado de lugar. Conseguimos as direções e faltava perguntar na rua para saber se estávamos no caminho certo. Na nossa primeira tentativa um senhor nos colocou no carro e foi até a porta do Ministério de Assuntos Exteriores. Entramos, sem fila e já fomos atendidos. Um senhor falou brincando “não, não é permitido voltar para a Geórgia”, mas riu antes de nos assustarmos. Pagamos pelo nosso visto e fomos embora. simples assim.

Visto

Autorização para entrar, Visto para sair.

Abecásia não é só Lada

Não são só Ladas que circulam por Sukhumi

Fizemos a volta em etapas, usando as lotações. Fila na fronteira, eu passei e o Marcelo foi chamado para entrevista. Queriam saber onde tínhamos ido, o que fomos fazer lá mas nada de mais. Tenso mesmo foi quando já tínhamos saído da ultima barreira e resolvemos tirar uma foto. Poxa, um banco de carro jogado num canto para as pessoas esperarem a cancela abrir parecia fotogênico. O guarda não gostou! Chamou outro soldado e recolheram nossos passaportes. Até achei que teríamos que pagar alguma coisa para sermos liberados, mas não. Quiseram ver as fotos da maquina que estávamos usando e pediram para apagarmos umas. Falavam “you jornalist?!” e nós no “niet, sorry, toutrist”. Imploramos perdão por uns minutos e eles nos liberaram provavelmente pensando “turistas estúpidos, por que tirar foto na fronteira!”

Seguimos pela ponte, passamos um posto de controle até a imigração da a Geórgia. O oficial só verificou o nosso passaporte (provavelmente para ver se não vinhamos da Russia, o que é proibido) e nos liberou. Pegamos outra lotação e logo me despedi do Marcelo. Ele iria para a capital, Tbilisi, se encontrar com dois amigos e eu seguiria para as montanhas, com a certeza de que a Abecásia existe!

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Carnaval em (El) Salvador!

Com a terrível guerra civil em El Salvador, muitos salvadorenhos emigraram para os EUA, principalmente para o estado da Califórnia.  Nos bairros de baixa renda, não foram tão bem recebidos, pois o grande número de pessoas chegando representava uma ameaça aos empregos de outros imigrantes. Marginalizados agruparam-se em uma gangue que foi crescendo e se organizando. Os Mara Salvatrucha, MS-13, passaram a ser respeitados e foram ampliando seu território, e dominando o tráfico de drogas em algumas regiões. Nisto acontece  uma dissidência e surge os Mara-18, que passam a ser rivais dos seus compatriotas. Ambas as gangues recebem também ex-guerrilheiros, e se tornam ainda mais violentas. Como última alternativa, os EUA passaram a deportar os chefes dessas organizações, mas o problema só aumentou. Em El Salvador as organizações cresceram rapidamente e com o dinheiro do tráfico nos EUA se profissionalizaram ainda mais.  Passaram a atuar como milícias, recebendo dinheiro em troca de proteção e exercendo poderes e influência politica cada vez maior.

A situação estava se tornando insustentável, quando no ano passado os líderes do MS 13 e Mara 18, sentaram para conversar dentro do presídio de segurança máxima em San Salvador. O governo deu algumas regalias para esses presos, e com o novo acordo, a violência despencou. Homicídios caíram 32% e sequestros 50%. Escutamos que jovens deixaram de ser recrutados, ou pelo menos criaram uma mínima idade para isto.

Exite um documentário chamado La Vida Loca  muito interessante sobre este assunto.

Ainda na Nicarágua  quando voltei da Costa do Mosquito para encontrar a Bibi em Santo Tomas, pedi a um senhor numa loja ligar para o mesmo taxista que tinha levado ela até o monastério. Seguimos pelas bonitas estradas rurais, e demorou uns 40 minutos até chegar lá. É um mosteiro trapista feminino, aquela ordem do filme “Sobre homens e deuses”. Tinha um padre italiano muito gente boa e outras hospedes, freiras franciscanas missionárias muito divertidas. Fiquei um dia com a Bibi e gostei muito do lugar. Antes de pegarmos a estrada para Leon, antiga capital e reduto dos Liberais no passado (Granada era onde prevaleciam os Conservadores).

Bibi com as missionárias e o padre

Bibi com as missionárias e o padre

Apesar de bonita, a arquitetura de Leon não chega a ser uma Granada, mas é muito mais “viva”. Cheio de estudantes nas ruas, pessoas praticando esportes nas quadras, movimentada. Os painéis pintados nas paredes e muros fazem a revolução parecer ainda mais viva.

