Azerbaijão, novo país do “faz de conta”?

O Azerbaijão, assim como seus vizinhos, fica bem na encruzilhada entre Europa e Asia. Se um pouco mais a oeste, em Istambul, a divisa dos continentes é o estreito de Bósforo, por aqui é a cadeia de montanhas do Cáucaso que faz esta divisa. Portanto esta linha não é tênue e sim quilômetros e montanhas de distância, fazendo da região meio Europa meio Asia.

Por ficar em uma encruzilhada, acabou tendo influência de todos os povos que passaram por ali. Os persas zoroastras, a conversão para o cristianismo, conquista dos árabes, chegada dos turcos que tiveram diversas disputas com os russos. Os azeris acabaram ficando uma mescla de tudo isto. São um povo turco, mas teoricamente seguem o islamismo shiita. Na verdade são bem seculares e europeus, porém muito hospitaleiros. Sem esquecer um toque de influência Russo-Soviética, que sempre deixa suas marcas.

Com uma ou outra exceção, a grande maioria das pessoas que conheço que estiveram no Azerbaijão, não eram muito entusiastas sobre o lugar. Desta maneira eu já fui com uma expectativa baixa, mesmo sendo o tipo de pessoa que geralmente acaba gostando de tudo.

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Baku

Após perder minha conexão em Istambul, tendo que dormir uma noite no aeroporto, meu voo pela manhã não teve maiores problemas. Cheguei na imigração com o visto no passaporte, tirado na embaixada no Brasil. Recentemente que cancelaram  os vistos no aeroporto (as regras vivem mudando). Isto não facilitou tanto as coisas. Uma entrevista de pelo menos 15 minutos com o oficial da imigração, deixou inclusive outras pessoas passarem na minha frente enquanto chamava seu superior. Queriam saber o que eu ia fazer lá e porque eu não tinha o visto para a Geórgia (não precisamos) meu próximo destino. Deixou claro que depois de 3 dias no país eu precisaria me registrar, se não teria problemas. Havia lido que a antiga disputa com a Armênia pelo Nagorno-Karabakh tinha se reacendido, causando algumas mortes na fronteira. Não sei se esta instabilidade política os deixou mais cuidadosos, se são sempre assim, ou se tive azar mesmo.

Troquei um pouco de dinheiro para ter a moeda local, o Manat Azeri comigo (moeda forte, próxima do Euro). Para desespero dos taxistas, neguei todas as propostas que iniciaram por 20 Manat e caíram para 10 quando eu já caminhava pelo estacionamento do aeroporto. Não muito longe a parada de ônibus, que custa 0,30 centavos até a estação do metro. Os passageiros riam da tentativa dos taxistas e uns discretamente acenavam para eu embarcar no ônibus. Lá dentro queriam me dar lugar para sentar e até pagar minha passagem. Como não tinha troco, sugeri pagar para mais duas pessoas que estavam conversando comigo, mas quando o cobrador chegou, só me avisou que alguém já tinha acertado a minha passagem. Não demorou tanto assim para chegar no metro, mas deu tempo de conversar bastante, tanto com pessoas que falavam inglês, quanto com outras que pediam para eles traduzirem tudo. Bastante curiosos e simpáticos.

Meu novo amigo me acompanhou até o metro. Ia em outra direção mas fez questão em me levar até a plataforma que me levaria até a cidade velha. Os metros são bem no estilo soviéticos, em tuneis muitos profundos.

Chegando no centro, logo fui para a cidade mudara, caminhando pelas ruas estreitas buscando o lugar que iria ficar. Tinha reservado pelo AirB&B, achando que era em um apartamento, mas era um apartamento transformado em hostel mesmo. Bem localizado, mas sem nenhuma placa, pois não deve ter licença. Subi e desci as escadas até achar o lugar. Chegando encontrei meu amigo Marcelo, que viajaria comigo daqui em diante (ele foi comigo para o Haiti ano passado).

