KARAKORAM HIGHWAY (KKH)

Karakoram Highway e um daqueles lugares que merecem ser escritos com letras maiúsculas  São 1200 km, ligando Kashgar ate quase Islamabad. O inicio da construção da estrada começou no final dos anos 60, mas a estrada só ficou pronta 20 anos depois. Pronta? Na verdade ela nunca vai ficar completamente pronta. Assim como na transamazônica  a natureza busca recuperar o território perdido, e se não fizer grandes manutenções anuais, a estrada desaparece.

A Karakoran passa entre algumas das maiores cadeias de montanha do mundo. Montanhas de 7 mil metros tem por todos os lados e com mais de 8 mil, não são raras. Foram construídas mais de uma centena de pontes, e a obra custou a vida de outras centenas de pessoas. A estrada só fica aberta pouco mais de quatro meses por ano. Devido a sua altitude, grande parte dos passes ficam totalmente cobertos de neve. No verão não existe garantia de poder viajar por ela dentro de um horário programado. Os deslizamentos de pedra são muito comuns, e numa estrada entre as montanhas e penhascos, não existe uma segunda alternativa…

KKH

Após avistarmos a primeira bandeira do Paquistão  no passe Khunjerab, a quase 5 mil metros de altitude, iniciou uma descida espetacular em zigue-zague. Nem dava para notar que tínhamos entrado na mão-inglesa, pois a estreita pista (teoricamente de duas mãos) era ocupada completamente pelo ônibus  Para fazer as curvas, não foram poucas vezes que tiveram que dar a re. Ao longo do caminho, alguns trabalhadores tentando recuperar a estrada, mas com picaretas e pás… Parecia obvio quem seria o vencedor da batalha homem x natureza. Algumas vezes tivemos que parar o ônibus para retirar pedras que rolaram no meio da pista. Para viajar por aqui, deve-se esquecer o numero de km que se vai percorrer. A contagem deve ser em horas, não em Km. Mas em plena Karakoram, eu não tinha nenhuma pressa em chegar! Passávamos por montanhas incríveis, penhascos assustadores, e por dezenas de glaciais.

Glaciais na beira da estrada

tinha uma pedra no meio do caminho…

Já estávamos enturmados no ônibus. Um senhor de Peshawar (carinhosamente apelidado por nos de Osama) me adotou, e ficamos conversando um tempão  Me convidou para ir a sua casa, deu o telefone e pediu para tirarmos fotos juntos. Numa parada na entrada de um parque nacional, aproveitamos para esticar um pouco as pernas, e o motorista para trocar o pneu furado. Chegamos na pequena, mas movimentada, Sost. Já viajávamos há muitas horas no Paquistão  mas só agora a imigração seria feita. Oficiais mega simpáticos  tiramos nossos vistos no meio de muito bate papo e declarações de “ Sejam bem vindos ao Paquistão”.

Jonny no meio da confusão de quem não pagou o 

ônibus

Eu, “osama” e amigos

A cidadezinha em si não tem nada de mais. Só a rua principal, com hotéis simples e restaurantes. Cidade de fronteira, né. Mas foi nosso primeiro contato com os caminhões do Paquistão  São todos decorados, tunados, muito estilosos!! Procuramos um hotel por ali, mas descobrimos que tinha uma parte antiga da cidade, ha poucos quilômetros da onde estávamos  Não pensamos duas vezes antes de fugir do barulho. Lugar simples, mas com uma vista sensacional!! Um casal de espanhóis nos acompanhou. Acabei nem comentando, mas no nosso ônibus tinha cerca de 10 estrangeiros. No caminho para Sost velha conhecemos um Sr. Tcheco (que era uma figura) que também foi junto com agente.

Vista de Sost velha

Quem quer viajar pela KKH tem que acordar cedo, ou se não, arcar com os custos de um transporte particular, comprando todos os lugares. Depois de uma longa viagem não acordamos cedo o suficiente, mas como não eramos poucos, conseguimos arranjar um transporte ate nosso próximo destino, Passu.

Passu e outra vila cortada pela KKH. Para chegar ate la, mais montanhas, pontes, precipícios  glaciais. Nosso hotel ficava bem de frente para montanhas pontiagudas. Queríamos sair para fazer umas caminhadas curtas pela região  mas o tempo fechou e tivemos que ficar no hotel mesmo. Restaurante bom, o pessoal comeu, e aprovou, carne de yak pela primeira vez. Eu já tinha comido no Tibet, e sabia o que esperar. Alguns paquistaneses e uma inglesa estavam no mesmo hotel, e ficamos conversando bastante, trocando informações e pegando dicas. Não sabíamos se o tempo ia melhorar, então acabamos seguindo com eles mais para leste, nos afastando da KKH. Há poucos km de Passu um posto de controle, onde tivemos que deixar todos nossos dados num livro. Rotina que foi muito comum pelo Paquistão. Trocava de município, novo registro era feito.