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Painéis revulucionários pela cidadew

Painéis revulucionários pela cidadew

No nosso planejamento inicial, não iriamos para El Salvador. Ao longo da viagem fomos amadurecendo esaa ideia  Em Leon descobrimos que o ônibus que vai direto até lá não tem horário fixo, pois vem desde a Costa Rica. Resolvemos pegar os “chiken buses”, afinal em quilômetros não era tão longe. Mas isto quase custou a minha vida, não pelo perigo, mas porque a Bibi queria me esganar!!rsrs

Uma lotação de Leon até Chinandega, outra que já estava saindo até a fronteira em Casaule. Paga uma taxa de 3 USD para sair da Nicarágua e outra de 2 usd para entrar em Honduras (onde foram muito atenciosos). A Bibi quis comer e sem querer acabamos perdendo o ônibus que estava para sair (aí eu que quase a matei!rs). Foram horas pelas estradas abandonadas do sul de Honduras, onde crianças tapavam buracos em troca de moedas jogadas pelo motoristas, e lagartos eram oferecidos como uma nutritiva refeição de proteínas.

Lotação em Honduras

Lotação em Honduras

Chegamos em Somotilo/Guasaule onde fizemos nova imigração agora para El Salvador. Estranhamente não carimbam o passaporte, tem só um controle eletronico. Pegamos um ônibus até San Miguel onde conseguimos pegar outro até San Salvador, capital do país. Ônibus animado, com vendedores de tudo que é tipo de comida. Os saquinhos com bebidas também fazem sucesso por aqui. Saquinhos de água gelada são infinitamente mais baratos que água mineral. Os de água-de-coco gelado, com pedaços de coco dentro, são artesanais (com um nó na ponta), e são uma deliciosa pedida. Al[em dos vendedores ambulantes de tudo, há os cantantes que animavam o belo trajeto.

Chegando em El Salvador, já estava escurecendo. Muitas pessoas se ofereceram para nos ajudar a chegar aonde queríamos ir. Acabamos pegando um táxi até uma estação de onde saem micro-ônibus direto para a praia. A Bibi tava meio tensa com a história dos “Mara”, mas o pessoal falava que o maior problema era a violência entre eles, além da extorsão (o famoso pagar por proteção). Esperando o micro-ônibus na estação particular, vigiada com câmeras e seguranças fortemente armados, torcíamos para que o pagamento para os Maras tivesse em dia, pois se não estivesse seria uma guerra…rs

Mais quarenta minutos de viagem, agora num confortável ônibus com filme e musica, e nos deixaram na entrada da praia de El Tunco, logo após o porto de La Liberdad. Treze horas de viagem para percorrer menos de 500 km. El Tunco é uma praia famosa pelo surf, cheia de pousadas, portanto não foi difícil achar um lugar bom e barato para ficar. Centro pequeno, com meia duzia de restaurantes e outra meia dúzia de lojinhas. Como é voltado para o turista, os preços eram um pouco acima do que estávamos pagando na viagem, mas nada exorbitante. Apesar de ser considerado um destino onde rolam algumas noitadas, até que não estava muito movimentado fora do final de semana. Mas no sábado a balada era pesada, com muito ragaton e pessoal se esfregando estilo funk. Apesar de ser carnaval, não entramos no embalo. Estávamos em outro ritmo então relaxamos por uns dias, curtindo o final da viagem. Acordava cedo todo dia, para surfar quando o mar ainda não estava lotado. Encontramos o Igor, brasileiro que também estava viajando pela America Central, pela oitava vez, apesar de ter feito um trajeto totalmente diferente do nosso. Ele estava com outra brasileira, Ana, que conheceu em Honduras. Curtimos um clima de praia, comida e cervejinha. Férias da viagem, antes de irmos para San Salvador.

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El Tunco

El Tunco

Segundo aquela ironia, mais uma capital com uma catedral, palácio do governo, teatro, mercado de rua… e nada de mais. Mas queríamos conhecer a catedral para visitar o túmulo do Monseñor Romero, padre conservador, amigo da elite do país, mas que se comoveu com a causa camponesa, e acabou lutando e morrendo por eles e foi assassinado. A guerra civil foi brutal, e enquanto os camponeses estavam lutando, o governo (ditadura) contrarrevolucionário invadia as vilas e matava todas as mulheres e crianças, para abalar os guerrilheiros. Assim como tantos outros lugares que passamos, vimos que a guerra-fria não tinha nada de fria. Se EUA e Russia não tinham coragem de se enfrentar, patrocinavam pessoas para fazer isso por eles, testando seus equipamentos e lucrando com isto. Conseguimos comprar um livro a seu respeito e conversar com algumas pessoas que dizem ter sido curadas por milagres dele. O Padre Oscar Romero foi indicado para o premio Nobel da Paz em 1979, mas perdeu para Madre Tereza de Calcutá  Há quem diga que ele só foi não foi o vencedor por interferência direta dos EUA e da própria Igreja Católica. Nunca vamos saber. Gosto muito de uma frase dele, “o verdadeiro pecado é a injustiça”.

