Guiné-Bissau e o Arquipélago dos Bijagós!

A comunidade Lusófona mundial não é grande. Restringe-se a poucos países, sendo eles Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau e Timor Leste. Acho muito legal de viajar para outros países e falar português, ainda mais como Brasileiro. Não que eu não goste de falar outras línguas ou até me comunicar por mímica, mas gera uma curiosidade você dominar o “idioma deles”.

Língua portuguesaunida

Língua portuguesa unida

Guiné Bissau não é muito frequentada por turistas. Existem os estrangeiros que trabalham em ONGs, os turistas endinheirados que vão de avião fretado pescar em uma ou outra ilha, mas não são tantos viajantes independentes por lá. Alias nos últimos anos tem figurado na lista dos dez países menos visitados do mundo. Só isto já me soava tentador e descobrir o que tinha por lá, mas as surpresas sempre são maiores.

 

O visto não parecia algo simples, pelo menos não na Embaixada no Brasil. Pediam carta de convite ou termo de responsabilidade de algum morador (ou empresa) de Guiné Bissau, dentre outras burocracias. Como tudo na estrada é mais fácil, após alguma pesquisa deixei para tirar no Consulado de Ziguinchor, cidade senegalesa que não fica muito longe da fronteira. Cheguei minutos antes da embaixada abrir. Quando o cônsul e seu assistente chegaram soltei um “ Bom dia” bem sonoro, orgulhoso do meu português. Recebi uma resposta meio seca, “ nem tão bom…”! Mas não deu tempo nem de me preocupar se receberia o visto. O cônsul inclusive preencheu meu formulário, só precisei assinar. Entreguei uma copia do passaporte e fotos 3×4, mas ele nem pegou as fotos. Paguei e sai com um visto de duas entradas, tudo isto em menos de 5 minutos. Poderia ter inclusive ter ido direto para a fronteira, mas fiquei uns dias pela região de Casamance, Senegal.

No dia da minha partida, fui cedo para o pátio dos transportes. Quem tem o visto no passaporte consegue pegar um carro (Sept Place) direto de Ziguinchor até Bissau, capital de Guiné Bissau, sem precisar fazer a viagem em etapas. Isto agiliza bastante, mas mesmo assim os 140 km vão demorar perto de 4 horas de viagem com os tramites da imigração.

A estrada do lado senegalês é simples, mas boa, a fronteira é tranquila, sem muitos comentários. Atravessei a pé a “terra de ninguém” e o carro atravessa sozinho para continuar a viagem. Fiquei amigo de um jovem de Freetown, Serra Leoa, que voltava para casa depois de um período de trabalho em Dakar, Senegal. Ele pararia no caminho caso achasse trabalho. Muito interessante estas migrações que acontecem com tanta frequência pelo Oeste da África. A facilidade de poder viajar somente com a carteira de identidade ajuda muito eles neste aspecto. Um alemão que estava indo visitar sua irmã em Bissau também estava no carro, assim como homens de negocio e senhoras voltando para casa.

Amigos da estrada

Amigos da estrada

Cidade

Cacheu

A estrada do lado de Guiné-Bissau é visivelmente de pior qualidade. O país tem um dos piores IDH do mundo. Se a infraestrutura não ajuda o turismo, a não possibilidade de sacar dinheiro em caixas eletrônicos assusta muita gente. Ser vizinha de Guiné (Conracri), onde teve surto de Ebola, e possuir uma instabilidade política, só piora as coisas. Mas posso dizer que foi uma viagem super tranquila e agradável, alem de uma ótima receptividade.

Ebola

Campanha contra a Ebola

Logo após Santo Domingo, a primeira cidade, uma nova ponte, pedagiada, liga até a pacata Cacheu. A pequena cidade, na beira do rio de mesmo nome, foi um importante entreposto e dão um clima histórico para o lugar.

A estrada que vai até Bissau passa por poucas cidades e vilarejos, mas sempre que tem algum sinal de vida, muitos vendedores de castanha de caju, o carro chefe das exportações do país. O país produz 200 mil toneladas do produto, carro chefe da exportação, ajudando a economia a crescer 5% no ultimo ano.

Ao me aproximar da Bissau, aquele movimento dos subúrbios, com mercados e pessoas, porem bem calmo comparado com outras capitais do oeste africano. Nosso ponto final era por ali, onde eu negociei um taxi para ir até o centro. Somente 500 CFA, menos de um dólar para alguns quilômetros de corrida. Foi uma das poucas coisas baratas por ali. Se engana quem pensa que só porque um país é pobre tudo será barato. A baixa infraestrutura, e poucas opções de hospedagem por exemplo, fazem os preços dispararem. A pousada que tinham me recomendado era pequena e estava lotada. Me indicaram um outro local. Razoavelmente bom, mas com um péssimo custo beneficio.

Eu teria tempo para explorar a cidade, mas minha prioridade era saber quando sairia o ferry para a Ilha de Bubaque, já que só tem um por semana. Caminhei até o porto e encontrei um cartaz indicando a maré e o horário. Pesquisei um pouco sobre canoas, mas elas são bem esporádicas e a viagem é bastante longa.

Informativo

Informativo

O Bairro de Bissau Velho fica ali ao lado do porto. É pequeno, talvez umas 4 quadras por 2 ou 3. Ruas estreitas, casas com sacadas de madeira e alguns casarões históricos nos arredores. O problema é que alguns dos casarões funcionam órgãos do governo, assim como o grande forte (Fortaleza são José de Amura) que hoje é base militar, portanto nada de fotos, infelizmente. De qualquer forma muito gostoso andar sem destino por ali, explorando cada cantinho.

Predios mal conservados perto do porto

Predios mal conservados perto do porto

Ruas calmas na parte velha da cidade

Ruas calmas na parte velha da cidade

Sacadas em muitas construções

Sacadas em muitas construções

Entrada de Bissau Velha

Entrada de Bissau Velha

Casarões

Casarões

A cidade parecia parada, talvez devido ao calor, poucas pessoas nas ruas. Passei pela Igreja católica, pelo palácio presidencial, mas acabei me refugiando na sombra de uma arvore em  um bar em frente à praça Che Guevara. O partido africano para a independência de Guiné e Cabo Verde (sim eram só um país no passado) eram de inspiração marxista, e por isto alguns monumentos e ruas recebem nomes de figuras revolucionarias. O grande líder da independência, Amilcar Cabral, é lembrado nos livros, muros e corações de toda a população.

Catedral de Bissau

Catedral de Bissau

Palácio presidencial de Bissau

Palácio presidencial de Bissau

Tomando uma cerveja para fugir do sol.

Tomando uma cerveja para fugir do sol.

Cabral

Amílcar Cabral, sempre lembrado.

Apesar da dificuldade do país, não encontrei nenhum pedinte durante minha viagem. Me senti bastante seguro, cheguei a sair a pé mesmo a noite para  jantar. Para pegar meu ferry, antes do sol nascer não foi diferente. Se bem que as poucas quadras até o porto facilitava. Deu tempo de tomar um café e comer um sanduíche enquanto a embarcação não saia. Não tinha encontrado muitas opções de comida de rua em Bissau, mas num lugar movimentado como o porto sempre tem algumas possibilidades. Comi um bolo tão gostoso que guardei algumas fatias para a viagem.

Sol nascendo no porto

Sol nascendo no porto

Aguardando a partida

Aguardando a partida

A embarcação é velha e lenta, tornando o trajeto longo, mas golfinhos quebram a monotonia e sempre tem alguém disposto a bater papo . Assim que se afasta do continente já da para avistar as primeiras ilhas. O Arquipélago dos Bijagós possui 88 ilhas, de todos os tamanhos e estilos. Pena que existe esta dificuldade tão grande de se locomover entre elas. Um ferry semanal para as principais, uma ou outra canoa superlotada de pessoas e mantimentos entre as ilhas, faz com que seja impossível conhecer mais de meia dúzia de ilhas em um mês se você não tiver um barco próprio. A ilha de Bolama tem a antiga capital, cheia de prédios coloniais abandonados, Orango tem os hipopótamos de água salgada, a João Vieira tartarugas e ótima vida marinha para mergulhos, Uracane cheia de flamingos, algumas são inabitadas, com praias paradisíacas, outras possuem populações com vida super tradicional, onde o rei ainda é quem manda. Falaram que Canhabaque é a mais tradicional de todas, cheia de lugares sagrados e lendas.

Ultima vista de Bissau

Ultima vista de Bissau

Arquipélago dos Bijagos

Arquipélago dos Bijagos

A caminho do Arquipélago dos Bijagós

A caminho do Arquipélago dos Bijagós

Algumas ilhas desertas

Algumas ilhas desertas

 

A hospitalidade dos Bijagós é conhecida, mas sempre vale lembrar que lá são eles que mandam, então suas terras, suas leis. O navegador português Nuno Tristão foi o primeiro europeu a chegar nas ilhas, em 1447. A receptividade naquela época não foi tão boa, e já que ele foi morto pelos guerreiros Bijagós.

Eu desci na ilha de Bubaque, depois de umas 8 horas de viagem. Já tinha feito alguns amigos que me recomendaram uma pousada não tão distante do centrinho. Outro amigo me recomendou o restaurante da irmã dele. Porções simples e honestas. Um prato com arroz e peixe com molho de amendoim pelo equivalente a um euro. Os pratos mais baratos dos restaurantes simples de Bissau e até os dos hotéis de Bubaque eram de pelo menos (o equivalente a) 5 a 7 Euros, então foi um alivio. Não preciso nem dizer que virei freguês, e ainda era um ponto de encontro de pescadores da região, então historias não faltavam…

Aterra a vista!

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Chegando em Bubaque

O centrinho de Bubaque é relativamente “desenvolvido”, a iluminação publica é com energia solar, e alguns botecos mostram jogos de futebol europeu, devido às antenas parabólicas. Alguns casarões abandonados, ruas de terra, e um ou outro carro passa com o intervalo de algumas horas.

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Não tem tantas coisas para fazer, a não ser brincar com a criançada, explorar os vilarejos mais típicos e bater papo com o pessoal. Dizem que em Guiné-Bissau se fala português, mas não é bem assim. Na verdade somente 15% da população fala português como língua corrente. A língua mais falada é o crioulo (Krioul), usada por mais de 70% da população. Existem diversas outras línguas nativas também, faladas por pequenas comunidades. O Crioulo de Guiné Bissau é uma língua que se originou da mistura do Português com línguas locais. Apesar de ser uma língua independente, tem um grande percentual de palavras portuguesas. Quando falam rápido é difícil de entender. Para descontrair, às vezes eu falava um português bem rápido e cheio de gírias, era risada na certa.

Brincadeir de criança

Brincadeira de criança

Crioulo de Guiné-Bissau (Krioul)

Crioulo de Guiné-Bissau (Krioul)

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Na ilha não tem transporte publico. Os poucos carros são de funcionários da ONU, ONGs, ou para transporte de mercadorias e de hotéis mais caros. Mas não é difícil de encontrar uma bicicleta para alugar. O problema é que todas que encontrei estavam em péssimo estado de conservação (esqueça freios e marcha), mas facilita bastante para distancias mais longas.