A estrada ate Shimshal tem só 50 km, mas demorou 18 anos para ficar pronta. Tiveram que cortar a rocha das montanhas para poder passar um jipe. Algumas horas de viagem, por curvas e precipícios de dar um frio na espinha. Alguns dos glaciais que passamos tinham mais de 60 km de comprimento! Muita poeira, e outros glaciais ficavam totalmente negros. Atravessamos pontes suspensas, rios, e chegamos na vila, que parecia um verdadeiro oásis no meio das montanhas.

estradas para Shimshal

Toda a região norte do Paquistão era completamente isolada antes da construcão da KKH. Claro que existiam caminhos antigos, onde os viajantes passavam de camelo, burro e cavalo, mas eram viagens muito longas. Era o braco da rota da seda que ligava a India. Em toda esta regiao existiam diversos reinados independentes, ate 40 anos atras. E possível verificar as diferenças ate hoje. Língua  etnia, costumes e tradição mudam de um vale para outro. Shimshal e toda de pedra. Os muros para proteger as plantações de verão dos animais estao fortes e firmes há não sei quanto tempo. E uma viagem no tempo. O povo e Gojal, muito simpóticos, descendentes de Tajiks.

Gojal faces

Ficamos numa casa tradicional de um Sr muito gente boa. Nesta região eles são muçulmanos ismailis (uma ramificação dos Shiitas), e não jejuam no Ramadan. Pedimos logo um prato tipico. Veio uma gororoba que não foi muito bem aceita. O tiozinho ficou meio assim com quem não comeu, e virou meu melhor amigo depois de eu limpar três pratos. Depois, nas outras refeições fui sempre o primeiro a ser servido.

Caminhamos pela vila, subimos em pequenas montanhas entre o bem feito processo de irrigação  para ter uma vista melhor do lugar. Fantástico  A noite caiu, e num lugar sem energia elétrica não preciso nem descrever como estava o céu, né?!

Shimshal

Muita conversa, mais informações  historia, comida (as próximas foram apreciadas por todos), caminhadas e estávamos madrugando para pegar o transporte de volta para Sost. O jipe de comunidade sai lotado, e nos enfiaram no meio. Horas chacoalhando, esmagados, com descida somente para atravessar rios gelados, quase arrebentaram com os joelhos dos Sopranas.

Ventava muito em Sost, e cancelamos a caminhada entre os dois grandes glaciais da região  Mas como eles não eram longe, são na beira da estrada, almoçamos na frente de um deles. Depois nos dividimos, Jonny e Bibi voltaram para o hotel, e eu e o Marco decidimos enfrentar o tempo ruim, e caminhar ate a ponte suspensa. Não e muito longe, mas o vento era forte, e a probabilidade de chover grande. Contornamos montanhas, por caminhos bem estreitos, quase sempre ao lado do rio (muitos metros acima, e claro). Já nos questionávamos se estávamos no caminho certo quando vimos alguma coisa. Parecia só uma corda indo de um lado ao outro do rio, mas alguém atravessava, com comida para os animais nas costas, então tínhamos certeza que estávamos perto.

Passu

A ponte foi carinhosamente apelidada de “ponte do Indiana Jones”. Existia um espaçamento bem considerável entre uma tabua e outra, e balançava muuuito. Ficamos nos divertindo um bom tempo, atravessando de um lado ao outro, parados no meio sem as mãos, tirando fotos, ate que a chuva veio. Chuva fina, quase não atrapalhou. Voltamos tranquilos, vendo as montanhas por outro ângulo, descobrindo novos glaciais. Fizemos uma parada na vila para pegar informação sobre o transporte e tivemos noticia sobre uma greve. Há dois anos houve um grande deslizamento, praticamente uma montanha desabou bloqueando o rio, e formando um grande lago, interrompendo a KKH. O governo não tem tomado atitudes sobre o caso. Muitas pessoas perderam suas casas, e milhares ficaram isoladas. Houve um protesto violento (ok, não tanto quanto o de Londres), mas queimaram um ou outro prédio publico e duas pessoas morreram. Depois do episodio a policia fugiu e os barcos pararam de funcionar no lago, unica ligação até o outro lado da KKH.

Fizemos diversas “ reuniões”, e decidimos que deveríamos atravessar o lago assim que pudéssemos  mesmo que para isto tivéssemos que pular o Lago Borit e a vila de Gulmit. Não poderíamos correr o risco de ficar isolados em Passu, mas também não poderíamos seguir caso os protestos continuassem. Era esperar para ver.