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San Salvador

San Salvador

Ainda tínhamos uma viagem até Tegucigalpa, capital de Honduras. Honduras é o país mais desigual das Amáricas (seguido de Guatemala e Brasil). Pegamos pela primeira vez o ônibus de alto padrão TICA bus, que circula por todas as capitais da América Central. Confortável,  mais rápido, mas sem graça. Uma viagem passa a ser somente um deslocamento, sem nenhum aspecto cultural. O turismo em Honduras se concentra no norte, basicamente nas ilhas Rotam e nas ruínas mayas Copan. Desta vez não teríamos tempo para visitar, mas numa próxima  viagem pelos países mais ao norte, com certeza estarão no nosso roteiro. De qualquer maneira, andando pelas estradas de Honduras,  nos deu vontade de viajar pelo interior do país, aleatoriamente descobrindo seus “segredos”. Tegucigalpa está no topo da lista das cidades mais violentas do mundo, onde grande parte dessa lista são cidades latino-americanas. Se alguém tem medo de ir para lá, vale lembrar que Maceió também está no topo de qualquer lista. Varias outras cidades brasileiras figuram as listas de mais perigosas do mundo, inclusive Curitiba.

A cidade não tem atrações em si. Se o Rio de Janeiro tem o Cristo redentor, Tegucigalpa tem o Cristo del Picacho. Se bem que este é bem menor e vistoso. O que não são menores são as favelas, que se espalham por toda a cidade, sendo difícil identificar onde termina um bairro e onde inicia uma favela. Talvez tudo seja uma mistura dos dois, sem contar com a pequena e milionária elite. Na frente do aeroporto um shopping moderno contrastava com o cenário. O pequeno aeroporto (maior aeroporto não fica na capital, e sim próximo as áreas turísticas) cobra uma taxa de saída caríssima, o que me deixou revoltado.

Colinas de Tegucigalpa

Colinas de Tegucigalpa

Tanto tempo de viagem pela América Central e agora um curto voo de volta para a Cidade do Panamá, onde dormiríamos uma noite antes de voltar para o Brasil.

Não conte para minha mãe… (Estou na Somalilândia!!!)

“Viajar é descobrir que todo mundo está errado sobre os outros países.” (Aldous Huxley)

