Não conte para minha mãe… (Estou na Somalilândia!!!)

“Viajar é descobrir que todo mundo está errado sobre os outros países.” (Aldous Huxley)

Desde 1991, com a gerra civil na Somália, não existe mais só o país Somália, mais 3 países. Somália (onde vemos a guerra na TV), Puntland (onde estão os piratas) e Somaliland (onde há paz). Antes da independência , eram colonias distintas, a Somalilândia dominada pela Inglaterra e as outras pela Itália. Para conquistar a independência (anos 60) se uniram num só país. A capital  da Somalilândia, Hargeisa, foi severamente bombardeada pelos somalis (anos 90), mas conseguiram a independência e veem se desenvolvendo com o passar dos anos. Parece uma super historia de sucesso não? Um pais que do caos hoje tem eleições presidenciais populares com 3 partidos (raridade para a Africa), 4 empresas aéreas privadas (o Brasil com todo seu tamanho tem quantas?), diversas empresas de celular (Etiópia só tem uma) . Segurança? Uma das cidades mais seguras da África. Não existe crime contra o cidadão comum, não existe roubo, assalto, etc. Um país destes tinha que entrar no meu roteiro. Mas existia um grande problema. Não é reconhecido por nenhum país, então na verdade é uma terra de ninguém. Como não tinha nada planejado quando sai, e ficava “lá em cima”, deixei para ver pelo caminho como estaria a situação.  Nestes quase 6 meses encontrei um Inglês e um Polonês que tinham ido para lá e só falaram coisas boas. Pronto, estava confirmado. Em Madagascar soube através dos japoneses que um amigo deles foi do porto de Berbera (Somalilândia) para o Iêmen num navio que transportava gado. Era um plano inicial. Quando falei para o Guru que iria ele topou na hora. O Michael, que também passou a viajar com a gente, achou que seria uma oportunidade única, pois ele nunca iria para la sozinho, ainda mais com passaporte americano. O visto tirei logo que cheguei na Etiópia. Como não é um país reconhecido eles não tem embaixada e sim um Liaison Office. Um escritório de relacionamento. O visto ficou pronto em 5 minutos. Mas como ainda íamos viajar pela Etiópia, e o visto tinha validade de um mês daquele dia, tivemos que falar com o “cônsul” que nos ajudou prontamente, deu varias dicas e conversamos muito tempo. Pegamos o cartão dele com contatos de amigos na Somalilândia. Quando voltamos do circuito histórico, corremos para la para o Michael tirar o visto dele. Era uma sexta, tava fechado, e queríamos pegar o ônibus de domingo para Harar e depois seguir para Somalilândia. A solução foi pedir para o segurança ligar para o “Consul” que 15 minutos depois chegou, abriu o escritório e emitiu o visto. Ainda brincou que se soubesse que eramos nos teria vindo antes. Muito gente boa! A fronteira e feia, muito suja, cheia de plastico.  Chegando no lado da Somalilândia foram super atenciosos. O oficial da imigração ficou doente quando viu que eu era brasileiro. Falou de todas as ultimas copas, era fã de carteirinha. Falou que eu sou o primeiro brasileiro a passar por esta fronteira. Acho que ele se empolgou um pouco, mas não devem ter muitos. Passaporte carimbado, agora era só achar transporte ate Hargeisa. Ônibus? Não, nenhum. O transporte aqui são carros tipo perua, socados de gente. Preço em dólar, o dobro da Etiópia para a mesma quilometragem. Tivemos que trocar de carro porque queriam cobrar a bagagem no primeiro. Vimos que nem todos eram simpáticos quando um cara jogou a mochila do Michael para fora do carro. No segundo carro foi tudo certo e uma senhora retribuiu gentilmente a bolacha que recebeu com uma goiaba. Chegamos em Hargeisa e confesso que achei um caos por tudo que falavam. Claro que evoluíram um monte nestes quase 20 anos, mas a bagunça impera. Uma das primeiras cenas que vi foi um caminhão descarregando madeira. Quando prestei atenção era da chilena Arauco. Não podia ser! A Arauco era a principal concorrente da empresa que trabalhava, e cheguei até a ir para o Chile para fazer uma pesquisa dos produtos deles, distribuição, mercados… Muita gente na rua, barracas tipo camelô por todos os lados e muita areia cobria o fino asfalto da avenida principal. Para fugir do choque inicial pegamos um bom hotel, o terceiro melhor da capital. La teríamos boas informações, e depois descobrimos que nos 12 usd tinha até café da manha e internet não achamos mais tão caro como no inicio. Deu tempo de largar as coisas e sair pelo centro. Antes tínhamos que trocar dinheiro. Era só escolher uma das caixas de arame espalhadas pela rua ou pilhas de Somaliland Shilings em cima de esteiras. Um usd são 6500 SS, portanto treze notas de 500, que e a maior que circula. O negocio era trocar 10 USD por dia, ou carregar uma mala com dinheiro…haha