Ao acordar deixamos as mochilas prontas, e ficamos só esperando a informação chegar. Estávamos na beira da estrada, então seria fácil de ver o movimento caso estivesse liberado. Recebemos informação de que liberou, depois outra dizendo que não. Mudamos os planos umas cinco vezes, ate que um carro veio do sentido contrario. Tinham acabado de passar, e confirmaram que os protestos acabaram. Era a informação que precisávamos  de alguém que esteve por la. Os transportes passavam lotados, e quando digo lotados, ‘e com algumas pessoas no teto. Encontramos um amigo nosso que nos levou ate o barco por um preço local.

La chegando tinha uma família que estava fretando um barco,  fomos juntos navegando entre as montanhas. Pena que o tempo estava fechado. Dava para ver que a agua era transparente, e se tivesse sol estaria tudo azul. Um Sr. foi apontando onde estavam as vilas, hoje submersas, e listando o numero de casas e vidas que foram perdidas. Muito triste, e fácil de entender os protestos pelo descaso do governo.

parte onda a KKH foi interrompida pelo lago

Depois de um bom tempo, chegamos a terra firme, no exato lugar onde o rio foi bloqueado. Pegamos um jipe, que mesmo com 4×4 parecia não vencer as ladeiras de barro na beira dos precipícios  Preciso descrever como era a estrada a partir dali? Logo chegamos no Vale Hunza. Não ficamos na beira da estrada desta vez, mas bem para cima, com uma super vista, em Karimabab.

Xinjiang nao e China!

Kashgaria sempre fez parte da Asia Central. Seu povo e língua são parentes dos seus vizinhos, não tendo nenhuma ligação com a China. Ha uns 60 anos atras a região foi anexada pelos chineses, mais ou menos na mesma época que a China invadiu o Tibet. Mais recentemente o governo passou a criar incentivos para que os chineses se mudassem para la e abrissem negócios (o mesmo que foi feito com o Tibet), visando assim acabar com a identidade do povo de Kashgar, os Uygurs. Urunqui, a capital da região  teve toda sua cidade velha destruida. Dezenas de mesquitas foram demolidas, mas os Uygures nao aceitaram esta invasão tao facilmente. Enquanto os chineses queriam seu vasto território desértico, mas cheio de petróleo  eles só queriam sua identidade, e vida tranquila que sempre tiveram.

Chegando na imigração chinesa novamente problemas com meu passaporte velho (sem chipe e foto 5×7 tosca), e para terminar, queriam olhar minhas fotos na maquina e por fim abriram meu computador. Ainda não sei se acharam que eu era jornalista ou terrorista. Ao sair da fronteira, negociamos um carro que levava trocentos galoes e mercadorias. Ao comprar agua agradeci em mandarim, para a revolta (com toda a razão !) do dono do estabelecimento. Eu sabia da questão dos Uygurs x Chineses, mas como arrisquei uns comprimentos em mandarim na imigração  acabei me confundindo. A estrada, para nossa surpresa, nao era nem um pouco boa. Para ajudar o nosso motorista começou a dar aquelas pescadas. Tentei puxar papo para ele não dormir, mas ele ano aguentou, encostou a caminhonete e deitou na direção  Eu me ofereci para dirigir e ele aceitou na hora, indo para o banco traseiro roncar. Dirigi não mais de uma hora e o pneu furou. Depois de trocarmos o pneu, o motorista voltou para o comando. A estrada era longa, e apesar de bonita, nem se comparava com a etapa final do Quirguistão  Os últimos quilômetros foram beem cansativos, e depois de algumas paradas, chegamos a uma autopista, e logo a ex- pequena cidade Kashgar.

Todos ficaram muito contentes com o hotel, que era bom, barato e super bem localizado. Outra coisa que foi suuper bem vinda foi a comida!! Nossa, que delicia. Estávamos precisando mudar o cardápio depois da Asia Central!! O pessoal só levou um baita susto com a pimenta, que achávamos que era tomate ao ver o prato.

Estávamos a uma quadra da cidade velha e na nossa primeira caminhada, aquela boa surpresa, lojas de antiguidade, temperos, frutas, alem de cobras e lagartos secos para vender dando todo um clima. Os uygurs super simpáticos  puxavam papo e logo chegamos na praça onde tem a antiga mesquita Kha. Logo percebemos uma movimentação de exercito e tropa de choque, que nos assustou um pouco. Depois entendemos a situação, e ate nos acostumamos com as tropas e carros camuflados.

Mesquita Kha

algumas coisas estranhas

acho que nao viram a placa

Tínhamos alguns dias ate o final de semana, quando teria o famoso mercado de domingo e o de animais. Kashgar ‘e uma cidade comercial a muuito tempo, uma das principais da rota da seda. Aqui a rota se dividia, e seguia mais a leste para Xiang ou para o sul, sentido India. Rodamos a cidade velha varias vezes. Final de tarde ficava caótica  cheia de barraquinhas de comida. Muitas comidas boas, e outras bem diferentes. Mas tudo por uns poucos trocados. Como ‘e Ramadan, as pessoas estavam loucas para pegar comida e fazer sua refeição assim que o sol se por. Muiitas opções de comida, entre fornos fazendo pão na hora e carnes penduradas sem nenhuma refrigeração. Sweet caos!!