Desde 1991, com a gerra civil na Somália, não existe mais só o país Somália, mais 3 países. Somália (onde vemos a guerra na TV), Puntland (onde estão os piratas) e Somaliland (onde há paz). Antes da independência , eram colonias distintas, a Somalilândia dominada pela Inglaterra e as outras pela Itália. Para conquistar a independência (anos 60) se uniram num só país. A capital  da Somalilândia, Hargeisa, foi severamente bombardeada pelos somalis (anos 90), mas conseguiram a independência e veem se desenvolvendo com o passar dos anos. Parece uma super historia de sucesso não? Um pais que do caos hoje tem eleições presidenciais populares com 3 partidos (raridade para a Africa), 4 empresas aéreas privadas (o Brasil com todo seu tamanho tem quantas?), diversas empresas de celular (Etiópia só tem uma) . Segurança? Uma das cidades mais seguras da África. Não existe crime contra o cidadão comum, não existe roubo, assalto, etc. Um país destes tinha que entrar no meu roteiro. Mas existia um grande problema. Não é reconhecido por nenhum país, então na verdade é uma terra de ninguém. Como não tinha nada planejado quando sai, e ficava “lá em cima”, deixei para ver pelo caminho como estaria a situação.  Nestes quase 6 meses encontrei um Inglês e um Polonês que tinham ido para lá e só falaram coisas boas. Pronto, estava confirmado. Em Madagascar soube através dos japoneses que um amigo deles foi do porto de Berbera (Somalilândia) para o Iêmen num navio que transportava gado. Era um plano inicial. Quando falei para o Guru que iria ele topou na hora. O Michael, que também passou a viajar com a gente, achou que seria uma oportunidade única, pois ele nunca iria para la sozinho, ainda mais com passaporte americano. O visto tirei logo que cheguei na Etiópia. Como não é um país reconhecido eles não tem embaixada e sim um Liaison Office. Um escritório de relacionamento. O visto ficou pronto em 5 minutos. Mas como ainda íamos viajar pela Etiópia, e o visto tinha validade de um mês daquele dia, tivemos que falar com o “cônsul” que nos ajudou prontamente, deu varias dicas e conversamos muito tempo. Pegamos o cartão dele com contatos de amigos na Somalilândia. Quando voltamos do circuito histórico, corremos para la para o Michael tirar o visto dele. Era uma sexta, tava fechado, e queríamos pegar o ônibus de domingo para Harar e depois seguir para Somalilândia. A solução foi pedir para o segurança ligar para o “Consul” que 15 minutos depois chegou, abriu o escritório e emitiu o visto. Ainda brincou que se soubesse que eramos nos teria vindo antes. Muito gente boa! A fronteira e feia, muito suja, cheia de plastico.  Chegando no lado da Somalilândia foram super atenciosos. O oficial da imigração ficou doente quando viu que eu era brasileiro. Falou de todas as ultimas copas, era fã de carteirinha. Falou que eu sou o primeiro brasileiro a passar por esta fronteira. Acho que ele se empolgou um pouco, mas não devem ter muitos. Passaporte carimbado, agora era só achar transporte ate Hargeisa. Ônibus? Não, nenhum. O transporte aqui são carros tipo perua, socados de gente. Preço em dólar, o dobro da Etiópia para a mesma quilometragem. Tivemos que trocar de carro porque queriam cobrar a bagagem no primeiro. Vimos que nem todos eram simpáticos quando um cara jogou a mochila do Michael para fora do carro. No segundo carro foi tudo certo e uma senhora retribuiu gentilmente a bolacha que recebeu com uma goiaba. Chegamos em Hargeisa e confesso que achei um caos por tudo que falavam. Claro que evoluíram um monte nestes quase 20 anos, mas a bagunça impera. Uma das primeiras cenas que vi foi um caminhão descarregando madeira. Quando prestei atenção era da chilena Arauco. Não podia ser! A Arauco era a principal concorrente da empresa que trabalhava, e cheguei até a ir para o Chile para fazer uma pesquisa dos produtos deles, distribuição, mercados… Muita gente na rua, barracas tipo camelô por todos os lados e muita areia cobria o fino asfalto da avenida principal. Para fugir do choque inicial pegamos um bom hotel, o terceiro melhor da capital. La teríamos boas informações, e depois descobrimos que nos 12 usd tinha até café da manha e internet não achamos mais tão caro como no inicio. Deu tempo de largar as coisas e sair pelo centro. Antes tínhamos que trocar dinheiro. Era só escolher uma das caixas de arame espalhadas pela rua ou pilhas de Somaliland Shilings em cima de esteiras. Um usd são 6500 SS, portanto treze notas de 500, que e a maior que circula. O negocio era trocar 10 USD por dia, ou carregar uma mala com dinheiro…haha

Trocando dinheiro

Trocando dinheiro

Fomos ate o Memorial de Guerra, praca em que exibem um avião Mig da forca aérea Somali, que e exibido com orgulho. Lá juntou gente, muita gente. Todos já estavam vindo falar conosco antes, mas lá eram dezenas de pessoas. Soldados tiveram que dispersar a multidão. Sempre perguntavam o nome, da onde eramos, e se eramos jornalistas!!! Se surpreendiam quando falávamos que eramos turistas e ficavam ainda mais curiosos. Notamos que uma minoria (1 em 20) não gostavam muito e resmungavam para quem nos dava “moral”. O Michael também teve que trocar sua resposta de nacionalidade de americano para canadense rapidinho, pois teve gente que chiou. Em geral uma simpatia nunca vista, nós eramos atração turística. Para comprar o chip para o cel praticamente paramos o escritório do lugar. Resolvi comprar um jornal local. Algumas das publicações são em inglês. Me surpreendi quando me deparei com a notícia do assassinato de três pessoas 10 dias antes. O jornal (oposição) falava que era um protesto, mas depois descobrimos por fontes neutras que foi uma tentativa de golpe de estado. Se o cidadão comum não sofre nenhum perigo de violência, a violência política ainda faz parte da realidade do pais. Teríamos que redobrar a atenção, mas como em Madagascar, era só ficar longe de manifestações publicas (estas foram fora da cidade). Depois de um primeiro dia destes, comemos um pouco antes de escurecer e decidimos nem sair a noite. Conhecemos muitos somalilanders que estudam na Inglaterra, país que tem voo direto para cá (assim como Dubai, Iêmen, Quênia, Etiópia, e logo USA).

Memorial de guerra

Memorial de guerra

Banco!

Banco!