Presença da ONU e ONGs

Presença da ONU e ONGs

A Praia do Bruce, fica a 18 quilômetros de distancia, no extremo oposto da ilha. É um dia longo, pois precisa sair cedo, antes que o sol torne a pedalada proibitiva. Mochila carregada com frutas mangas, sanduíches e água, muita água. Não tem muito como se perder. É só achar a “ estrada branca” principal “ estrada” da ilha. Era uma estrada feita com conchas, daí veio o nome, mas são tantos os buracos que já é de terra mesmo. Muitos cajueiros, todos carregados com frutas. Eu tentava pedalar rápido mas a bicicleta e a estrada não me deixavam. A leve brisa me entorpecia com o cheiro de caju maduro, que aguçava mais um sentido naquele momento. A trilha sonora era de facões dos trabalhadores limpando a área e coletando coquinhos de palmeiras. Nas pequenas vilas que passava (alguns amontoados de casas) crianças vinham correndo para acenar, e as pessoas paravam para ver o estrangeiro passar. Gritavam “Branco, Branco”. Se surpreendiam quando eu respondia em português e vez ou outra alguém me acompanhava por alguns minutos de bicicleta. Depois de um longo trajeto, valorizamos ainda mais a praia e um refrescante banho de mar. As coisas devem mudar no futuro. Estão construindo um ou outro hotel, mas a praia ainda é deserta. Uma ou outra canoa, onde um porquinho buscava sombra para dormir da areia. Eu já preferi a sombra das arvores, um pouco mais para trás.

Estrada inicia bem

Estrada inicia bem

...mas logo fica assim!

…mas logo fica assim!

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Minha magrela!

Minha magrela!

Todos buscando uma sombra

Todos buscando uma sombra

Um dia longo e relaxante na praia cai bem, mas precisa programar bem a volta. Muito cedo o sol esta fortíssimo, por outro lado anoitece cedo, e é preciso considerar a possibilidade de furar um pneu ou acontecer alguma coisa com a bicicleta no caminho. Na volta crianças, mulheres, adultos e velhos estavam voltando do trabalho. Com seus facões com ponta reta, cestos cheios dos coquinhos vermelhos e cara de exaustos. Um senhor me pediu água, a dele tinha acabado fazia tempo. Era final de semana, um dia quente de verão, mas eu fui o único que pude aproveitar a praia. No dia a dia é preciso trabalhar, é a sobrevivência, mesmo num final de semana com sol.

Algumas pessoas pedalavam no sentido de Bubaque. Todas com sacos pesados amarrados nas bicicletas. Foi bom para puxar meu ritmo, pois não podia ficar para trás.

Em Bubaque logo já conhecia muita gente. Busquei um chip de celular nas diversas vendas, até finalmente encontrar. Havia ficado dias sem dar noticias, e a Bibi estava bastante preocupada. Com o chip em mãos, descobri que era preciso se registrar, mas só lá no continente. Parecia um caso perdido quando um dos meus amigos ligou para o irmão dele em Bissau. Ele pegou a moto e foi até uma agencia telefônica para cadastrar o meu numero no nome dele, e assim pude dar noticias.

Cachaça e vinho de coquinho, as bebidas nacionais

Cachaça e vinho de coquinho, as bebidas nacionais

Quando chegou o dia de partir, uma pequena feira de rua se formou em frente ao barco. A cidadezinha estava viva e até apareceu um grupo cantando enquanto o ferry partia. Horas de viagem e cheguei em Bissau já estava escuro. Mas já me sentia em casa, caminhei até o mesmo hotel, sai para comer, parecei que já entendia bem como as coisa funcionavam na pequena capital.

Dia de feira em Bubaque

Dia de feira em Bubaque

Barco sempre lotado

Barco sempre lotado

Azulejos de Bissau

Azulejos em Bissau

Azulejo de Bissau

Azulejo em Bissau

Já estava quase na hora de me despedir de Guiné-Bissau, mas não sem antes experimentar as famosas ostras de Quinhamel. Uns 30 quilômetros a noroeste de Bissau, na beira da praia, um programa imperdível para quem gosta de comer bem. Dizem que final de semana fica cheio, mas dia de semana é muito tranquilo.

Um lugar que eu queria ter conhecido é a vila de pescadores de Varela, no extremo norte do país. A estrada de Santo Domingo para lá não é das melhores, e o transporte não é frequente. Eu tinha planejado de passar uma noite lá, mas rumores diziam que as fronteiras do Senegal com a Gâmbia tinham fechado novamente. Se isto fosse verdade (acabou não acontecendo) eu teria que contornar toda a Gâmbia (o que daria mais de 24 hs de viagem) para poder chegar em Dakar e pegar meu voo para o Brasil. Resolvi não arriscar.

No controle de passaporte de saída, esboçaram uma revista na mochila. Guiné Bissau esta na rota do tráfico de drogas internacional. Com tantas ilhas e uma marinha que só tem um ou outro barco, tornou-se a porta de entrada da cocaína que vai para a Europa. Encontraram meia dúzia de roupas sujas e algumas histórias. Deviam estar entediados, pois adoraram minhas historias de lá e de outros lugares que identificaram nos vistos estampados no passaporte. O papo estava bom, mas tinha que seguir viagem. Abriram um sorriso quando disse que recomendaria o país para meus amigos. “Obrigado, são sempre bem vindos…” acenava o oficial da imigração com um sorriso no rosto. E eu segui no meio de mulheres com vestidos coloridos, homens com sacos pesados nas costas e contrabandistas pela terra de ninguém até chegar no Senegal.

 

No país ao longo de um rio

A Gâmbia estava ligara à rota comercial trans-saariana e fez farte de alguns dos maiores impérios africanos, como o de Ghana, Mali e do Songhai. Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar na região mas logo venderam seus direitos para os ingleses. A disputa colonial pela África fez com que diversas regiões trocassem constantemente de controle, até a conferencia de Berlin, que fez a partilha oficial do continente africano entre os europeus. Maios ou menos nesta época a França tinha influencia na maior parte do Oeste da Africa (no que viria a se chamar Africa Ocidental Francesa) mas a disputa sobre província chamada Senegambia ainda era grande. Os ingleses tinham um entreposto militar em Banjul (hoje capital da Gambia) e controlavam o já proibido trafico de escravos pelo Rio Gambia. Não foi difícil para os inglese conquistarem o território ao longo do rio (hoje Gâmbia), mas os franceses ficaram como toda o restante (hoje Senegal).

O mapa da africa , que já é um absurdo pelas fronteiras determinadas por linhas retas ficou ainda mais esquisito com um país que existe somente ao longo de um rio.

Me aproximando da Gâmbia, vindo da porção norte do Senegal, a estrada N4 (também chamada de Trans-Gambia) praticamente terminou. Viajei muitos quilômetros num carro velho (sept place) por uma estrada bastante empoeirada e quente. Já se aproximava do final de tarde e cheguei a cogitar a possibilidade de dormir nos últimos vilarejos do Senegal. Estando tão perto não custava atravessar a fronteira. Mas não seria tão rápido assim. No posto de controle do Senegal, passaporte carimbado, tranquilo. Já no da Gambia, o oficial veio me perguntar se eu queria que carimbasse meu passaporte. Claro que queria, como faria para explicar na saída do país ou em um possível controle de passaporte? Tentaram me cobrar 2000 CFA, algo como 3 euros. Eu viajava com meu passaporte italiano, pois brasileiros precisam de visto para lá (e não dá para tirar na fronteira) e sabia que não precisava pagar nada. Tentei argumentar, insisti, mas não teve conversa. Sempre me orgulho de dizer que sempre arranjei uma forma de fugir de oficiais corruptos mas ali eu cedi. Estava cansado demais para esperar. Da fronteira contratei um moto-taxi para me levar alguns quilômetros até a próxima cidade, a pequena Farafeni.

Cuidados com a ebola

Cuidados com a ebola

Estava trocando dinheiro, lá eles usam o Dalasi da Gambia e não o CFA, quando percebi que tinha uma van sendo carregada. Já tinha anoitecido, mas não custava ver se ela não iria para meu próximo destino, Janjanbureh. Estava com sorte, era o único transporte que tinha no patio e ia para lá. Quer dizer, sorte mais ou menos. Um cara, daqueles bem malandros veio tentar me vender a passagem. Cobrando bem mais caro. Isto é bem raro nesta região da África, normalmente levam bem a serio os preços e não cobram extra de estrangeiros. Percebi a armadilha e fui comprar direto com o motorista. Ele me garantiu que já estavam quase saindo. Eu sabia que o tempo passa de maneira diferente por ali, então comprei uns baguetes de um vendedor, ovos cozidos de outro e fiz meu sanduíche.

Quando finalmente saímos, a minivan estava lotada, de passageiros e de carga. Os pouco mais de 100 quilômetros foram muito lentos, com paradas para descarregar mercadorias, sair passageiros e subir novos. Quando finalmente chegamos no destino final já era mais de 10:30 da noite.

Peguei minha mochila sem sabem muito bem para onde ir. Na minha frente um rio, Janjanbureh ficava no outro lado. O motorista me falou que tinham hotéis deste lado da margem do rio também, e logo apareceram uns malandros se oferecendo para me levar lá. Estava muito escuro, nenhuma iluminação publica, então não me senti muito seguro de perambular sem conhecer a região. Conversava com quatro senegaleses que estavam vindo a trabalho quando um barqueiro ofereceu para nos levar por 100 Dalasi. O senegalês se ofendeu, ficou irritadíssimo. Segundo ele o preço correto era de 5 Dalasi. Quase brigou com o barqueiro. Eu tentei negociar mas ele disse que não teria passageiros de volta naquele horário e que não poderia nos levar por menos. Os senegaleses discutiram mais um pouco com o barqueiro, falaram alguma coisa que eu não entendi, e ele saiu furioso.

Sentamos na margem do rio, com uma noite quente e muito estrelada. Sem muitos mosquitos mas eu reforçava o repelente, pois esta é uma das áreas com maior incidência de malária de toda a Africa. Os senegaleses ligaram para alguém e garantiam que logo um barco viria nos buscar. Vendo a demora sugeri de eu pagar 60 e cada um 10 Dalasi. Eles não acetaram. Eu morto de cansado da longa viagem resolvi achar o barqueiro e pagar o preço. Quando me dei conta, resolvi fazer a conversão da nova moeda e cai na risada. Os 100 Dalasi são pouco mais de 2 Euros! Eu acabei demorando mais de meia hora para atravessar o rio por este valor. Os senegaleses tinham ficado tão revoltados com o valor que (cansado e não raciocinando) nem me dei ao trabalho de fazer a conversão. Só pensava que pagaria 4 vezes mais que o justo. O raciocínio deles era correto, mas paguei os 100 Dalasi com gosto. O primeiro hotel que fui olhar estava mais de que bom para aquele momento. Ainda tive energia para tomar duas cervejas no bar que ficava num deck ao lado do hotel, e fui dormir, sem banho, o balde poderia esperar a manhã seguinte.