Ramadan

Parte da cidade velha esta caindo aos pedaços  e parte esta totalmente reconstruída (não reformada). Existem cidades em que toda a cidade velha foi colocada ao chão pelos chineses. Visitamos a parte leste da cidade velha, ainda residencial. Muitas casas tradicionais, corredores estreitos, mas se olhássemos para cima já enxergávamos ruas e prédios modernos ao lado. A forca da China esta chegando com tudo. Poucos locais tradicionais se mantem em pé, mas felizmente mantiveram alguns deles, como a bonita tumba do Abakh Hoja.

cidade velha

velho x novo

A cultura Uygur esta diminuindo cada vez mais, apesar da resistência deles. Eles se recusam a aprender Mandarim, e se rebelam como podem. A dois anos atras teve um inicio de revolução  mas que foi duramente esmagado pelos chineses. Muitas perseguições, execuções e mesquitas implodidas.

Interessante como a mídia reage a estes novos protestos que aconteceram poucos dias antes de chegarmos. A maioria das agencia de noticias colocava os Uygurs como extremistas islâmicos  treinados no Paquistão e Afeganistão  Não estou defendendo a forma que estao protestando, pois houveram mortes e queimaram estabelecimentos, mas sua causa ‘e nobre. Não e fácil conversar com um vendedor na rua e ver seus olhos se encherem de lagrimas ao falar sobre o que sua vida se transformou depois da ocupação chinesa. A China esta colonizando e fazendo as mesmas coisas que os países europeus fizeram nos últimos seculos. Os países ocidentais dizem “amem” para a China por diversos motivos. Pela potencia econômica que e, que empresta dinheiro para o pais mais rico do mundo quando este entra em crise, e para combater o Islamismo, como se este fosse inimigo do ocidente. Vendo tanto exercito, detectores de metal sendo colocados nas portas da mesquita, e áreas sendo isoladas, claro que tentamos encontrar o maior numero de informações  Da vontade de rir ao ver o que esta acontecendo e o que a mídia fala. Me surpreendi ao ver uma matéria no Brasil não tendenciosa como as outras. (Clique aqui)

Uygur observando movimentação das tropas de choque

mendigos olhando o noticiário na praca

O gigantesco mercado de domingo e um caos. Tem de tudo, mas acabamos não achando coisas que tínhamos visto durante a semana. Nos divertimos negociando, e nos arredores do mercado, numa região não tao turísticas  juntou uma pequena multidão para ver a Bibi barganhando uma camisa-vestido,davam opinião na cor, estilo, preço, estava demais.

Mulheres uygures no marcado de domingo

Pegamos um táxi ate o mercado de animais, mas acabaram nos deixando no lugar errado. Pegamos um trator de volta. Isto, um trator. Kashgar pode estar se modernizando, mas ainda e muuito comum ver pessoas andando de trator nas avenidas, de carroça e de burros. Muitas vezes na contramão  sem causar nenhuma estranheza. Chegamos no mercado de animais na metade do dia, e estava quente, muito quente. Já na entrada um caminhão saindo com Yaques (aqueles bois peludos dos Himalaias) se debatendo dentro de caminhões  Pessoas colocando ovelhas no porta malas ou amarrando na sua moto. Uns levavam no colo, outros davam chutes nos bichos. Vacas, cavalos, cabras, ovelhas, camelos, yaques, tudo num patio empoeirado, mas bota empoeirado nisto. O lugar parecia congelado no tempo. As pessoas, deitadas na sombra e sem tomar água por causa do Ramadam eram uma atração a parte. Só não imaginávamos demorar tanto para pegar um transporte dali. Ficamos um tempão buscando carona, táxi  carroça ou ate um trator. Tudo passava lotado, mas depois de muita insistência deu tudo certo.

Sopranas no taxi

mercado de animais

Tomamos nossas ultimas cervejinhas, pois sabíamos que teríamos semanas de seca pela frente. Organizamos um transporte e ja cedo pegamos estrada rumo ao sul. Não demorou muito para recebermos a noticia que não poderíamos passar de um check point sem autorização  Demos meia volta com menos de uma hora de viagem. Nova informação chegou que poderíamos passar, se falássemos que estávamos indo direto para o Paquistão  sem dormir em território chines. Comemoramos e seguimos em frente. Não demorou muito para a Karakoran Highway mostrar a sua cara. O asfalto foi terminando, apesar de muitos operários e maquinas na beira da pista, e as montanhas foram ficando cada vez mais impressionantes.