Avenida principal

Avenida principal

Bem cedo eu já estava acordando com o chamado das mesquitas. Fiquei só na janela, depois na sacada vendo o dia amanhecer e a cidade movimentar.Todos seguem a risca a regra de rezar 5 vezes ao dia. País 100 por cento muçulmano. Não pode bebida alcoólica, se tiver só transportando é cadeia! Homens e mulheres sentam em lugares diferentes nos restaurantes, cheio de regras. Queríamos visitar umas pinturas rupestres muito antigas, em excelente estado de conservação. Para isto teríamos que arrumar um carro, pois os táxis comunitários só vão de cidade em cidade, e este lugar ficava fora da estrada. No hotel estavam cobrando caro demais e decidimos arranjar um carro na rua. No memorial de guerra tava cheio de táxis e voltamos para lá, depois de ter visitado alguns mercados, dentre eles o mercado do ouro. Não demorou muito até encher de gente para ver nossa negociação. Para aliviar entramos dentro do táxi e chegamos num acordo. Tinha uma situação que não estava clara ainda. Algumas pessoas falavam que para circular pelo interior do pais precisaríamos de escolta armada. Fomos até a “secretaria de segurança” e nos foi passado que sim. Quiseram até encrespar sobre nossa viagem pelo interior, quando o cartão do “cônsul” com telefones escritos a mão fez efeito. Ainda passamos no ministério do turismo, que fica numa pequena sala dentro do ministério da pesca (hilário!!). Lá nos contaram que existe uma super proteção com estrangeiros. Já não conseguem reconhecimento, se algo acontecer tudo ficaria ainda pior. A alguns anos alguns somalis entraram escondidos na Somalilândia e assassinaram 3 turistas, e foi um grande problema de relações internacionais. Não tínhamos escolha a não ser pagar os 10 dólares para o soldado que nos acompanharia.

Hargeisa

Mesquita em Hargeisa

Partimos pela estrada Hargeisa-Berbera, e teríamos que pegar uma estrada secundaria para Las Geel. Uma reta só e a paisagem não mudava, era deserto dos dois lados. Passamos por um ou outro aglomerados de casas, que nem podemos chamar de cidades. Paramos numa delas para almoçar. Só tinha macarrão, e só 3 pratos, então tivemos que dividir. Nem foi difícil pois aqui não usam talher, então os pratos ficavam no meio e nos íamos  pegando com a mão. Depois deste lugar pegamos uma “estrada” secundaria, na verdade nem tem estrada, é só seguir a trilha feita por outro carro. Víamos pequenas formações rochosas e algumas cabanas. Muitas cabras e camelôs por toda a estrada. Chegamos num check-point onde pediram a papelada que tínhamos acertado no Ministério do Turismo. Uma pessoa seguiu com a gente para mostrar o lugar. Paramos numa casa, que possuía alguns cartazes com informações das pinturas, que só foram descobertas em 2003. Caminhamos montanha acima e o lugar e fantástico. São muitas e muitas pinturas, muio vivas, parecem que foram pintadas a pouco tempo e tem mais de 5000 anos. Se fosse em outro pais receberia milhares de visitas, e nós ali, sozinhos, explorando, curtindo o lugar e a bela vista. Valeu muito a pena!

Pinturas Rupestras

Pinturas Rupestres

Isto tem que virar um Parque Nacional

Isto tem que virar um Parque Nacional

Vista da caverna

Vista da caverna

Em vez de retornar para Hargeisa, seguimos a estrada, sentido Barbera, pois tínhamos combinado desta forma. O soldado já mascava chat a horas e provavelmente não estaria apto para nos defender. De qualquer forma sua presença foi de grande importância pois não pediram o nosso passaporte nem uma vez, bem diferente de quando estávamos sozinhos, que era toda hora.

Nao e treinamento Taliban, e so escolta armada pela Somalilandia!

Não e treinamento Taliban, é só escolta armada pela Somalilândia!

Tava quente, muito quente e só parecia que piorava. Tinham nos falado que Berbera era insuportavelmente quente e tudo ia se confirmando. A paisagem mudou um pouco, com a presença de umas montanhas. Pudemos até ver um ou outro animal selvagem. A qualidade do asfalto foi piorando, e buracos ficaram mais frequentes. Chegamos em Berbera no final de tarde. Como e a segunda maior cidade imaginávamos um grande movimento, mas ao contrario de Hargeisa a cidade tava calma, quase parada, com poucas pessoas na rua. De cara nos identificamos mais com este lugar.

E a capital do Burundi é …?