Janjanbureh ( antiga Georgetown) fica na histórica Ilha MacCarthy. Um dos locais mais a dentro do Rio Gâmbia que os ingleses se estabeleceram. Foi um lugar onde muitos escravos libertos vieram morar também. Hoje é um pequeno vilarejo, com certo apelo turístico. Possui diversos armazéns antigos e algumas ruínas o que dá um ar de lugar esquecido. Alguns vendedores ambulantes perto do “porto”, onde 7 entre 10 vendem mangas. O forte café Touba também é muito popular. Alem da cultura e historia local, dizem ser um lugar incrível para observar pássaros. Acabei não encontrando nenhum outro estrangeiro por ali, ninguém para dividir uma canoa ou barco para conhecer os parques nacionais ali por perto. Sozinho os preços eram extremamente proibitivos, então fiquei perambulando pela região. Sempre aparecia alguém para conversar comigo. Eu dou papo, mas infelizmente sempre era com segundas intenções, normalmente oferecendo um serviço de guia.

Pintura em um antigo armazém

                                                                 Pintura em um antigo armazém

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" Porto"

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"Avenida" principal

“Avenida” principal

Peguei um barco para a outra margem do rio e fui explorar os famosos círculos de pedra da região. Os mais conhecidos são os de Wassu, poucos quilômetros dali, listados como Patrimônio da Unesco. Grandes (alguns com 2 metros), bonitos, mas naquele esquema pago, guia, blablabla. Não é uma experiencia em si, tampouco um Stonehenge.

travessia

Travessia

 

Wassu

Entre o Senegal e Gâmbia existem mais de 2000 destes círculos, que foram construídos entre os seculos 3 A.C. e 16 D.C. , nos rituais de sepultamento. A forma de extração das rochas e capacidade de organização mostra o desenvolvimento das sociedades que viveram por ali.

Resolvi estender o passeio e procurar também alguns círculos perto dos vilarejos. Sozinho eu não encontraria, então contratei uns meninos para me levar. Eles ficaram felizes da vida. Uma delicia caminhar entre as casas tipicas, as baobás e escutar as histórias e sonhos da piazada. Os círculos que encontramos, bem mais modestos, tinham um ar de vitória. As crianças discutiam qual era o melhor caminho, qual círculos deveríamos ir e nos divertíamos. Só o sol que castigava, pois estava muito quente.

Círculos de pedra

Círculos de pedra

Meus guias

Meus guias

Casas tipicas

Casas tipicas

Paisagem entre os vilareijos

Paisagem entre os vilareijos

Quando chegou o dia de ir embora, atravessei a ilha e segui pela margem sul. Não tinham ônibus diretos, então tive que fazer diversas conexões até voltar para o Senegal, agora na porção sul, Casamance. Antes disso eu tive que passar pela imigração, que também queria que eu pagasse pelo carimbo. Não eram agressivos, na verdade se faziam de meus amigos. Mas desta vez era de dia, e eu estava com tempo. Coloquei minha arte de negociação para funcionar, dizia que ia voltar por aquela fronteira e até anotei o telefone do guarda. Não fugi da mordida, mas pelo menos paguei só um Euro.

Viajei pelo sul do Senegal e para Guiné Bissau, mas tinha que atravessar a Gambia novamente para pegar meu voo em Dakar, Senegal.

Desta vez fui pela costa da Gâmbia. Dias antes as fronteiras Gâmbia-Senegal tinham sido fechadas novamente. Os dois países vivem brigando por causa da cobrança de impostos. Para a economia do Senegal, atravessar a Gambia, cerca de 40 quilômetros, é bem mais fácil que contornar, que seria uns 600 ou 700 quilômetros. Eu perderia um dia de viagem caso tivesse que dar a volta na Gâmbia. Resolvi arriscar e pude passar, para surpresa minha, sem cobrança para carimbarem o passaporte!

Mototáxi até a primeira cidade pós fronteira e um Peugeot velho (Sept Place) até Serekunda e estava na costa da Gâmbia. Tinham me alertado para evitar o litoral, mas não custava passar um dia na praia. Passei por Kotu e Bakau, até achar uma pequena pousada. Ia sair para comer, mas pensei em ver o mar antes. Fui me decepcionando e entendi exatamente porque haviam me falado para evitar o litoral. As praias da Gâmbia são famosas e muitos turistas vão para lá. Mas é o tipo de gente que fica só nos resorts, só fala com os locais que são seus empregados. Isto gera um clima de segregação muito forte. As pessoas passam a olhar o estrangeiro como uma forma de ganhar dinheiro, e os turistas se escondem atras dos muros, seguranças e vidros dos carros fechados para ter o menos contato possível com as pessoas. Vão para a África sem querer viver a África. Resorts de luxo com bairros inteiros para dar apoio, muitos com casebres com telhado de zinco. O preço de drinks caríssimos são o equivalente a mais de uma semana de trabalho de quem os serve. Não durou muito. Olhei chocado tudo aquilo, voltei para pousada, pedi desculpas e peguei a minha mochila. Me irritei tanto que não consegui nem esperar o ônibus. A demora me fez pegar um táxi mesmo, afinal seriam só 12 Km. Porem mais surpresas estavam por vir. Nos pararam numa barreira policial. O guarda pediu meu passaporte e ficou puxando papo. Resolveu revistar minha mochila. Falou brincando se eu não tinha um “presente” para ele. Me fiz de bobo e ele nos liberou. Não muito tempo depois nos pararam novamente. Desta vez um soldado sorridente me contava como estavam deixando tudo ótimo e seguro para os turistas. Eu olhei com uma cara de “não to te entendendo”. Ele deu uns tapinhas nas insignias do seu ombro e pediu uma colaboração. Fala serio! Disse que estava sem nada no momento, talvez outro dia. Ele manteve o sorriso, agora bem forçado e me dispensou.

Praias e restaurantes só para estrangeiros

Praias e restaurantes só para estrangeiros

Foi um alivio chegar a Banjul. Uma cidade calma e sem grandes atrações. Fiquei em um hotel quase ao lado do Arco 22, um monumento em homenagem ao golpe de estado dado em um presidente democraticamente eleito. Andei pela cidade, explorei mercados, prédios históricos, conheci a mesquita principal e peguei informações sobre o ferry que teria que pegar no dia seguinte. Por alguns momentos me senti anonimo, mas as vezes apareciam malandros com um papo bem manjado. Sempre super simpáticos, mas com interesse estampado na cara. Uma pena, mas parece que a barreira entre o estrangeiro e a população local está bem definida.

Arco 22 no final de tarde

Arco 22 no final de tarde

Num restaurante, um aglomerado de pessoas se espremia na frente de uma televisão. Pensei que era um jogo de futebol, muito popular por ali, mas não. Na Gâmbia, assim como no Senegal e grande parte do Oeste da Africa, além do futebol, o esporte nacional é a Luta Tradicional. Parecida com a Luta Greco-Romana, mas embalada por tambores e ritos tradicionais. Ao contrario dos países vizinhos, na Gâmbia e no Senegal, os lutadores podem dar tapas antes de derrubar os oponentes, se tornando muito mais violenta. O esporte lota as arenas e sempre esta presente na televisão.

Luta tradicional

Luta tradicional

O ferry de Banjul para Barra é o caminho mais próximo para ligar as capitais da Gâmbia e Senegal. Cheguei cedo para pegar o primeiro mas tive que esperar um bom tempo. Ferry lotado e colorido, onde finalmente pude bater papo com pessoas comuns. Uma travessia lenta mas agradável e com bela vista de Banjul na saída. Em Barra taxistas diziam que não tinha ônibus, que a fronteira com o Senegal estava para fechar, mas eu já tinha me acostumado com a malandragem local. Ignorei o assedio e fui até o patio do transporte. Deu tempo de comer alguma coisa para gastar minhas ultimas notas da moeda local e partir para o Senegal, onde entraria sem pagar pelo carimbo.

Banjul

Banjul

Ferry Banjul-Barra

Ferry Banjul-Barra

Chegada em barra

Chegada em barra

As cores e dores do Benim

O Benim é um pequeno país no Oeste da África que possui laços fortíssimos com o Brasil. Durante alguns seculos o então reinado de Dahomey controlou a região, participando no riquíssimo comercio de ouro. Com a descoberta do “Novo Mundo”, o trafico de escravos aumentou consideravelmente, e  foi muito lucrativo durante seculos. Um brasileiro de Salvador, filho de um português com uma escrava, foi amado e odiado na região. Em certo momento da história, Francisco Felix de Souza, fez um pacto de sangue com o rei de Dahomey e conseguiu praticamente exclusividade no mercado de escravos. Foi responsável pelo terrível ato de financiar a captura e enviar milhares de escravos para o Brasil. Conflitantemente com esta pratica, passou a ser uma pessoa munto respeitada pelos escravos que voltaram do Brasil para o Benim depois de livres. Eles tinham adquirido uma cultura brasileira/portuguesa, então o Francisco Felix de Souza não deixava de ser uma referencia e um bom contato na terra estranha que um dia foi lar de seus antepassados.

Se alguns poucos escravos trouxeram cultura quando voltavam para o Benim, o mesmo aconteceu quando milhares foram levados para a America (12 milhões de toda a África).  Em toda esta região do Oeste da África existe um culto muito forte aos antepassados, lendas, lugares sagrados e entidades, as quais chamam de Vudum (Espíritos). Ao ser “exportado” acabou sofrendo pequenas adaptações mas continua sendo a base do Voodoo no Haiti, da Santeria em Cuba e Umbanda e Candomblé no Brasil.

Eu atravessei a fronteira Niger-Benim de motocicleta. Já passava das duas horas da tarde e os oficiais pareciam entediados. Algumas mulheres assumiram o controle e inspecionaram meu passaporte. Não encontravam o numero de serie do visto que buscavam,  aproveitaram para brincar comigo e se ofereceram para ver se eu não queria leva-las para o Brasil. Depois de algumas rizadas, dados da minha viagem anotados, fui liberado. Um senhor veio correndo me oferecer transporte. “Ultimo lugar, vamos sair agora!”. Seria bom demais para ser verdade, pois os transportes normalmente partem cedo. Eu tinha a ambição de no máximo chegar até Parakou naquele dia, metade do caminho até a costa. Mas não, ele dizia que os outros lugares já estavam tomados e eu poderia seguir até a capital, Porto Novo, ou Cotonou, centro econômico. Dei uma sondada no preço, para ver se estavam me cobrando o valor correto(sempre cobraram o valor correto no Oeste da Africa) e fui procurar o meu lugar. Era um carro pequeno, mas com duas fileiras de bancos atrás. Iria o motorista e outras dez pessoas. Eu fiquei feliz quando me deram o lugar ao lado do motorista, dividindo com só mais um passageiro, eu na janela. Não demorei muito para perceber que não era o mais confortável. Para cabermos, tive que ficar com a janela aberta o tempo todo, com o braço para fora, quase debruçado,  para sobrar um pouco de espaço. Quando começou a chover eu tentei fechar a janela mas fui repreendido. O espaço era mais valorizado, mesmo que ficássemos molhados.