É fácil de perceber que Baku, a cidade dos ventos, é a capital de  um grande exportador de petróleo. Ao redor da cidade velha, muitos prédios e construções novas. É possível perceber a rápida mudança que vem acontecendo. Na praça da fonte, uma ou outra construção antiga, já perto de um Mc Donaldes bem movimentado. Um calçadão, Nizami Kuç, cheio de lojas e pessoas. Claro que é uma região moderna da cidade, mas vi pelo menos 50 mulheres com o ombro de fora para cada uma com a cabeça coberta. Difícil saber se é uma herança do comunismo ou culpa do capitalismo-modernismo. Um pouco mais para frente, no Heydar Park, calçadões que brilhavam de tão limpos. Fontes que a noite são todas iluminadas e coloridas e passagens subterrâneas pelas ruas todas com escadas rolantes e comercio padronizado. Um pouco arrumado de mais para meu gosto. Algumas crianças jogando bola eram a única coisa que dava um pingo de vida para o lugar. Do outro lado da cidade velha, na beira do mar Cáspio, um moderno calçadão, também impecavelmente limpo. Trabalhadores terminando novos edifícios e um novo e moderno estádio a vista. As três torres (Flame Towers) se destacam na cidade. Poderia ser um grande contraste com a cidade velha, mas na verdade é fácil de perceber que ela não é tão velha assim. Está quase toda reformada. Podem me chamar de implicante, mas também está um pouco arrumada demais para meus padrões.

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Construções novas

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Praças impecáveis

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Novo e Antigo

É bacana se perder nas ruelas da cidade vela. Ao acaso ainda é possível ver algumas cenas do dia a dia, pois existem famílias que ainda moram lá. Outras construções já se transformaram em hotéis, restaurantes e lojas. Um ou outro lugar que ainda não foi reconstruído, trabalhadores se esforçam para terminar a reforma. Apesar das minhas críticas, existem lugares bonitos e interessantes. Alguns minaretes, o palácio Shirvanshah, a antiga praça do mercado, caravançarais, a torre Qiz Kalasi (Maiden Tower, com 30 metros de altura), sem contar a própria muralha e portões. O lugar é pequeno dá para conhecer rapidamente e ainda insistir um pouco buscando por alguma novidade.

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Flame Towers ao fundo da Cidade Velha

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Maiden Tower

Saindo das áreas mais centrais da cidade, uma serie de novas construções além de diversos prédios modernos prontos e vazios. Me lembrou um pouco uma mini versão do que vi em Ashgabat, Turcomenistão. Não muito longe, casas que não lembram em nada a quantidade de petróleo que o país tem. A desigualdade social é gritante, água de esgoto correndo entre as casas. Quem se foca só em uma das duas regiões vai ter uma opinião completamente unilateral de Baku.

Apesar do calor beirando o insuportável, encaramos uma curta viagem até Qobustan, uns 60 km ao sul. Congestionamento inicial ( e absurdo!) vencido, logo  percebemos um clima semi-desértico. Acompanhando o visual haviam praias com grandes hotéis, extração de petróleo e muita areia. Nesta região estão construindo o Khazar Island, ilha artificial cheio de atrações para quem gosta do estilo “Faz de conta”. Não muito tempo depois chagarmos no sitio arqueológico da idade de bronze. Diversas cavernas nas colinas com desenhos de milhares de anos. A região desértica da um clima para o lugar, com uma grande vista para o Mar Cáspio. Um museu muito bem montado, mas que tão deve atrair a atenção de quem não se interessa pelo assunto. Algumas atrações tentam se estabelecer como rota turística, a ali ao lado se pode visitar os “Vulcões de lama”. Pequenos orifícios borbulham e jogam lama de tempos em tempos. Ok, qual a próxima atração? Na tentativa de segurar o turista, criam roteiros. Na minha opinião nada mais são que “armadilhas para turista”. Nossa próxima parada Yanar Dag, já bem mais próximo a Baku (Suraxani) também decepcionou. A “Montanha de fogo” é um corte, como se fosse um barranco, de onde sai um gás que fica queimando. Tipo do lugar que a Bibi me mataria se a levasse para conhecer. Eu normalmente vou conferir, pelo menos para ver como é, mas quase perdi a paciência. Um casal de russos estava dividindo o carro com a gente, e a russa passou mal. Decidimos não ir no templo do Zoroastrismo Atesgah, que parecia bem interessante. De qualquer modo já fui em alguns templos de Zoroastrismo do Irã – alem de já estar meio  irritado, então acabei nem me importando muito.