Pois é, estávamos indo num ótimo minibus, com DVD e tela plana para o Burundi. No ônibus não foi difícil de reparar a gigantesca cicatriz na cabeça do Sr que sentava logo a frente e na mão da mulher algumas poltrona ao lado. As marcas dos sobreviventes são psicológicas e físicas  e nem temos como saber se são de Ruanda ou Burundi, pois ambos os países passaram por imensos problemas de violência.

No Burundi, ao contrario de Ruanda, os Hutus não conseguiram assumir o poder apos a independência  mesmo ganhando as eleições  O exercito era formado praticamente por Tutsis, e depois do genocídio selecionado de 1972 ficou totalmente formado por Tutsis. Listar todos os golpes de estado seria perda de tempo, pois foi um atras do outro. A guerra só terminou em 2004/2005, quando as Nações Unidas mandaram tropas para garantir as eleições  Com as eleições realizadas, e a vontade da maioria expressa, os Hutus tomaram o poder. Alguns rebeldes ainda tentaram fazer oposição, mas a guerra civil estava com seus dias contados.

Viajar para o Burundi e uma coisa nova, pois ha muito tempo não e um lugar seguro. Confesso que gosto de viajar para lugares inusitados, mesmo que não exista uma atracão do tipo ” tem que ver”. Só de estar num lugar destes, entender o que se passou ja e mais do que suficiente para mim. Para reforçar minha vontade, esta rota por Burundi era a melhor opção logística, com as melhores estradas, tendo em vista que as estradas do noroeste da Tanzânia são péssimas, e a viagem ate Kigoma demoraria dias.

Bienvenue au Burundi!

Bienvenue au Burundi!

Na imigração foi tudo rápido.  Não tínhamos comprado o visto com antecedência  e no pequeno escritório da imigração estavam sem recibo. Como resolver esta situação.  Pegaram uma folha de papel sulfite, escreveram a mão mesmo, em seguida carimbaram, uma carta para a imigração em Bujumbura. Ah sim, Bujumbura e a capital do Burundi, o que fui descobrir apenas algumas semanas antes de vir para a Africa, isto que eu gosto de um mapa. Quando comentei com o Piter/Varesca, casal sul-africano que viajei, que o Burundi estaria no meu ” caminho” se desse uma volta no Lesta da Africa, falaram que eu estaria morto se passasse por la. Quanta falta de informação…

Carta para a imigracao

Carta para a

imigração. Após a fronteira a paisagem foi mudando. Muitas áreas queimadas, por diversos KM, e inacreditavelmente planas. Em pouco tempo voltamos as colinas, e passamos a descer, descer. As vilas eram paupérrimas, o que contrastava com o bom asfalto que percorríamos  Com o tempo apareceram alguns buracos, mas nada demais. O que chamou a atenção foi a quantidade de bananeiras. Era uma do lado da outra, o verdadeiro pais das bananas. Muitos cachos gigantescos na cabeça das pessoas que perambulavam pelas ruas das pequenas vilas que paramos no caminho. A medida que fomos descendo, e nos aproximando do Lago Tanganika, a temperatura foi aumentando, aumentando, ate ficar muito quente. A Bibi ficou de papo com uma guria que tava sentado no bando da frente. Eu também troquei e-mails com um Sr que e técnico Agro-florestal…

Chegando em Bujumbura foi aquele choque, pois vinhamos da bonita Kigali, se bem que esperávamos depois de tantos anos de guerra. O Samson, nosso anfitrião do Couchsurfing estava nos esperando. Muito gente boa, comunicativo, nos levou para almoçar e depois da ciesta (levada a serio aqui) passamos rapidamente na imigração onde em 2 minutos conseguimos o visto de transito, somente 3 dias. Tudo bem, não iriamos explorar o pais, só passar um tempo na capital e seguir para Tanzânia – Kigoma.

Bujumbura

Bujumbura

O cara tinha tudo programado, super anfitrião  mas com o tempo incomoda um pouco. Como viajamos de forma independente, não e fácil se prender a programas, horários e tal, parece quase um tour. Mas valeu pelo contato de uma pessoa local.

Como o Samson tinha acabado de se mudar, sua casa não tinha nem banheiro, então ofereceu para ficarmos na casa do irmão dele, soldado das Nações Unidas. Homem, 25 anos, morando sozinho já viu… Era uma casa super simples, num subúrbio  lugar que no Brasil chamaríamos de favela. Poucos metros antes da casa tinha uma barraca do exercito, onde soldados garantiam a segurança do local. Uma arvore na frente da avenida que vinha do centro chamava a atenção pela quantidade de morcegos gigantes pendurados. Casa simplérrima  e meio sujinha, e a Bibi já torceu o nariz. Não dava para falar que não íamos ficar, pois ele tava sendo super gente boa. Teríamos um quarto só para nos, relativamente grande e com internet.