ainda com asfalto

Ao chegarmos no lago Kara Kul, já sabíamos que iriamos passar a noite la, mesmo contra a vontade das autoridades chinesas, que nestas alturas nem tinham mais controle sobre nos. Procuramos yurts ao norte do lago, e achamos uma família muito simpática  Eram Kyrgs, mesmo sua família nunca tendo tido nenhum contato com o Quirguistao. Kyrg ‘e etnia, não nacionalidade! Para nossa surpresa nosso amigo japones Koich, que conhecemos no Quirguistao, tambem estava acampando la. Camelos na beira do lago e montanhas com mais de 7 mil metros davam o clima. Yurt nada turístico  dormimos todos juntos, e acordamos cedo com nosso anfitrião rezando e comendo antes do sol nascer (lembram que e ramadan?). Aproveitamos e saímos cedo, por paisagens tao fantásticas quando no dia anterior. Chegamos em Tashkurgan, terra de Tagics e fomos direto ate a imigração  onde aguardamos o único ônibus diário por um bom tempo. Fizemos todos os procedimentos de saída do pais, embarcamos no ônibus acompanhados por soldados chineses, que viajaram com a gente por mais algumas horas, teoricamente passando por terra de ninguém  mas que esqueceram de avisar os pastores e seus yaques. Os soldados chineses desceram do ônibus e estávamos no Khunjerab pass, a quase 5 mil metros de altitude. Avistamos a primeira bandeira paquistanesa, mas ainda levaria algumas horas (e centenas de curvas) ate chegarmos na imigração do pais.

pela janela

Quirguistão ou Uzbequistão?

Os soviéticos conseguiram fazer uma bagunça nas fronteiras de seus países  Existem territórios descontínuos dentro de outros países  Verdadeiras ilhas de um pais dentro do outro. Existem regiões do Uzbequistão e Tajiquistão dentro do Quirguistão  Sem contar que no sul do Quirguistão  existe uma maioria Uzbek. Claro que isto não terminaria bem. Confrontos ocorrem com uma certa frequência  No ano passado, logo após a revolução  centenas de pessoas morreram em um destes conflitos. Nossa viagem agora era pela parte oeste do pais, seguindo para o sul. Nos mantivemos no Quirguistão, mas culturalmente parecia estarmos no Uzbequistão.

Os irmãos da Bibi chegaram cedo, vindo de Istambul  Tínhamos agilizado um taxi para buscar eles e nos encontramos no hotel. Foi aquela festa. Conversamos um pouco e dormimos, mas acordando cedo, para eles poderem entrar no horário local.

Sabíamos que a viagem iria proporcionar momentos difíceis  que eles não estão acostumados. O primeiro dia foi bem tranquilo, fazendo poucas coisas, e com comida não tao exótica  O João sentiu mais o jetlag, mas o Marco já topou umas caminhadas mais longas pela cidade. Fomos também no museu, ver uns painéis soviéticos além de muitas fotos da revolução do ano passado. Impressionante ver a cidade tao calma em chamas e sangue no ano passado.

propaganda URSS anti-USA

Tínhamos ficado amigos de umas pessoas de um cafe, e fomos la novamente para apresentar meus cunhados. Acabou tendo mais cerveja que cafe, mas a interação foi bem legal. Quando chegou a hora de pegarmos estrada, fomos num taxi mega antigo, mas reformado, ate o lugar onde saiam os taxis comunitários  Negociamos, e depois de acharmos que tínhamos nos dado bem, tivemos que esperar um tempão, nos trocaram de carro, esperamos ainda mais. Nos colocaram numa minivan, foram levar um passageiro em casa buscar as malas, e acabamos perdendo bastante tempo. Foi um alivio pegar a estrada.

Tudo ficou bem quando o visual começou a aparecer. Iniciamos por um vale, subimos, subimos, ate nem sentirmos mais o calor. Pelo contrario, tivemos ate que nos agasalhar. Passamos por tuneis, vimos intermináveis montanhas, e as horas foram passando. O problema e que a viagem era longa, e tinha chão pela frente. Paramos para comer, mas sem perder muito tempo. Outras paradas eram só para pegar água ou tirar foto.

estrada

Rodeamos um belíssimo lago azul, e depois acompanhamos um rio da mesma cor, que depois vimos ter sido represado. Depois de descer de mais um passe de 3500 mts, o clima foi ficando mais desértico  Estávamos ao lado da fronteira do Uzbequistão  onde seria uma continuação do Fergana Valley.

LagoRio

Saímos da estrada principal (que liga as três maiores cidades do pais) e fomos sentido Arslanbob, pequena vila ao lado de uma imensa floresta de nozes. Chegando la gostamos de cara. Um lugar cheio de vida, bem tradicional. Ficamos numa casa que tinha um deck com vista para a floresta, e tinha uma porção de Uzbks, de uma outra cidade do Quirguistão, hospedados la.