12 pessoas? Só com a janela aberta ;)

11 pessoas? Só com a janela aberta 😉

Se não mentiram no preço, mentiram no tempo da viagem que acabou sendo muito, mas muito mais demorada que o esperado. Chegamos em Parakou já tarde da noite. Uma longa parada para jantar, carregar o topo do carro com tudo quanto é mercadoria possível. Aproveitei para conversar com os outros passageiros. Todos Nigerinos, que estavam indo tentar a sorte no Benim. Alguns trabalhariam no porto, outros tinham sido contratados para levar carros de volta para o Niger. Na feira noturna, enquanto comíamos começou a tocar uma musica de Guiné-Bissau. Era creole, mas tinham muitas palavras em português e eu comecei a cantarolar. Todos ficaram impressionados como eu conhecia uma musica de Guiná-Bissau (eu não conhecia) e queriam saber se eu já tinha morado lá. Eu brincava que tinha nascido lá e nos divertimos bastante.

Já era tarde, eu cheguei a cogitar a ideia de buscar um hotel, mas o acordado era  percorrer o trajeto todo, portanto não me devolveriam parte do valor da passagem. Antes de viajar, no meu plano original, de Parakou eu iria para o noroeste do país, para explorar a região de Natitingou, onde está a tribo Tata-Somba, com suas casas de barro em formatos tipicos, patrimônio da Unesco. No entanto, eu havia prolongado minha estadia no Niger quando decidi  ir até Agadez, então estava com o itinerário um pouco mais apertado. Fica para a próxima! Apesar do cansaço, eu ganharia um pouco de tempo por viajar a noite, apesar de perder a paisagem. Decidi seguir viagem mesmo.

Foi uma viagem dura, não dormi quase nada. Na entrada de cada vilarejo tinha uma corda ou um bambu com um latão na ponta trancando a estrada. O motorista pagava um pedágio e arrastavam lentamente o latão para passarmos. A cena se repetiu dezenas de vezes. Mas algumas paradas para trocar mercadorias, fazer entregas e já amanhecia quando chegamos em Porto Novo. Eu queria conhecer a capital, mesmo não tendo grandes atrativos, diziam ser bonita por estar espalhada por colinas na beira do lago Nokoué. Mas a chuva não parecia que ia parar, então me contentei em admirar as decadentes casas coloniais francesas e a pacata cidade despertar pela janela do carro superlotado. Dali até Cotonou é um pulo, são cidades praticamente interligadas. Tomei um bom café da manhã, e me despedi dos meus companheiros de viagem. Cotonou é uma cidade barulhenta, suja e perigosa, não é o tipo de lugar que se pode dar bobeira. Dali eu queria ir até Ganvie, uma grande vila só de casas sobre palafitas. Foi a forma que a população encontrou para fugir dos traficantes de escravos. Mas o problema é que com aquela chuva forte não seria uma experiencia nada agradável, pois a unica forma de chegar lá é de canoa.

Não tive outra opção a não ser pegar um táxi coletivo até a histórica Ouidah, patrimônio da Unesco. Foi a decisão certa. Fica a apenas 40 quilômetros de Cotonou mas um mundo a parte. Cara de cidade do interior, vida calma e cultura fortíssima, pois ali é o centro do Vudun. Depois que já estava instalado no hotel a chuva até parou! O nome da cidade Ouidah, vem do português, “Ajuda”. A região tem muitas coisas interessantes. No forte português São João Batista,  hoje funciona um museu, e tem até placa escrito em português.

Forte São João

Forte São João Baptista de Ajudá

Placa em inglês, francês e português

Placa em inglês, francês e português

Forte

Forte

Herança portuguesa

Herança portuguesa

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Existe uma floresta sagrada, onde dizem que um chefe Kpasse se transformou em uma arvore para fugir dos inimigos. Lá também  estão diversas estatuas de entidades do Vudun e da para aprender bastante e sentir o clima do lugar. Mas se quiser só passear pela cidade já vai avistar bandeiras, santuários e oferendas do Vudun, pois estão por todos os cantos.

Floresta Sagrada Benim

Floresta Sagrada

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Templo Vudun

Templo Vudun

Explorando Ouidah

Explorando Ouidah

Locais de culto espalhados pela por Ouidah

Locais de culto espalhados por Ouidah

Um dos locais mais famosos da cidade é o “Templo da Serpente”. Um lugar sagrado  onde cultuavam as cobras mas hoje se transformou mais em um “Tourist-Trap”, o famoso pega turista. Tudo bem que é legal você conhecer um templo com dezenas de cobras, no maior estilo Indiana Jones, mas o pessoal vai estar mesmo é querendo colocar uma cobra no teu pescoço para ganhar uns trocados.

Indiana Jones ou "pega turista"?

Indiana Jones ou “pega turista”?

Já que que a foto "está no preço", fica de recordação

Já que que a foto “está no preço”, fica de recordação

Não muito longe dali fica a Casa do Brasil, que é interessante, apesar de bem pobrezinha. Dentre diferentes objetos existem placas com as listas das famílias de escravos que ao ficarem livres voltaram do Brasil para o Benim, os chamados Agudás. Seus descendentes vivem até hoje lá, e incorporaram varias palavras  portuguesas em seu vocabulário.

Casa Brasil Benin

Casa Brasil

Agudas, famílias de escravos livres

Agudas, famílias de escravos livres

Em frente à imponente basílica de Ouidah tem um pequeno museu de Voodoo com esculturas de diversos lugares do mundo. Me diverti vendo futebol no final de tarde e tomando cerveja barata a noite.

Basílica Ouidah

Basílica Ouidah

Iemanja!

Iemanjá! Muitas entidades tem os mesmos nomes utilizados no Brasil

Escultura em uma arvore no centro de Ouidah

Escultura em uma arvore no centro de Ouidah

Futebol em um final de tarde

Futebol em um final de tarde

Os lugares mais marcantes da região ficam nos arredores da cidade, poucos quilômetros do centro. É possível percorrer a “Rota dos Escravos”, caminho que os escravos faziam da cidade até a praia onde embarcavam para as Américas. São uns 4 quilômetros de caminhada,  onde se pode aprender muito, alem de refletir como o absurdo da escravidão poderia ser legalizada. Tem uma arvore onde eram obrigados a dar varias voltas para esquecerem suas origens. Na beira da praia um portal que funciona como memorial, o “Ponto do não retorno”, com figuras bem marcantes desenhadas. É um clima muito pesado, difícil não pensar nas atrocidades cometidas ali. Mas um memorial serve para isto, para nunca esquecerem do que se passou ali.

Rota dos escravos

Rota dos escravos

Ponto do não retorno

Ponto do não retorno

Alguns hotéis e uma praia agradável, mas sem a “vida” da cidade. Sempre é possível encontrar um pequeno restaurante local para comer uma comidinha caseira e bater papo. O futebol também rolava por ali com frequência. Deixei para curtir praia no meu próximo destino, Grand Popo, já bem pertinho da fronteira com o Togo.

Pescadores

Pescadores em Grand Popo

Mulheres esperando os pescadores

Mulheres esperando os pescadores em Grand Popo

Grand Popo também fica pertinho. O litoral do Benim é minusculo, então é bem fácil de se locomover. Sobrou pouco deste antigo porto  de escravos. A maior parte das casas coloniais foi derrubada pelo mar, e o que sustenta o lugar é uma base naval, a pesca e o turismo. Diversas pousadas onde o pessoal fica de bobeira depois de longas viagens pelo Oste da Africa. Muitos expatriados utilizam apraia para descansar do dia a dia também. Mas isto não significa que estava cheio do turistas. Vi só uma meia duzia, mas existem muitas pousadas sendo construídas, então parece ser um negocio promissor.

Praia

Praia e cores

Pescadores

Pescadores

Pescadores

Vila de pescadores ganeses

Praia

Praia

Um lugar colorido. Mar verde, praias douradas e roupas e redes de pesca de diversas cores. Peixe e cerveja muito baratos se não comer nas pousadas. Eu sempre ia fuçando para encontrar novos lugares. A maior parte dos pescadores da região são de Ghana, e atravessam todo o litoral de Togo para tentar a sorte no Benim. Alguns tem licença para a pesca em trazem toda a família, outros vem ilegal. Ficavam muito felizes quando eu oferecia para as mulheres deles cozinharem para mim, um trocado extra no orçamento.

Dei uma recarregada na energia nos dias que fiquei ali. Descansei, tomei banho de mar, escrevi e li bastante e interagi como pude, já que não consigo ficar muito parado. Logo eu estava na beira da estrada, pronto para pegar uma moto e percorrer os poucos quilômetros até a fronteira com o Togo.

Todos estão de passagem pelo Níger?

Níger não é um país estampado nos cartazes da agencias de turismo. Muitas pessoas se confundiriam perguntando, “Não é para Nigéria que você vai?”. Outros tantos não saberiam definira a nacionalidade de quem nasce no Niger (Nigerino). Um dos países mais pobres da Africa, frequentemente está em ultimo lugar nas listas de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de todo o mundo. O que eu fui fazer lá? Me surpreender!

Eu viajava numa das principais estradas do país, rumo a capital, Niamey, mas parecia que me dirigia sentido ao interior. Um estrada muito simples e de má qualidade, pouquíssimas cidades, que na verdade eram uma ou outra vila, mesmo eu estando numa das regiões mais populas do país.

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Quando atravessamos o Rio Niger, entrando na capital, os quatro Fulas (uma das etnias locais), altos e magros, não esconderam a alegria. Falavam sem parar e gritavam para o motorista orientações de onde queriam descer. Eles dividiam o ultimo assento do ônibus comigo, o que mais sacolejou durante a viagem. Todos os outros passageiros viravam para ver o que diziam. Eles estavam voltando de uma temporada de trabalho em Freetown, Serra Leoa. Não sabiam dizer ao certo quantos meses estavam fora. O bastante um comentou, mais de meio ano afirmou o outro- sem comunicação com a família. Grande parte da população do Niger esta na região rural e vive de subsistência. As poucas dezenas de dólares que conseguiram guardar mensalmente faria grande diferença no dia a dia de seus parentes. Antes de descer um deles me desejou boa sorte na minha jornada. Minha vontade era de dizer, fique com a sorte, você precisa mais dela do que eu. Mas ele saiu com seus amigos feliz da vida, e ficou abanando quando eu dei uma espiada pela janela lacrada por causa do ar condicionada que já não vencia o calor lá de fora.