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Vulcões de lama

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Museu bem montado

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Petróleo

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“Grande atração”

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Mesquita Bibi Heybat – Construída nos anos 90 – cópia da antiga mesquita seculo 13

Normalmente eu quero voltar para os lugares que viajo. Neste caso considero a cidade como vista. Vale a pena? Sim, para passar uns dias, ponto. Talvez eu tenha sido injusto com o Azerbaijão. Como o foco desta viagem eram os “Países que não existem”, não explorei outras regiões do país, pelo pouco tempo que tinha. Fora das capitais e grandes cidades que a cultura e tradição se apresenta de maneira mais marcante. Se eu tivesse viajado para a cidadezinha de Sheki, no norte do Azerbaijão, ido para Xinaliq nas montanhas ou conhecido Quba Rayon (Krasnava Sloboda), quem sabe eu não estaria apaixonado pelo lugar. Se por um lado nunca é possível  ver tudo, por outro sempre é bom ter uma desculpa para voltar

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Estação de trem

Pude me contentar com um pouquinho mais de Azerbaijão, que eu vi pela janela do trem, na lenta viagem até a Geórgia. Interagi como pude com outros passageiros e discuti sobre o eterno conflito de Nagorno-Karabakh. O garoto que estava na minha cabine com sua mãe e irmã, resolveu se aproximar no final da viagem. Venceu a timidez e se esforçando para falar inglês me mostrou fotos das suas aulas de dança latina. “Salsa, Rumblo, Tchatchacha” dizia ele empolgado. As perguntas sobre por que minha mulher não estava viajando comigo e qual o motivo de não termos filhos, acabaram não sendo respondidas. Tudo bem, também fiquei sem saber porque um azeri de 13 anos faria aulas de danças latinas…

Barrado no país do faz de conta!!

Cheguei em Dubai naquele voo vazio, e logo me informaram onde era o local onde tiraria o voucher. Tinha toda uma estrutura para isto. Tava ate empolgado. Mesmo não “indo com a cara” de Dubai, sempre e legal conhecer um lugar novo, para pelo menos poder falar do que viu, não do que imagina. A funcionaria pegou minha passagem, cadastrou no computador, e me devolveu. Falou que como eu tinha viajado num voo promocional, não tinha direito a transporte, visto, hotel, só tinha direito a uma refeição. Não desisti, contei da minha viagem, expliquei que era a primeira vez que voava com a Emirates, que eles tinham me informado que seria a mesma coisa… Mas não adiantou. Resolvi tentar um visto de transito com o funcionário da imigração. Ele falou que dependia da documentação do mesmo lugar que tinha ido. Final das contas falaram que o visto era atrelado ao hotel, e que com as taxas, se pagasse 188 USD podia ficar um dia. Dei uma boa risada na cara deles, agradeci e sai.

O aeroporto da uma ideia, mesmo que limitada, da cidade. Palmeiras gigantes, pequenos lagos, tudo artificial (e brega). Fui explorar um pouco o aeroporto, ver que lojas que tinha, onde dava para dormir. Acabei descobrindo que tem internet gratuita. Atualizei uns posts, escrevi e-mails, tudo de pé, porque teoricamente era para ficar pouco. Logo tava me sentindo no filme “O Terminal”, acho que e do Spielberg, com o Ton Hanks. Seriam quase 22 h ali. Usei pela primeira vez o site www.sleepinginairports.net que teoricamente deveria dar dicas de bons lugares para se dormir…hehe Optei por uma poltrona semi reclinada. Tinha direito a almoço ou janta, e acabei escolhendo o almoço. Um buffet indiano, bem completo, com direito a repeteco. Depois tomei um cafe e fiquei lendo la no restaurante mesmo. Como tinham muitas frutas, não achei que faria diferença levar umas para depois. Tentei falar com a Bibi antes dela sair de Londres, mas nao deu.

Muito tempo depois, próximo da chegada do voo, ficava andando de um lado para o outro esperando a Bibi chegar, e não tinha o acompanhamento das chegadas, só dos voos que iam sair. Toda hora eu tinha que perguntar se o voo tinha atrasado. Atrasou um pouco, mas logo ela chegou, para minha tranquilidade. Tínhamos poucas horas para o voo, e ficamos grudados, se curtindo, mas a saudades não passa tao rápido… Já no avião, conseguimos três poltronas pois o voo não estava lotado. Fomos super bem atendidos pelo comissario de bordo que era brasileiro. Alias, desde que sai do Brasil, o lugar que mais vi brasileiros foi em Dubai, todos cheios de sacolas de compra, felizes da vida…

Com três poltronas foi bem melhor. Dormimos super bem e acordamos quando já estávamos chegando na Malásia.