Tiramos um dia só para conhecer o lugar, conversar com os nossos amigos, e aproveitar a vista do deck, tomando muito chá e comendo frutas. Mais de 90% da vila e Uzbek, e dos bem tradicionais. Todos vestidos a caráter  com seus chapéus e botas, e mulheres com lenços na cabeça e vestidos. Mercado de rua, e muitas carnes penduradas mostravam que a refrigeração não era muito comum por aqui.

vista das refeições

Nesta região não utilizam muito os yurts, então resolvemos acampar. Saímos todos a cavalo, parecia uma expedição  Ainda passamos numa cachoeira de 80 mts, antes de iniciar uma forte subida. Todo o trajeto era fantástico  desde saída da cidade ate os pequenos barracos improvisados ao longo da montanha. Na hora do almoço tivemos a grata surpresa de que nosso cozinheiro sabia muito bem o que fazia. Comemos muito bem antes de descansarmos um pouco e seguirmos viagem montanha acima. Nuvens apareceram (esta ficando comum, não !) no topo da maior montanha (4500 mts), quando chegamos num jailoo. Ainda demos uma cavalgada para tentar fugir da chuva. E deu certo, tinha uma casa de pau a pique que parecia estar estrategicamente colocada para nos. Deu tempo de entrarmos para logo iniciar a tempestade. Mas do mesmo jeito que vem, vai, e logo o tempo limpou novamente. Armamos as barracas ali mesmo, pois o lugar era perfeito

tempestade

protegidos

O pessoal ficou conversando com o guia e o cozinheiro, enquanto eu brincava com umas crianças que moravam ali perto. Ainda decidi subir uma montanha ao lado, com companhia das crianças  La em cima tinha a vista da floresta de nozes de um lado, e o jailoo com a maior montanha do outro.

Aproveitamos o lugar, comemos bem, vimos ate uma briga de cavalos. Veio outra tempestade, passou, e depois de uma noite razoável de sono, estávamos levantando acampamento.

Montanha abaixo entramos na floresta de nozes. As guerras de nozes foram inevitáveis  e o Marco sofreu um pouco, pois um piazinho acabava me abastecendo de munição, enquanto ele tinha que pegar das arvores.

Almoçamos na floresta, e depois de um tempo pelas trilhas, iniciamos uma subida novamente. Passamos por vários trabalhadores rurais, muitos deles mulheres. Alias as mulheres da região constroem casas, cortam mato, cortam comida para os animais, alem de cuidar da casa é claro.

Chegamos a um lugar com uma super vista, e a guerra de nozes acabou, até porque os caminhos ficaram estreitos, e tava ficando perigoso.

Voltamos a vila, e ficamos na mesma casa. O banheiro não era nem um pouco acolhedor, mas o nosso deck compensava. Quase teve briga por um banho quente. Nos divertiamos pois pediamos uma comida e vinha outra, a comunicacao era bem complicada, mas tudo dava certo no final.

De Arselambob pegamos estrada para Jalalabad, passado por varias carroças de burricos, e um visual bem parado no tempo. Esticamos ate Osh, segunda maior cidade do Quirguistão.

Osh não tem muitas atracões  Tem um mercado super movimentado, com Kirgs, Uzbeks, Tajiks dentre outros povos. Eram incontáveis o numero de pessoas com olhos claros, sejam elas com cara de asia central ou mais orientais.

O parque da cidade, que fica ao longo do rio, e muito legal. Cheio de gente, com brinquedos antiquerrimos, casas de chá e pessoas cantando em pequenos karaokes. Uns jogavam xadrez  enquanto outros surravam o boneco “bob” para ver quem batia mais forte. Fomos algumas vezes no Cafe Califórnia  pois o pessoal tava querendo comida ocidental. Ficava bem ao lado do prédio principal da universidade.Arranjamos transporte para atravessar a fronteira com a China, e apesar do calor subimos a montanha sagrada da cidade, o Salomon Throne.

Aproveitamos o mercado para nos abastecer de frutas e comida e cedo pegamos a estrada ate Sary Tash. A viagem foi bem mais tranquila que imaginávamos  e ainda mais bonita. Paramos só numa vila no caminho, e ao avistar uma cordilheira, com belíssimas montanhas (de mais de 7 mil metros), sabíamos que tínhamos chegado. Ficamos numa casa simples, e aproveitamos para andar pelo pasto, com aquele visual incansável ao fundo. Brincamos com crianças  nos comunicamos como podíamos  Comemos bem, caminhamos um pouco mais, e sentimos cansaço por causa da altitude.