Alguns quilômetros adiante, já dentro da cidade, o ônibus parou na “moderna” estação. Não existe o sintema de rodoviária na maioria dos países da África, cada companhia tem seu terreno. Muitas vezes parece um terreno baldio, cheio de lixo e empoeirado. Eu havia embarcado num destes em Ouagadougou, Burkina Faso, que era exclusivo da Sonef. Em Niamey, sede da empresa, eles tinham dois terminais grandes, murados, bem estruturados para os padrões locais.

Grande mesquita de Niamey

Grande mesquita de Niamey

No meu plano inicial, eu passaria uns dias na capital e seguiria ao sul, onde faria uma ou outra parada antes de chegar ao Benim. Mas uma semente havia sido plantada, meses antes, em um bate papo informal em Florianópolis. Meu amigo, Edson Walker, grande viajante que já esteve no Niger ficou empolgado com meus planos de viagem. Primeira coisa que perguntou é se eu iria para a histórica Agadez. Não que eu não tivesse cogitado, mas não parecia fazer muito sentido eu me aventurar quase mil quilômetros sentido ao Saara para depois retornar. Cheguei a estudar uma ida até o Chade para voltar de avião, mas teria que passar por cidades na fronteira da Nigéria onde tiveram recentes atentados do Boko Haram. Estava descartado este trajeto.

Eu tentei colher o máximo de informações possível, entender como estava a situação. O wikitravel dizia que qualquer viajante que tentasse chegar a Agadez seria mandado de volta no primeiro ônibus no sentido contrario, o que poderia demorar 24 horas. Eu fiquei sabendo de um cara que tinha feito o trajeto poucos meses antes, e disse que tudo estava ok. As pessoas em Niamey não sabiam informar direito, era tão longe, uma realidade tão diferente da delas. Teve rebelião dos Tuaregues, as coisas estão agitadas nos últimos anos por lá, um jovem me disse, quando tomava um café (ultimas décadas na verdade!). Outro recomendou eu entrar em contato com a policia ou exercito. Mais fácil foi eu perguntar no guichê onde vendem passagem para lá, afinal de contas, com ônibus diários, sabiam exatamente como estava a região. Um rapaz entusiasta me encorajou. Está bem tranquilo, só não vá mais ao norte. O pessoal não sabe o que fala… A proibição de estrangeiros caiu em Janeiro, pode ir tranquilo. A falta de informação é cruel, mas a sua confiança me contagiou e comprei um bilhete. O ônibus partiria as quatro da manhã. Sai para perambular pela cidade. Haviam me recomendado o museu nacional, um dos mais completos do Oeste da Africa, mas com pouco tempo eu preferi curtir a cidade como um todo. Fui na imponente mesquita principal, financiada pelo Kadafi, onde diversos jovens jogavam bola nos seus arredores. Futebol é um dos esportes mais populares do Niger, talvez só superado pela “Luta Tradicional”. Eu havia me informado onde tinha um ginásio da luta local e fui la para conferir se estavam treinando. Infelizmente lá só acontecem as competições. Gostaria de ter visto um ou outro combate, mas não tinha nenhum agendado. É uma especie de Wrestling, onde vence quem derruba seu oponente com os dois ombros no chão. Nada de tatame, tudo num piso empoeirado, acompanhado de musica e rituais tradicionais. Dei uma olhada nos mercados, no Rio Niger, onde as pessoas lavam a roupa mesmo no centro da cidade. Queria procurar pelos famosos morcegos da região e ninguém entendia direito quando eu perguntava por informações. Mas quando escureceu eu entendi porque, eles estavam por todos os lados, sobrevoando a cidade e dando seus rasantes. Com o anoitecer eu, com minha mochila, sabia que seria uma presa fácil. Não para os morcegos, mas para algum oportunista que me visse dando mole.

Peguei um táxi coletivo para a estação de ônibus e fui comer alguma coisa no pequeno mercado improvisado ali na frente. Os preços dos hotéis são muito caros na capital do Niger, não valeria a pena para poucas horas. Descansaria na rodoviária mesmo.

Dormindo na estação de ônibus de Niamey

Dormindo na estação de ônibus de Niamey

Comprei um baguete e quatro espetinhos de bode (100 CFA/0,15EUR cada) e me sentei num banco. Um rapaz puxou papo em inglês. Aparentava ter uns vinte poucos anos (depois descobri que tinha quase trinta), e falava inglês relativamente bem. Era de Burkina Faso, mas não morava lá fazia tempo. Estava sempre se mudando atras de trabalho. O ultimo foi no porto em Benim, se orgulhava de ter mandado um bom dinheiro para casa. No inicio fiquei meio atento, na defensiva, mas depois baixei a guarda. Ele me elogiou: “você é gente boa, me aproximo de muitos brancos que nem querem conversar”… “Depois de um tempo de conversa ele peguntou: “Onde você mora mesmo? Brasil? Tem trabalho bom lá? Se me levar para o teu país posso trabalhar em qualquer coisa…”. Ele dizia que estava indo para a Argélia ou Líbia. Dizia ter empregos bons lá. Eu brincava perguntava se ele ia mesmo para lá ou se daria uma esticadinha até a Europa. Ele negava, dizia ser muito perigoso, “Minha família depende de mim!”afirmava.

Ele passou uns dias sem dinheiro, e até enviarem para ele completar a viagem, ficou vivendo na rodoviária. Me mostrou o salão de espera, três andares onde as pessoas descansavam em esteiras,o banheiro e chuveiros. “Precisa tomar banho depois de alguns dias, te da força”, afirmava. Na sala de espera, o primeiro nível era para as mulheres e os outros dois para os homens. Ao contrario dos ouros países que passei nesta viagem(e os que iria também) a maioria esmagadora da população do Niger é Muçulmana.

Garanti minha esteira e dei uma esticada. Achei que iria dormir, mas tinham muitas pessoas querendo conversar. Muitos curiosos apareceram e meu novo amigo servia de interprete. Queriam saber da minha vida e eu da deles. Eramos todos viajantes, mas cada um com um proposito diferente. A impressão que fiquei é que todo mundo que encontrei no Niger estava em transito. Já sobrecarregado de informação e de duras histórias de vida, cochilei. Uma hora antes da saída do ônibus um funcionário acordava todo mundo, puxava as esteiras e tocava uma musiquinha irritante enquanto iluminava a todos com sua lanterna. Me despedi de algumas pessoas, mas muitos outros seguiriam comigo, no mesmo ônibus, rumo a Agadez.

Aproveitei as primeiras horas para dormir, ou pelo menos descansar. Ainda escuro, e sem a influencia do sol forte, o ar condicionado ainda funcionava. Vesti até uma jaqueta corta vento e um lenço no pescoço. As estrada era ok, mas o ônibus lotado tinha pouco espaço para as pernas. Na primeira parada para controle de passaportes fiquei tenso. O oficial subiu no ônibus e olhou o passaporte e identidade de todos. Ficou procurando meu visto e de onde eu era. Perguntou para onde eu ia e me devolveu o passaporte sorridente. “Bon Voyage!”. Mas nem todos tiveram a minha sorte. Muitos tiveram que descer e entrar em uma tenda improvisada. O motorista esperou, impaciente mas esperou, muitas pessoas serem extorquidas em cada uma das paradas do exercito. Em duas delas me mandaram descer. Fui na tenda, somente verificaram o passaporte, anotaram uns dados e me liberaram. Outra pessoas me perguntavam o quanto eu tinha pago, e se surpreendiam quando falava que nada. Nem todos tinham a mesma sorte, e muitas pessoas iam deixando suas economias pelo caminho.

Paisagens gravadas na minha memória

Paisagens gravadas na minha memória

Interior do Niger

Interior do Niger

Niger

O interior sempre é mais interessante que as cidades

Niger

Povoados no meio do Niger

Numa das paradas, tentando entender a situação, um senhor saiu em defesa dos oficiais. “Eles pagam dinheiro para serem liberados porque os documentos não estão em ordem. O meu está e eu nunca tive que pagara nada…”. No ponto de vista dele os policiais estavam sendo generosos em deixar o pessoal seguir viagem, era apenas uma troca de favores.

Por falar em troca de favores, numa parada mais longa decidi comprar um pedaço de frango e batatas fritas. Meu amigo estava comigo e não conseguiria comer com ele olhando. Comprei o mesmo para ele. Em todas as outras paradas ele vinha com alguma coisa para mim, fosse uma laranja, um saquinho de água ou qualquer coisa que fosse comer. Vontade de dizer, fique para você, guarde, não precisa. Mas não, na África a reciprocidade é muito forte. Você ajuda e é ajudado, você sorri e faz amigos. É uma lei natural, ninguém sobrevive sozinho, um depende do outro e todos sabem disto.

Tuaregues ficam mais comuns no interior

Tuaregues ficam mais comuns perto do deserto

Churrasquinho sempre presente

Churrasquinho sempre presente

A estrada foi se deteriorando e logo era mais fácil trafegar pela areia que pelos buracos. Vez ou outra dava para avistar um caminhão tombado na beira da estrada. Paisagem monótona, só mudava quando passávamos por algum vilarejo ou por pastores. Alias era minha alegria quando dávamos uma parada um pouco mais longa. Olhar as diferentes casas, pessoas, estilos, parecia um sonho.

Parte boa da estrada

Parte boa da estrada

Já havia passado das onze da noite ( tínhamos saído as 4 da manhã) quando teve um controle “pente fino”. Olharam todo o bagageiro do ônibus e analisaram minunciosamente os documentos. Eu havia sido surpreendido positivamente por cada sorriso e gesto acolhedor de cada oficial que encontrei no Niger, mas eu ainda parecia não acreditar. Seria tudo tão fácil? Neste ultimo controle disseram que ficariam com meu passaporte. Eu disse que não podia me separar dele mas insistiram. É para o registro, esta tudo bem. Amanha de manhã você pode buscar na delegacia, fique tranquilo. Procedimento normal. Já estava tão exausto que concordei. Poucos quilômetros adiante entramos em Agadez.

Pequei uma moto e fui até um hotel que haviam me indicado. Passamos por ruas estreita, casas feitas de barro, num verdadeiro labirinto desta cicade do seculo 11. O hotel, bem decadente, aparentava ter tido seus dias de gloria, mas estava em pedaços. Pedi o quarto mais barato e capotei.

Quarto simples e caro

Quarto simples e caro

Acordei assustado, com o despertador estridente. Havia dormido profundamente, e acordei com a sensação de que tinha perdido a hora. O ventilador não vencia o calor. Ainda era cedo, mas o sol já estava mostrando quem mandava naquela região. Fui tomar um banho e me deu uma tristeza. Fazia tempo que alguém não passava uma água por ali, de tão imundo que estava o lugar. Falei um um funcionário que regava umas poucas plantas no jardim interno do hotel. Pedia informação sobre como chegar à delegacia de polícia. Ele chamou o irmão do dono do estabelecimento, o jovem Mohamed. Com carra de sono, ele pediu cinco minutos e disse que me acompanharia. Lavou o rosto e enrolou um cigarro de maconha. Me contou da época que o hotel era frequentado por turistas europeus. Mostrou fotos de caminhonetes que atravessavam o Saara até chegar em Agadez na época que seu pai era vivo. Era um ótimo negocio, dizia (ele nem tinha nascido). Um italiano construiu este hotel. Mas depois da rebelião dos Tuaregues, somente nigerianos se hospedam aqui.