Trocando dinheiro

Trocando dinheiro

Fomos ate o Memorial de Guerra, praca em que exibem um avião Mig da forca aérea Somali, que e exibido com orgulho. Lá juntou gente, muita gente. Todos já estavam vindo falar conosco antes, mas lá eram dezenas de pessoas. Soldados tiveram que dispersar a multidão. Sempre perguntavam o nome, da onde eramos, e se eramos jornalistas!!! Se surpreendiam quando falávamos que eramos turistas e ficavam ainda mais curiosos. Notamos que uma minoria (1 em 20) não gostavam muito e resmungavam para quem nos dava “moral”. O Michael também teve que trocar sua resposta de nacionalidade de americano para canadense rapidinho, pois teve gente que chiou. Em geral uma simpatia nunca vista, nós eramos atração turística. Para comprar o chip para o cel praticamente paramos o escritório do lugar. Resolvi comprar um jornal local. Algumas das publicações são em inglês. Me surpreendi quando me deparei com a notícia do assassinato de três pessoas 10 dias antes. O jornal (oposição) falava que era um protesto, mas depois descobrimos por fontes neutras que foi uma tentativa de golpe de estado. Se o cidadão comum não sofre nenhum perigo de violência, a violência política ainda faz parte da realidade do pais. Teríamos que redobrar a atenção, mas como em Madagascar, era só ficar longe de manifestações publicas (estas foram fora da cidade). Depois de um primeiro dia destes, comemos um pouco antes de escurecer e decidimos nem sair a noite. Conhecemos muitos somalilanders que estudam na Inglaterra, país que tem voo direto para cá (assim como Dubai, Iêmen, Quênia, Etiópia, e logo USA).

Memorial de guerra

Memorial de guerra

Banco!

Banco!

Avenida principal

Avenida principal

Bem cedo eu já estava acordando com o chamado das mesquitas. Fiquei só na janela, depois na sacada vendo o dia amanhecer e a cidade movimentar.Todos seguem a risca a regra de rezar 5 vezes ao dia. País 100 por cento muçulmano. Não pode bebida alcoólica, se tiver só transportando é cadeia! Homens e mulheres sentam em lugares diferentes nos restaurantes, cheio de regras. Queríamos visitar umas pinturas rupestres muito antigas, em excelente estado de conservação. Para isto teríamos que arrumar um carro, pois os táxis comunitários só vão de cidade em cidade, e este lugar ficava fora da estrada. No hotel estavam cobrando caro demais e decidimos arranjar um carro na rua. No memorial de guerra tava cheio de táxis e voltamos para lá, depois de ter visitado alguns mercados, dentre eles o mercado do ouro. Não demorou muito até encher de gente para ver nossa negociação. Para aliviar entramos dentro do táxi e chegamos num acordo. Tinha uma situação que não estava clara ainda. Algumas pessoas falavam que para circular pelo interior do pais precisaríamos de escolta armada. Fomos até a “secretaria de segurança” e nos foi passado que sim. Quiseram até encrespar sobre nossa viagem pelo interior, quando o cartão do “cônsul” com telefones escritos a mão fez efeito. Ainda passamos no ministério do turismo, que fica numa pequena sala dentro do ministério da pesca (hilário!!). Lá nos contaram que existe uma super proteção com estrangeiros. Já não conseguem reconhecimento, se algo acontecer tudo ficaria ainda pior. A alguns anos alguns somalis entraram escondidos na Somalilândia e assassinaram 3 turistas, e foi um grande problema de relações internacionais. Não tínhamos escolha a não ser pagar os 10 dólares para o soldado que nos acompanharia.