Morcegos

Morcegos

Fomos até um subúrbio mais afastado, onde o Samson construía sua casa. Era quase no limite com a região rural, área de predominância Hutu, e portanto muito afetada nos anos de guerra. Muitas casas em ruínas apresentavam diversos buracos de bala. Mais barracas do exercito para garantir a segurança  Depois de conhecer a esposa e os filhos, fomos para um barzinho ali perto junto com alguns amigos. No canto do bar tinha um bode pendurado com uma churrasqueira ao lado. Se pedisse o espetinho, o churrasqueiro abanava as moscas, cortava a carne, espetava, assava e servia. Tomamos umas cervejas, mas estavam quente. Andamos um bom caminho de volta (ate pegarmos o transporte), pelas ruas sem iluminação da região.  A população se surpreendia em ver os Muzungos andando por ali. Alem de estarmos com os locais, o Samson conhece todo mundo, parece vereador. Cumprimentava os soldados e policiais que encontrávamos  além de metade da população  Ele e muito conhecido pois trabalha com projetos sociais e vive só de doações da comunidade. No período de guerra, existia o toque de recolher, e depois que escurecia as ruas ficavam vazias. Com o fim da guerra em 2004/2005 foram estendendo o horário ate chegar a meia-noite. Hoje teoricamente não existe mais toque de recolher, mas como o transporte publico para cedo, existe um toque de recolher teórico  pelo menos para quem não tem transporte próprio  Para os que tem, Bujumbura possui uma grande seleção de lugares para sair, que variam desde simples bares ate danceterias e restaurantes. São os resquícios de uma geração que achou que ia morrer e agora quer curtir ate a morte…

Buracos de bala

Buracos de bala

Barracas do exercito para garantir a seguranca

Barracas do exercito para garantir a segurança

Chegando na casa vimos que não ficaríamos mais no quarto grande e sim num minusculo. A Bibi demorou para dormir, e ficamos parcialmente protegidos pela tela mosquiteira e pelo ventilador. Fazia muuito calor e os mosquitos estava por todo lado. A certa altura da madrugada, acordamos com uma mulher, nossa vizinha, chorando. Não demorou muito e a energia acabou, nos deixando cozinhando ali dentro. Um maldito mosquito entrou dentro da tela e nos azucrinou. Eu com a lanterna tentando matar, abrindo a porta para ventilar e tentando acalmar a Bibi que ja chorava nestas alturas. Final das contas deu tudo certo. Dia seguinte arrumamos todas as coisas e abri a porta p/ arejar a casa quando o galo entrou e deu um trabalhão para tocar o maldito para fora. Quando o Samson chegou falei que nos mudaríamos porque a Bibi estava naqueles dias, precisava tomar vários banhos, e não se sentia muito a vontade. Tudo tranquilo. Fomos para a cidade, demos uma geral caminhando e depois fomos para a casa do Samson onde sua esposa nos esperava com um belo almoço.  Depois do almoço pegamos as coisas e não demoramos muito para achar um hotel. Encontramos com a amiga da Bibi do ônibus  um Polonês que ficaria na casa do Samson (tínhamos encontrado ele em Nyamata-Ruanda), e junto com o Samson fomos até uma praia do lago Tanganika.

Almoco

Almoço

Amigos

Amigos

Praia no Tanganika

Praia no Tanganika

Lago Tanganika

Lago Tanganika

O Lago Tanganika e o segundo maior da Africa, ficando atras somente do Lago Victoria. Este lago também e o segundo mais profundo do mundo, chegando a ter inacreditáveis 1400 metros de profundidade!!! Chegamos de DalaDala e o tempo não tava muito bom. Sentamos na beira da praia para tomar uma cerveja. Era uma praia estruturada, não com o aspecto selvagem como as do Malawi, mas era bonita também  Ventava tanto que tinha ate pequenas ondas.Ficamos batendo papo, tipo clube do bolinha, mulheres para um lado, homens do outro. O polonês esta fazendo a viagem inversa da minha. Veio do norte (desde o Egito) indo para o sul, então tínhamos muitas dicas e informações para trocar. Tiramos umas fotos e de repente apareceu um pia com uma câmera pedindo se ele podia tirar fotos. Não fui eu que falei com ele, ate achei que era conhecido. Tiramos algumas fotos e este pia tirou uma impressora HP da sua velha mochila, colocou o cartão de memoria e imprimiu rapidamente as fotos!!! Haha eu chorava de rir tamanho era meu espanto.