Peguntou se eu queria ir de táxi, mas como fiquei sabendo que era próximo, resolvi ir a pé mesmo. Ele me olhou com uma cara de “então tá”, e logo percebi porque. Sol fortíssimo, poucas sombras, mas foi bom para ir me localizando na cidade. Ele parou para comprar um perfume importado. Muito bom, dizia, oferecendo para eu cheirar. Muito dinheiro em Agadez, uma cidade muito rica. Algumas quadras depois chegamos a uma especie de quartel, onde indicaram o local onde deveríamos ir. Alguns soldados batiam papo numa varanda e pediram para eu esperar. Esperamos, esperamos e o Mohamed cansou. Vamos comer algo, depois voltamos, ele dizia. Eu estava aflito por estar sem meu passaporte e disse que esperaria por ali. Ele saiu voltaria depois para me buscar. Um bom tempo passou, não sei ao certo quanto, pois estava sem relógio. Mas foi tenso, demorado psicologicamente. Os soldados me convidaram para sentar, mas eu fiquei encostado numa pilastra, de onde conseguia ver a rua e me distrair um pouco.

De uma hora para outra chega um carro relativamente rápido, levantando poeira do chão de terra. Todos se levantam e batem continência. Era o oficial da noite anterior. Ele bate nas minhas costas e diz para eu acompanha-lo para uma sala. Um outro soldado vem junto e fecha a porta. Será que cairia numa armadilha? Onde estaria meu passaporte? Já tinha passado por tantos controles e parecia que eu ainda não acreditava que tudo fluiria tão bem. Ele apenas registrou meus dados, anotou onde eu estava hospedado e quantos dias ficaria por ali. Me proibiu de passar do limite norte da cidade. Aqui você está seguro, mas tem muitos problemas por lá. Infelizmente não seria desta vez que eu conheceria as Montanhas Air, que ficam no meio do deserto e tem o tamanho de uma Suíça. Tampouco o famoso Tenere. A maioria das vilas e acampamentos tuaregues também estavam off-limit para estrangeiros, somente com uma autorização especial, transporte, guia e escolta armada, fora do meu orçamento e bom senso.

Fiquei batendo papo, me serviram chá, e o Mohamed apareceu. Sinalizei que tudo estava ok e fomos caminhar pela cidade. A cidade é toda plana, com construções térreas e uma ou outra de dois andares. O minarete da antiga mesquita tem apenas 27 metros mas pode ser visto de longe. Caminhamos pela cidade antiga, mercados e fomos conhecer o interior da mesquita.

Minarete da mesquita se destacando na cidade

Minarete da mesquita se destacando na cidade

Mesquita toda de barro

Mesquita toda de barro

Mesquita de Agadez, cidade patrimônio da Unesco

Mesquita de Agadez, cidade patrimônio da Unesco

Quando o sol estava insuportável paramos num restaurante para comer e bater papo. Pronto para descansar, o Mohamed me convidou para voltar para o hotel. Ele ligava para amigos que iriam fugir do calor no seu quarto com ar condicionado. Beberam cerveja e fumaram, enquanto cantavam ao som de violão e batuques, musicas de “Azawad” (liberdade). Acompanhei um pouco para não fazer desfeita, mas depois parti sozinho para explorar mais a cidade antiga.

Cidade velha da Agadez

Cidade velha da Agadez

Futebol em um final de tarde na cidade velha de Agadez

Futebol em um final de tarde na cidade velha de Agadez

Mercados Agadez

Mercados Agadez

Alguns vendedores insistiam para eu entrar em suas lojas. Belos artesanatos e a famosa “Cruz de Agadez” eram os primeiros itens a serem oferecidos. Um grupo de mulheres entravam cantando em frente ao Palácio do Sultão. Parecia que teria uma grande festa. O Sultão de Agadez é uma figura importante, como que um governo paralelo. Mostra um pouco da importância que a cidade já exerceu (1449 já era um sultanato), quando estava numa das principais rotas de conexão entre a África e a Europa. Rivalizava com Timbuktu, e sua imponência ainda pode ser observada na arquitetura entre as ruas empoeiradas.

Palácio do Sultão de Agadez

Palácio do Sultão de Agadez

Quando o Mohamed não estava com seus amigos ou com prostitutas nigerianas, ele saia para dar umas voltas comigo. Me levou para diversos lugares de moto, sempre sem me cobrar nada (também me deu presentes antes de ir embora). Parecia orgulhoso de mostrar a região, alem de me mostrar para seus amigos. Eu não deixava de ser um troféu, sei lá porque. Fomos no mercado de animais, uma das paradas indispensáveis para quem esta vindo ou voltando para o deserto. Tuaregues negociavam cabras e mantimentos. Cordas e camelos eram vendidos na parte sul do terreno, no meio de muito lixo e poças de água.

Com meu amigo Mohamed

Com meu amigo Mohamed

Mercado de animais de Agades

Mercado de animais de Agadez

Mercado

Mercado

Um jovem dromedário lutava com seus donos para não ser carregado, mas não teve jeito, torceram seu rabo, seguraram sua mandíbula e patas e derrubaram. Nos arredores era fácil de ver dromedários sendo puxados por tuaregues com vestimentas tipicas e espadas. Uma verdadeira viagem no tempo!

Tuaregue

Tuaregue com sua espada

Dromedarios

Dromedários

Tuaregue

Roupa da moda!

Se preparando para o deserto

Se preparando para o deserto

A curta temporada de chuva tinha sido mais forte que o esperado. Tijolos de barro que estavam prontos para serem utilizados pareciam estar derretidos. Nos subúrbios, algumas vezes pude observar caminhonetes lotadas. Eram os traficantes de pessoas que levariam diversos sonhadores para a Líbia, para quem sabe chegar até a Europa. Meus amigos da noite em Niamey provavelmente estavam entre eles. Era final de Julho e e nem sabia que a crise da imigração na Europa estaria para se agravar. A histórica rota comercial transaariana estava mais viva do que nunca, mas agora o comercio mais lucrativo era de pessoas. Enganasse quem pensa que não existem estrangeiros em Agadez. Não tem mochileiros ou turistas, mas existem representantes de todos os povos da África sub-saariana, prontos para encarar uma longa viagem pelo Saara. Não são os amantes de off-road que um dia se deliciavam por estas terras. São pessoas que acham que passar por bandidos, guerrilhas e Al-Qaeda são problemas pequenos da vida quando comparado ao seu dia a dia. Ficar sem comer também não é novidade para ninguém por ali.

Tijolos de barro, "derretidos" pela chuva

Tijolos de barro, “derretidos” pela chuva

Viagens longas são reflexivas e demorou um pouco para digerir tudo que eu havia visto e vivido. A raiva do mundo se transformava em esperança quando eu fui adotado por um grupo de tuaregues que me entupiram de comida e de perguntas durante a longa viagem de volta para Niamey. Foi só eu elogiar (por educação) uma barra gordurosa de queijo de cabra que quase fui obrigado a comer um quilo dela. Pouquíssimos postos de controle na volta, mas nem por isto a viagem foi mais curta. Passando perto da fronteira da Nigéria, eu sabia que meu próximo destino estava por ali. Mas não podia arriscar descer na escuridão num vilarejo onde sabidamente não existiam hotéis. Fui até Niamey, onde dormi novamente da estação de ônibus. Exausto não me enturmei muito,  cobri a cabeça para ter um tempo só para mim. Queria dormir, mas o queijo de cabra fez efeito, justamente na rodoviária! Temia pela sequencia da viagem, mas nada que não fosse controlado.

Meu plano era pouco antes do amanhecer pegar um táxi coletivo até a estação dos microonibus que vão para o sul. Acabei descobrindo que poderia pegar um o ônibus de longa distancia que passaria por Kouré, caso estivesse sobrando lugar. Dei sorte e embarquei, ainda de madrugada, no único lugar disponível!

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O motorista teve que me acordar para eu descer na beira da estrada. Nenhum sinal de vilarejo, apenas duas barracas de madeira onde vendem comida, e um posto de contole da polícia. Tomei um café e fui tentando entender o lugar. Kouré é o nome da região, tem um ou outro vilarejo ali perto e sua fama vem das girafas que vivem soltas por ali. Alguns dos ultimos rebanhos de girafas selvagens do Oeste da Africa. O sol ainda não havia nascido e eu já tinha encontrado algumas pessoas que poderiam me ajudar. Paguei uma pequena taxa num centro de informações e fui procurar os bichinhos. Você pode ir de carro, de moto ou a pé, depende um pouco da sorte para encontrar. Mas a primeira família não estava longe, e pude ficar o tempo que quis caminhando entre elas. No inicio você se empolga, quer filmar, tirar fotos, mas a parte mais legal é quando você relaxa, apenas curte. Caminhar atrás delas e se surpreende quando são elas que te seguem!! Ficar no meio das girafas até enjoar é uma atividade privilegiada. Olhar elas se alimentando, cuidando uma da outra e até galopando com estilo deixa qualquer um satisfeito.

Girafas de Kouré

Girafas de Kouré. Eram 50 na década de 80, mas já chegam a 170 hoje.

Girafa

Girafa

Filhote

Filhote

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Dei uma olhada nas vilas da região e fui tentar pegar carona para a fronteira com o Benim. Carona na África normalmente significa pagar por um lugar em um transporte. Todos os carros que passavam estava completamente lotados. A fronteira do Benim e Nigéria não estavam tão longe, e quem ia para lá tentava dividir os custos ou ganhar um dinheiro extra. O jeito foi ter paciência e quebrar a viagem em entapas. Primeiro um transporte até Dosso, relativamente próximo dali . Até que não foi tão ruim, tendo em vista que a pequena cidade já foi de importância histórica (grande reinado) e possui um Chefe Tradicional com seu próprio palácio (Djermakoye).

Cicatrizes, a identidade da cada povo

Cicatrizes, a identidade da cada povo

Dali para frente foi numa van lotada, com mulheres com roupas coloridas e cicatrizes no rosto. Homens com seus chapéus tradicionais, carregando galinhas em sacolas e bodes amarrados no bagageiro. Paisagens bucólicas deixavam para trás este país que foi a grande surpresa desta viagem pelo Oeste da Africa. Uma moto por mais alguns quilômetros até a fronteira com o Benim, e o que não foi surpresa foi o tratamento da imigração na saída do Niger. O senhor com cara sofrida me perguntou onde eu gostaria que ele carimbasse no passaporte. Apontei com o dedo um espaço livre para não usar uma pagina nova. Agradeci a hospitalidade, contei como havia me surpreendido com o país. Ganhei um sorriso, um abraço e segui viagem.