Hargeisa

Mesquita em Hargeisa

Partimos pela estrada Hargeisa-Berbera, e teríamos que pegar uma estrada secundaria para Las Geel. Uma reta só e a paisagem não mudava, era deserto dos dois lados. Passamos por um ou outro aglomerados de casas, que nem podemos chamar de cidades. Paramos numa delas para almoçar. Só tinha macarrão, e só 3 pratos, então tivemos que dividir. Nem foi difícil pois aqui não usam talher, então os pratos ficavam no meio e nos íamos  pegando com a mão. Depois deste lugar pegamos uma “estrada” secundaria, na verdade nem tem estrada, é só seguir a trilha feita por outro carro. Víamos pequenas formações rochosas e algumas cabanas. Muitas cabras e camelôs por toda a estrada. Chegamos num check-point onde pediram a papelada que tínhamos acertado no Ministério do Turismo. Uma pessoa seguiu com a gente para mostrar o lugar. Paramos numa casa, que possuía alguns cartazes com informações das pinturas, que só foram descobertas em 2003. Caminhamos montanha acima e o lugar e fantástico. São muitas e muitas pinturas, muio vivas, parecem que foram pintadas a pouco tempo e tem mais de 5000 anos. Se fosse em outro pais receberia milhares de visitas, e nós ali, sozinhos, explorando, curtindo o lugar e a bela vista. Valeu muito a pena!

Pinturas Rupestras

Pinturas Rupestres

Isto tem que virar um Parque Nacional

Isto tem que virar um Parque Nacional

Vista da caverna

Vista da caverna

Em vez de retornar para Hargeisa, seguimos a estrada, sentido Barbera, pois tínhamos combinado desta forma. O soldado já mascava chat a horas e provavelmente não estaria apto para nos defender. De qualquer forma sua presença foi de grande importância pois não pediram o nosso passaporte nem uma vez, bem diferente de quando estávamos sozinhos, que era toda hora.

Nao e treinamento Taliban, e so escolta armada pela Somalilandia!

Não e treinamento Taliban, é só escolta armada pela Somalilândia!

Tava quente, muito quente e só parecia que piorava. Tinham nos falado que Berbera era insuportavelmente quente e tudo ia se confirmando. A paisagem mudou um pouco, com a presença de umas montanhas. Pudemos até ver um ou outro animal selvagem. A qualidade do asfalto foi piorando, e buracos ficaram mais frequentes. Chegamos em Berbera no final de tarde. Como e a segunda maior cidade imaginávamos um grande movimento, mas ao contrario de Hargeisa a cidade tava calma, quase parada, com poucas pessoas na rua. De cara nos identificamos mais com este lugar.

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10 comentários em “Não conte para minha mãe… (Estou na Somalilândia!!!)

  1. Vc tá demais! O que sao esses posts? E esses lugares? Nao acredito que nao vi nada disso! Bom pelo menos sao as ultimas coisas que perco de conhecer.
    Como tu tá careca amor srsr, parece que aumentou, vamos deixar o cabelinho de surf voltar. Mas vc continua tao lindo quanto.
    te amo
    da sortuda quer dizer esposa rsrsrs
    Bibi

    • Amor, ta muito legal, to curtindo muuito, so falta vc. Ia ser engracado agente ter que dormir em quarto separado…hehe
      Nem to careca, devia ta despentiado, serio mesmo.

      Te amo

    • Valeu Gi.
      Se vc soubesse que escrevo tudo numa “vomitada” so, e nem leio os paragrafos para cima… hehe

      Fiquei sabendo que passou!!!!!!! Quelegal!!!!!!
      Parabens!!

      Bjs

  2. Gui querido

    …”náo conte pra mina máe” é demais!

    Que imagem cinemaografica ver vc com arma na máo e soldado ao lado, e uma natureza táo impar.
    O ser humano ainda é o bicho maior nesta desarmonia…
    Vc foi corajoso agora chega ta Gui, deu pra bolinha, fica bem querido e obedeça a Monica, hehe

    Cude-se vc é muito importante e nem sabe quanto.
    abraço
    familia toda

    • Oi Mara,
      A foto e como uma montagem, uma brincadeira. Somalilandia e mais segura que 99% (na verdade acho que 100%) das cidades brasileiras. A escolta armada e para garantir esta seguranca para os turistas, e um dia quem sabe conquistar o reconhecimento dos outros paises.

      Acabo de evitar um trajeto que tinha planejado anteriormente por causa de seguranca. Nao se preocupe, sempre me informo.

      Bjs a todos

  3. não vou contar nada pra mamainha mas acho q ela anda desconfiada… ainda bem q vc se cuida… Espero q vc goste do q estamos mandando.É um pouco de carinho q vai junto com a Bibi. Saudades

  4. Essa foto com a arma na mão vai render muitos 10 para os trabalhos escolares dos teus filhos hehehe.
    Não vai ter professor de historia e geografia que não queira saber mais sobre o pai das crianças.

    De cuida camarada!

    abraço e Paz!

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