No outro dia saímos cedo, pois sabíamos que teríamos alguns desafios pela frente. Paisagens incríveis ate chegar ate o primeiro check point. Outros controles ate a imigração propriamente dita. De la não podíamos seguir de carro. Com passaportes carimbados, nos dividimos e pegamos carona em caminhões.  Não demorou muito ate surgir uma imensa fila, não tendo outra possibilidade a não ser ir a pe. Mais um controle, mais caminhada, agora com subida, ate chegar num controle chines. Não entendiam o que falávamos  nem nossa nacionalidade. Mesmo com o visto olhavam numa lista de países e finalmente apontamos Brasil. Poucas dezenas de metros depois, outro controle, agora com revista de mochilas. Tudo certo, pegamos mais um caminhão para rodar os 7 km ate a imigração propriamente dita. Tudo indicava que tínhamos chegado na China, mas será que era China mesmo?

Pós revolução nas montanhas celestiais!

O Quirguistão é um pais montanhoso, muito montanhoso. Algumas destas montanhas atravessam boa parte da Asia Central. Uma das maiores cadeias de montanhas ‘e a Tian Shan, que significa “Montanhas Celestiais”. O Quirguistão divide outras coisas com seus vizinhos, a origem do povo e da língua são praticamente os mesmos. A independência de todos estes países também aconteceu na mesma época, com o colapso da URSS. Mas entrando na politica as coisas ficam diferentes. O Uzbequistão tem o mesmo ditador, odiado por todos, desde a independência  O mesmo acontece com o Cazaquistão  se bem que o ditador la ‘e adorado por muitos (o que não faz o petróleo . No Quirguistão um ditador não se mantem por tanto tempo. Em 2005 houve a revolução das tulipas, e depois de muito quebra-quebra e mortes, o ditador teve que fugir do pais. Novo presidente, sistema e problemas antigos, muita corrupção  nepotismo e descontentamento fizeram com que a população fosse as ruas novamente ano passado. Novo quebra-quebra e violência  Carros incendiados e a policia/exercito abrindo fogo contra a população  Centenas de mortos e milhares de feridos. O novo presidente não aguentou a nova revolução  e também teve que fugir. O pais ainda sente esta revolução recente. Existem os otimistas, mas outros falam que so os marionetes foram trocados. Hoje o Quirguistão  assim como o Brasil, tem uma Presidenta. Vamos ver como ‘e que elas se saem…

Depois da despedida da mãe e Clau, tiramos um dia para descansar, lavar roupas e programar os próximos dias. Nosso próximo destino era Kol Ukok, bem perto de Kochkor, montanha acima. Havia uma pequena possibilidade de chuva, mas quando acordamos de manha, resolvemos cancelar, pois as montanhas estavam encobertas com nuvens escuras. Não foi a primeira vez que as montanhas fizeram isto comigo. Prorrogamos para o dia seguinte. Depois de ter chovido, parecia que daria certo, mas só no tempo de tomar cafe da manha, o vento bateu e as nuvens voltaram. Cancelamos novamente, mas arriscamos uma saída pela vila. Próximo do horário de almoço o tempo limpou, e decidimos aproveitar a oportunidade. O inicio da subida ficava a poucos km da nossa pousada. Tivemos que esperar um pouco ate nossos cavalos chegarem. Nesse meio tempo já iniciou nova movimentação de nuvens. Mas todos falavam que só na primavera que chovia forte, que no verão seria uma chuva fraca e curta. Resolvemos arriscar. A subida por um vale, sempre montanha acima, com uma super vista de Kochkor e suas montanhas atras. Os cavalos passavam por pedras, rios, ladeiras, com a maior tranquilidade. A medida que fomos subindo, fomos nos aproximando dos restos de neve, e também das nuvens, que ja estavam quase ao nosso lado. Ameaçava chover, mas por um momento parecia que tudo tinha ficado para trás  Foi quando já bem no alto da montanha, iniciou um vento forte.

Tempestade vindo

Trovoadas não muito longe, no cume das montanhas ao nosso lado. Veio uma chuva fina e já tínhamos colocado a roupa adequada. Ficou frio, bem frio. De repente minha jaqueta preta foi ficando branca. Falei para a Bibi se cuidar que estava chovendo granizo, mas logo percebemos que não tinha problema, na verdade estava nevando! Sim, neve em pleno verão do Quirguistão  Olha, só não foi melhor, porque passamos um frio desgraçado  Nossas mãos congelavam, e não queríamos parar para pegar mais roupas na mochila. Nao muito tempo depois, atingimos o ponto mais alto, e o tempo abriu totalmente. Parecia combinado para podermos ver a paisagem do lago azul com as montanhas nevadas ao fundo. Ainda tínhamos que contornar o lago, para chegar mais perto das montanhas, e ver em qual dos sete yurts que ficaríamos  O lugar era fantástico  perfeito para mim, com certeza um dos lugares que mais gostei nesta segunda etapa da viagem! Eu ficaria uma semana la só subindo as montanhas ao lado, glaciais e outros lagos. O problema para a Bibi ‘e que era zero estrutura. Nada de banho, na verdade não tinha nem banheiro. Bem autentico.