Burkina Faso – Terra de Homens Honrados

No final do seculo 19 os franceses conquistaram a região onde estava o império Mossi. Chamaram de Alto Volta, uma referencia à parte superior ao Rio Volta (nomeado Volta pelos portugueses que utilizavam o rio para voltar das suas incursões ao interior). Sob administração francesa, o território do Alto Volta foi dividido e anexado diversas vezes com outras colonias da Africa Ocidental Francesa. A administração sempre foi comandada em seus vizinhos, seja Costa do Marfim, Sudão Frances (Mali) ou Niger. Após a segunda guerra, os milhares de africanos que ajudaram os europeus a derrotar o nazismo (muitas vezes na linha de frente), almejavam a prometida independência. Ela só aconteceu na década de 60. Infelizmente o sonho de liberdade não melhorou a situação do país, que adquiria dividas, estava mergulhado na pobreza e governantes tiranos se revezavam entre um golpe de estado e outro.

A história parecia mudar quando surgiu um jovem revolucionário, Thomas Sankara. Um dos maiores lideres africanos que já existiu. Um grande idealista, que iniciou uma serie de reformas e também mudou o nome colonial de Alto Volta para “Burkina Faso”, que significa significa “Terra de Homens honrados” nas línguas Mole e Dioula. As poucas famílias privilegiadas e até mesmo a França, que lucrava com o sistema instaurado desde a colônia não gostaram das novas ideias e das mudanças. Sankara foi assassinado em outubro de 1987. Ele costumava dizer que “Se pode matar um revolucionário, mas não se pode matar ideias”. Vinte e sete anos depois da sua morte, uma onda de protestos tomou Burkina Faso, e derrubou o Ditador Compaoré, que estava no poder desde o assassinato de Sankara. Muitos analistas acharam que poderia surgir uma “Primavera africana”, pois muitos jovens saíram às ruas para protestar contra ditadores e tiranos. Em muitos países foram reprimidos brutalmente, mas em Burkina Faso, com cartazes de “Estou aqui”(Referencia ao Thomas Sankara) conseguiram uma nova eleição, programada para Outubro de 2015. Com a instabilidade politica, os turistas (que normalmente não são poucos) acharam melhor esperar o resultado das eleições, e eu pude desfrutar este belo país só para mim.

Na pequena e empoeirada fronteira de Hamale, fui recepcionado por oficiais da imigração muito simpáticos, “Bon arrive! Ça va bien?”, frases que escutei em todos os controles de passaporte junto com “Benvindo à Burkina Faso”. Eu estava entrando nos países francofônicos da minha viagem, e a comunicação passava a ser um pouco mais lenta agora. Apareceu um cara oferecendo para fazer cambio. Nos meus cálculos rápidos a taxa oferecida era próxima da metade da oficial. Fui enrolando, conversando e olhando se encontrava outro lugar, mas não pareciam ter muitas opções para trocar dinheiro. Fui fazendo amizade, criando laços. Não tinha muitos Cedi (Moeda de Ghana) para trocar, mas fiz minha proposta. Dava um deságio de uns 8% da taxa oficial. Falei que sabia que ele precisava ganhar algum dinheiro, mas que eu não poderia ser explorado… Ele aceitou e me ajudou a encontrar transporte para seguir viagem. Novamente não tinham varias opções, somente um furgão que carregava mercadorias. Não aceitei de cara, sondei o preço com outros dos passageiros antes de comprar meu bilhete. O motorista dizia que só ia terminar de carregar e já sairia, mas eu sabia que não seria bem assim, por outro lado não tinha outra alternativa. Aguardamos por mais de uma hora. Ainda não era nem a metade da manhã, mas os transportes saem cedo por ali. Desta fronteira eu tinha duas opções, seguir para Ouagadougou (a capital) ou Bobo-Dioulasso (segunda maior cidade). Fui para Bobo, primeiro numa pequena estrada (com alguns controles de passaporte) e depois pela principal estrada do país, uma pista simples, sem acostamento, que corta Burkina Faso de leste a oeste.

Aguardando o transporte

Aguardando mais passageiros

Bobo-Dioulasso, chamada carinhosamente de Bobo, é uma cidade histórica, muito agradável e com algumas atrações bem interessantes. Fui chegando meio sem planos, e da parada do furgão pedi para o mototáxi me deixar na mesquita antiga, bem no centro da cidade. Com a cidade velha ao lado, e a mesquita a frente, esqueci das longas horas de viagem e fui correndo achar um hotel próximo. Não precisei caminhar duas quadras para achar um hotel simples, num preço razoável. A moeda em Burkina Faso é o CFA (Comunidade Financeira da Africa), aceita em nove países. É uma moeda “Forte” pois seu cambio flutua com o Euro (inclusive a França garante o CFA), mas o cambio é de 656 CFA para 1 Eur. Quando se busca qualidade, vai pagar o mesmo ou mais caro que na Europa, mas se viver como locais, pode conseguir verdadeiras pechinchas, principalmente quanto à alimentação.

Mesquita Velha

Mesquita Velha

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Perambulando pela parte histórica da cidade, fui cercado por guias oferecendo seus serviços. Com a queda do turismo, muitos ficaram ociosos. Para entender melhor, solicitei se alguém falava inglês. Com uma rápida ligação, chegou um nigeriano que me acompanhou pelos pontos de maior interesse. A cidade antiga, as tradições, história e todo o dia a dia naquelas casas de barro me encantaram. A Mesquita velha, com arquitetura sudanesa- parece um porco espinho- vai mudando de acordo com a intensidade da luz. Entrei, bati papo com o pessoal, subi no terraço, fiquei amigo do guardador de sapatos e até dei um livro meu de presente para ele. O grande mercado, assim como a estação ferroviária, apesar de construções novas, também tem arquitetura sudanesa, o que da um charme para a cidade. Uma cidade acolhedora, até mesmo os guias (que são chatos) batem papo depois de saber que você já contratou um guia para conhecer a parte histórica- e portanto não vai contrata-los. A boa localização do hotel foi essencial para explorar a cidade, perambular sem destino, de dia e de noite, sempre me sentindo muito seguro.

Cervejaria artezanal

Cervejaria artezanal

Casa mais antiga

Casa mais antiga, seculo XI

Ruas da cidade velha

Ruas da cidade velha

Portão do mercado central

Portão do mercado central

Me deliciei ao ver taturanas serem fritas no óleo. Filas de pessoas se formavam para garantir a sua porção. Eu pedi um sanduíche, mas depois de aprovado, solicitei uma porção extra para ficar petiscando enquanto via a vida passar.

O restaurante

O restaurante

O prato

O prato

Matando a fome!

Matando a fome!

Alem das vans superlotadas e dos furgões, existem ônibus de linha entre as principais cidades. Custam um pouco mais caro (ainda assim baratos), mas saem em horários marcados e são bem confortáveis. Fui de ônibus até Banfora, já perto da fronteira de Costa do Marfim e Mali. Um ótimo lugar para passar uns dias, cheio de atividades nos arredores. Tem tudo para ser um ponto de encontro de mochileiros que viajam pela região. Alias, encontrei um casal franco-mexicano viajando com sua filha de 3 anos, o que pode dar esperanças a todos os pais que gostaram da descrição de Burkina-Faso. Da para viajar com filho pequeno para lá sim!

O hotel que eu peguei era um pouco decadente e de higiene duvidosa, não foi das melhores escolhas. Fiquei um pouco irritado com a hospedagem pela primeira vez. Por sorte o quarto era somente para dormir, devido a tantas atividades na natureza. Você pode alugar uma scooter para explorar a região. Como quase todas estavam caindo aos pedaços, e eu estava sozinho, resolvi pagar o equivalente 2 euros a mais para alguém me acompanhar em cada passeio. Alem da segurança caso a moto quebrasse no meio do nada ( alguns lugares fica a 50 km de distancia) eu teria alguém para conversar.

Toda a paisagem rural da região é incrível, com suas casas tradicionais por todos os lados. Uma das poucas partes verdes de Burkina Faso, já que ao norte está o Sahel, sertão que beira o Saara.

Uma das poucas regiões verdes do país

Uma das poucas regiões verdes do país

Casas Tradicionais

Casas Tradicionais

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Meu primeiro destino foram os Les Pics de Sindou, formações rochosas com mais de 50 metros de altura e 3 km de comprimento, esculpidas pela erosão. Caminhar no meio dos paredões e depois escalar para curtir a vista foi incrível! Nestas alturas meu guia já tinha virado meu grande amigo e não queria nem cobrar para os outros passeios que eu queria fazer.

Pics de Sindou

Les Pics de Sindou

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Perto da bela vila de Tengréla, tem o lago de Tengréla, gostoso para relaxar e ver uns hipopótamos. Mas não se pode entrar na água, pois alem dos hipopótamos, dizem ter esquistosomose. Para se refrescar, o bom mesmo é ir na Chutes de Karfiguela. Novas vilas e curta caminhada até as pequenas quedas de água. Mesmo estando no inicio da temporada de chuvas, o volume de água estava muito baixo. Se não estavam tão bonitas devido a falta de água, estavam muito relaxantes!! Não muito longe das quedas d’água, atravessando grandes plantações de cana de açúcar, estão os Domes de Febedougou. Outras formações rochosas que se destacam no horizonte plano de Burkina Faso. Se em Sindou o melhor é andar entre as rochas, em Febedougou o mais legal é caminhar no topo curtindo o visual das arvores no meio das rochas. Fenomenal!

Domes de Febedougou!

Domes de Febedougou!

Caminhada no final da tarde

Caminhada no final da tarde

Cachoeira de Karfiguela

Cachoeira de Karfiguela

Banfora em si não é tão legal. Por estar próxima da fronteira é uma cidade de passagem, apesar de pequena, movimentada, com mercados improvisados. Vende-se de tudo, cabos velhos de computador, calculadoras estragadas, lampadas e roupas usadas. Ao contrario de Ghana, a mendigancia é comum em Burkina Faso, e crianças passeiam com pequenas latas para ganhar alguns trocados. Um restaurante chamado Mac Donalds é um dos melhores da cidade. Não é dos mais baratos, mas muito melhor que os da cadeia americana.

Mc Burkina

Mc Donald Burkina

De Banfora eu tinha que ir para o país Gorunsi, no sul de Burkina Faso, ao longo da principal fronteira com Ghana. Parecia que eu simplesmente poderia trafegar por estradas secundarias rumo ao leste, mas não existia transporte publico para lá. Mesmo com transporte próprio poderia levar dias, devido as condições das estradas. Não tive outra alternativa a não ser pegar a principal estrada do país (construída pelos americanos) e passar novamente por Bobo, seguir viagem até Ouagadougou onde faria nova conexão, desta vez até Pô.