Impressora HP na praia

Impressora HP na praia

Voltamos para o hotel e a Bibi tinha convidado as 2 amigas para jantar. Só não sabíamos que aqui quem convida e quem paga. Gentilmente pedimos desculpas pelo mal entendido e explicamos que não tínhamos entendido. Acabamos indo jantar só eu e a Bibi. Aqui, assim como na Ruanda, não da para sacar dinheiro em caixas automáticos  então tem que ter uns dólares para trocar nas milhares casas de cambio. Como era noite, pegamos um táxi para o restaurante, mesmo sendo poucas quadras. Conversando com o gerente do restaurante, ele fez questão de na volta nos acompanhar a pé para mostrar o quanto Bujumbura era segura a noite.

Paz!!!

Paz!!!

No Burundi, assim como na Uganda e na Ruanda, esta uma das nascentes do Rio Nilo. Não muito impressionante, mas talvez a mais longa. Existe também a discussão se foi aqui ou na Tanzânia que a expedição do Stanley encontrou o Dr Livingstone, missionário desaparecido a muitos anos (talvez o maior explorador da Africa, depois comentarei mais sobre ele).

Bem cedo, antes do sol nascer, estávamos pegando uma van para a Tanzânia  A Bibi me questionava se não tinha ônibus  mas o pior e que não tinha. Encontramos 2 estudantes de medicina irlandeses, que também viajariam para Kigoma-Tanzânia. Os irlandeses e o polonês foram os únicos brancos que vimos em todo o Burundi, mesmo na rua.

Para fechar o porta malas o cobrador dava uns chutes. Foi bem cheia a van, mas dentro do limite de pessoas. A saída ao sul me chamou atenção  Ao invés de bananeiras como na entrada do pais, passamos por diversas cruzes, num cemitério improvisado. Passamos por muitas barreiras do exercito, que nos paravam, conferiam todos os itens de segurança  inclusive limpador de para-brisas e pisca, antes de nos liberar. Se nos outros países nos acostumamos com AK-47, aqui eram aquelas surpreendentes metralhadoras com tripe que estavam por todos os lados. A estrada foi piorando, quando bem para o sul passamos por dois resorts, no meio do nada. Fácil de entender pela beleza do lugar, difícil de entender quando e porque foi construído ali.

Olha a cor da agua

Já perto da fronteira as curvas começaram  assim como o sobe desce. O asfalto terminou, e numa pequena vila paramos para fazer a imigração  numa casa que mais parecia residencial. Um sr me chamou tirando sarro para ir comer com eles. Comiam Ugali (polenta deles) e peixes muito pequenos (uns 2 cm) com cebola. Agradeci, sentei e comi junto com eles, amassando o ugali com a mão  assim como eles fazem. Eles riram da cena e nos divertimos muito.

Andamos mais um pouco ate a imigração da Tanzânia  O processo foi meio lento e tivemos que comprar outros vistos, o que não estava correto de acordo com o tratado da comunidade do Leste da Africa. Uma outra van, caindo aos pedaços  nos esperava a não muitos metros dali. Todos os passageiros que estavam na outra van, alem de outros estavam la. Estava apertado, eu com duas mochilas no colo que serviram de encosto para a Bibi, porque o banco dela tava sem encosto. Cachos de banana, galinha e caixa com pintinhos também faziam parte da carga. O cobrador não conseguiu fechar a porta, então fechou por fora e se lançou pela janela, onde ficou com o corpo totalmente para fora durante as horas que seguiram pela empoeirada estrada. Varias vezes coloquei empoeirada estrada nos meus posts, mas esta ganhava de todas, e de lavada… Sabe aquela terra roxa do norte do Parana? Então  aquele estilo. A poeira entrava pelas janelas, frestas, buracos. A estrada era terrível  e todos se mantinham de olhos fechados ou com lenços na cabeça. A Bibi ria sem parar, mostrando que desenvolveu um ótimo senso de humor desde o inicio da viagem.

Conforto?!

Conforto?!

Depois de algumas horas, a poucos Km de Kigoma, a Van para. Passam a descarregar toda a mercadoria que estava abarrotada no teto. Haviam ate parado para comprar uma corda para amarrar tudo, mas agora tava tudo no chão  Ofereceram o equivalente a uns 30 centavos de real para 2 passageiros seguirem a pé  Eles prontamente aceitaram e seus lugares foram preenchidos com as mochilas e mercadorias. Nem 500 metros depois fomos parados pela policia, que conferiu se tava tudo em ordem. Logo chegamos em Kigoma, e parecia que estávamos fantasiados.