Quando viajava com microonibus os controles de passaporte eram frequentes, já com ônibus eles nunca aconteceram. Pô é a porta de saída para Ghana, uma cidade importante na história recente de Burkina Faso, já que a revolução do país iniciou ali, assim como o golpe de estado que matou Thomas Sankara. De noite eu não me prorroguei muito no churrasquinho de bode e na cerveja para acordar cedo. Eu pretendia pegar o transporte publico até Tiébélé, que fica uns 30 e poucos quilômetros dali. Como sempre o transporte sai cedo, então lá estava eu preparado antes do sol nascer. Achei uma van que diziam que iria para lá, mas não tinha nenhum outro passageiro. Tentei pegar carona, mas o pessoal ia somente até as vilas nos arredores de Pô. Tomando um café e conversando com um mecânico que arrumava seu caminhão ao lado da barraquinha onde eu estava, ele ficou sabendo dos meus planos e conseguiu uma moto para me levar lá. Menos da metade do preço que me ofereceram na noite anterior. Aceitei e seguimos por paisagens rurais muito bonitas, arvores baobás cheias de folhas, muitas delas alinhadas ao longo da estrada.

Baobas ao longo da estrada

Baobas ao longo da estrada

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Em muitas vilas pude observar reuniões que agrupavam um grande numero de pessoas. Fiquei sabendo que estavam discutindo sobre as eleições que aconteciam dentro de alguns meses. Paisagem rural, mulheres com seus potes na cabeça, carroças e pessoas carpindo. O trajeto acabou demorando mais que eu imaginava, devido a condição da estrada, mas foi muito agradável. Chegando em Tiébélé fui direto na casa do Chefe do povo Gorunsi. Parece um condomínio, um aglomerado de casas de barro interligadas e com um muro ao redor. A arquitetura das casas é bem diferente das casas tradicionais que eu tinha visto em outras regiões de Burkina Faso, mas o que chamava mais a atenção eram as pinturas. Todo o muro era pintado, assim como as casas. Todas as pinturas tem um significado, contam lendas e costumes, alem de expressar a arte do povo. Neste aglomerado de casas moram mais de 130 pessoas, alem de diversos animais. Eles estavam trabalhando nas plantações, portanto o lugar estava calmo. Incrível aprender sobre o povo, e a funcionalidade das casas. Pude aprender um pouco sobre como funciona a segurança do lugar alem de algumas crenças e lendas. Belas pinturas e casas de barro precisam ser reconstruídas depois de algumas temporadas de chuvas. Claro que da trabalho, mas isto não deixa a técnica e a tradição morrer. No caminho procurava parar em pequenas vilas só para sentir como que eram. Podia ser para pedir informação ou para comer bolinhos fritos, uma espécie de sonho sem recheio.Sempre fui muito bem recepcionado.

Casa do chefe Gorunsi

Casa do chefe Gorunsi

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Já de volta a Pô, caminhando aleatoriamente eu encontrei uma igreja que estava lotada por ser domingo. Na saída todo aquele colorido e uma feira se formou de forma espontânea. Perdi um bom tempo alí só observando as pessoas, experimentando comidas e frutas até o horário do meu ônibus de volta para Ouaga (Todos chamam a capital,Ouagadougou, assim).

Mercado Pô

Mercado Pô

Saíporaí!

Saíporaí!

É uma viagem relativamente curta, poucas horas de viagem por uma estrada ok. Uma cidade toda espalhada, plana, com pouquíssimas construções com mais de 2 andares. Se é difícil imaginar que ali foi a capital do Império Mossi, mais incrível é que até hoje reis Mossi (uma das etnias do mosaico que é Burkina Faso) ainda tem autoridade e respeito de muitos. A cidade é uma grande vila, bem diferente de outras metrópoles africanas que conheci. Não encontrei jovens americanizados, de boné e camisetas de cantores de rap, tão comuns em cidades grandes do Leste da África. São poucas atrações, talvez a Catedral, toda feita de barro, a Mesquita principal e o discreto tumulo de Sankara. Sempre vale a pena passar pelo mercado central, movimentadíssimo. Até mesmo fora do Palácio Mogho Naba não se pode tirar fotos. Curti a cidade, fiz caminhadas, aproveitei os cafés e confeitarias (uma boa herança francesa) mas minha passagem por Ouaga tinha um propósito: Tirar o visto Entente. Este visto da direito a entrada em diversos países do Oeste da África e era imprescindível para eu seguir viagem. Chegando no escritório da imigração, para desespero meu escutei um “Não é possível”. Me desesperei internamente mas não perdi a postura. Tentei entender oque estava acontecendo. Seria a tentativa de corrupção? Tinha verificado as informações sobre os vistos com outros viajantes pela internet e parecia ok, se bem que não eram informações tão atuais. Para resumir a história, para me concederem um visto entente tive que tirar um novo visto de Burkina Faso, desta vez com múltiplas entradas e com 3 meses de validade. Um gasto que não estava previsto, uns 90 USD, de qualquer forma ainda mais barato ( e mais rápido) que se eu fosse tirar os 3 vistos que faltavam para completar a minha viagem (Mesmo com os 25000CFA do Entente).

A cultura dos cafés franceses pode se observada nas confeitarias espalhadas pela cidade

A cultura dos cafés franceses pode se observada nas confeitarias espalhadas pela cidade

O visto demoraria 3 dias para ficar pronto. Pedi um documento oficial, carimbado, comprovando que meu passaporte estava lá, e segui para o norte do país, Shahel a dentro. Sahel em árabe significa “Bordadura”, “Limite”, que nada mais é que o entorno do Deserto do Saara. Alias, para quem não sabe, Sahara em Arabe significa deserto.

Toda esta região do norte de Burkina Faso é muito interessante. Durante décadas cidades como Gorom-Gorom estiveram na rota turística dos viajantes do país. Hoje devido a problemas no Mali, pouco mais ao norte, a região não é recomendada pelos governos ocidentais. Para minha sorte, a pequena cidade de Bani, pouco antes de Dori, ainda esta em área segura. Quando eu programava a viagem pelo Oeste da África, o Eder do blog Quatro Cantos do Mundo se animou em viajar junto comigo (infelizmente acabou cancelando). Ele me deu a dica deste local que até então eu não tinha lido. Uma pequena vila, com casas de barro, carroças puxadas por burricos e mulheres com tecido colorido. Se só isto já tornaria o lugar interessante, ainda tem sete mesquitas que junto com a montanha, formam um homem rezando. As etnias mudam rapidamente quando se viaja pelo país, mas grande parte deles falam francês ou Jula, uma linha comercial que se desenvolveu nesta parte do Oeste da Africa.

Apesar de não ser tão longe, não foi tão simples assim chegar em Bani. Poucos ônibus, uma estrada lenta e tivemos alguns problemas. Dois pneus estouraram e passamos por uma tempestade na qual o motorista não conseguia enxergar nada. Primeiro tempestade de areia e depois muita água.

Imprevistos sempre acontecem!

Imprevistos sempre acontecem!

Apesar de estar viajando durante a temporada de chuva, foi o único dia que choveu durante o dia. Tiveram outros poucos dias em Ouaga que dava uma pancada no final de tarde, mas coisa rápida. Em Bani é possível alugar pequenas casas tradicionais, super simples, mas por bons preços, cerca de 3 Eur.

"Hotel" em Bani

“Hotel” em Bani

É um lugar muito especial. Pelas ruelas passam pastores com suas cabras, mulheres separam grãos utilizando o vento, e crianças brincam com rodas de bicicleta ou jogando bola. Em cima da colina as antigas mesquitas, muitas delas em péssimo estado de conservação. Mais embaixo a grande Mesquita, onde ocorrem as orações de sexta-feira. Imponente, toda de barro, com um grande minarete e arquitetura tipica. Fachada toda decorada, um espetáculo! Dentro os tapetes são feitos de peles de animais.

Mesquita toda de barro

Mesquita toda de barro

Fachada da mesquita principal

Fachada da mesquita principal

Mulher separando os grãos

Mulher separando os grãos

Ruas de Bani

Ruas de Bani

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Uma pena que as crianças em geral ficam pedindo presentes, resultado de turistas irresponsáveis que querem muito mais aliviar a sua consciência do que realmente ajudar.

Para voltar para Ouaga basta sinalizar um dos ônibus na beira da estrada. Os de longa distancia, que vem do Mali, normalmente estão lotados, mas não foi tão demorado para um parar.

Em Ouaga, depois de pegar o Visto Entente, deu para dar mais uma circulada. Fui conhecer a parte “Moderna”da cidade, resultado do projeto Zaca. Ainda na década de 80 iniciaram a construção de prédios comerciais de 3 andares na Avenida Kwame Nkrumah, onde seria o centro comercial. Bancos, hotéis e lojas ficariam ali, para dar uma boa impressão a quem chegasse do aeroporto, que fica logo ao lado. Pouco foi concluído. É diferente do restante da cidade, que basicamente tem um ou dois andares, mas não apresenta nada de mais.

Região comercial de Ouaga

Região comercial de Ouaga, parte rica da cidade

Ruas esburacadas e cidade espalhada

Ruas esburacadas e cidade espalhada

 

As fortes chuvas do final de tarde alagavam as ruas esburacadas, mas no dia seguinte já estava tudo seco. Meu hotel tinha um jardim no patio interno, onde seria agradável descansar se não fosse a quantidade de mosquitos e o alto preço das comidas e cerveja. Era um hotel econômico, um bom preço para uma capital (12 Eur para duas pessoas), mas se eu andasse uma quadra conseguia uma refeição por oito vezes o valor do hotel! Tirando a refeição que fiz no Mc Donalds de Banfora, acho que não gastei mais que 2 Eur em nenhuma refeição em Burkina Faso ( Normalmente 1 ou 1,5 mas cheguei a pagar 0,5 Eur num prato de comida). E não eram refeições ruins não. Senhoras com seus panelões servindo comida fresca em barraquinhas improvisadas. Peixe, frango e bode eram oferecidos com diversos acompanhamentos. Outra coisa barata é a água. Água mineral em garrafa é cara, mas eles vendem saquinhos lacrados de 500 ml que custa menos de 4 centavos de Euro! Com a vantagem de sempre estar gelada (ou perto disto). A desvantagem é a questão ecológica, já que provavelmente os saquinhos vão acabar parando no meio da rua. De sobremesa sempre comprava deliciosas mangas (grandes e doces!), que custavam 100 CFA (0,15 EUR). O pessoal adorava ver eu me misturando com eles nas horas das refeições, e sempre era um bom motivo para puxarem papo.

Adorei o país, e foi com tristeza que peguei um ônibus ainda de madrugada, que iria para Fada-Ngourma e de lá seguiria para a fronteira com o Niger. A estrada foi piorando cada vez mais. Eram poucos veículos, mas sempre superlotados. Dezenas de pessoas nas caçambas de caminhão, alem de motos , caixas e animais que pareciam ser difícil de se equilibrarem nas pilhas no topo dos furgões.

Controle de passaporte na saída de Burkina Faso, e as vilas que já estavam escassas desapareceram completamente. Era a terra de ninguém, por onde viajaríamos por vários quilômetros até a entrada de um novo país, Níger!