vista da janela do yurt

A família que ficamos era bem gente fina, e passamos um bom tempo dentro do yurt nos aquecendo com chá quente. Mesmo de dia ligaram o aquecimento, queimando bosta, e claro. Tinha um japonês acampando ali ao lado. Conversamos bastante e tomamos leite de égua, aquele fermentado. O vento estava de cortar, mesmo com o tempo bom. Eu parecia uma criança andando para cima e para baixo. Com o entardecer a temperatura despencou ainda mais, e o céu parecia um planetário.  Nosso yurt tinha uns furos, mas pelo menos as cobertas eram grossas. Durante a noite cheguei a pensar que um lobo atacava uma ovelha de tanto que ela berrava, mas estava só dando cria haha. Segunda vez que isto acontece, outro dia foi uma jumenta. Eu tinha falado que iria entrar no lago, mas não tive coragem. Alem de encarar a água quase congelada, teria que sair num vento gelado. Ficou para a próxima.

 

O retorno foi com tempo bom, mas longo e sem paradas. As centenas de marmotas continuavam correndo, atravessando a trilha, e dando sinal para as outras. Depois de umas cinco horas resolvemos descer dos cavalos, e seguir a pé  pois já não dava mais para aguentar de dor. Ficamos na casa da mesma família, e tomamos um merecido banho quente. Nosso próximo destino era Naryn, algumas horas dali. Chegando la decidimos nem ficar na cidade, e continuar a viagem ainda mais ao sul, bem perto da fronteira com a China. No caminho muita poeira, e muitos caminhões e chineses trabalhando na nova estrada. Saímos em uma estrada secundaria, passando entre um cânion  ate chegar em Sary Tash. Ficamos em Yurts no vale, com vista para o antigo e diferente caravançarai  Mal tínhamos chegado, vieram umas pessoas se apresentar para nos. Um deles se dizia o Consul do Brasil no Quirguistão.  Dei risada, pois ele mal falava inglês. Ele tinha um boné com o Cruzeiro do Sul e escrito em Kyrgs.

Demorou um bom tempo ate entender que era um titulo honorário  e que ele era um homem de negócios  Fomos convidados para um banquete com eles, tiraram muitas fotos e demos muita risada. Fomos forcados a tomar umas vodkas. Quando alguém oferece um brinde, todos escutam atentamente esta pessoa falar sobre cada um da mesa, e depois viram o copo. Nos fizemos de bobo e fomos tomando devagar. Tinha uma jornalista que falava bem inglês  e ela serviu como interprete. E-mails trocados, mais fotos, prometemos ir ate o seu cafe restaurante “Pele”, para conversarmos mais. Ele contou que tinham 11 brasileiros em Bishkek, sendo que 3 eram jogadores de futebol, e nos prometeu colocar em contato com eles. Neste lugar não tinha chuveiro, mas tinha uma daquelas saunas de pedra, onde aquecem a água com fogo, e mistura água fria para tomar banho. Melhor do que nada, mas depois de limpo fica aquela sensação de suado.

Banquete

Noite fria, mas um bom yurte fez com que nem sentíssemos  Tivemos uma surpresa que no dia seguinte não encontraram os nossos cavalos. Eles amarram as patas dianteiras do cavalo como se fosse uma algema, mas mesmo assim eles desapareceram. Foram pulando sei la para onde. Ficaram procurando ate tarde, e so nos avisaram quando já não dava mais tempo de subir os mais de 4000 mts ate o passe que daria para enxergar mais um lago entre as montanhas. Decidimos caminhar pelo vale, sem pretensão de ir muito alto. Depois de algumas horas, quando vimos uma movimentação de nuvens, decidimos voltar, pois nova tempestade estava vindo. Inacreditavelmente conseguimos chegar nos Yurts sem nos molharmos.

Caravansarai

Ainda visitamos o caravançarai por dentro, antes de retornar para Narin. La chegando achamos um apto bem barato, mas como queríamos interação, buscamos uma casa de família  Ficamos num daqueles blocos soviéticos caindo aos pedaços  mas que dentro era bem reformado. Alias Narin e cheia destes blocos, uma cidade bem espalhada, decadente, com um rio cortando ao meio.

Narin

Caminhamos pela cidade e ficamos amigos de umas pessoas de Bishkek que estavam no quarto ao lado. Trabalhavam para a Unicef, e acabamos jantando juntos. Novamente nos incluíram nos rounds de vodka, e ficamos escutando como os tempos soviéticos eram bons, muito melhores que agora. Um deles brincava: “antes não tínhamos dinheiro, mas tínhamos tudo! Agora podemos ter dinheiro, mas não temos nada…”. Quando ele disse que se tivesse uma nova URSS ele sairia correndo para la sugeri dele ir para Cuba, mas acho que ele não entendeu minha ironia, ou talvez tivesse bebido demais para isto.

Adoramos nossa estadia, nossas anfitriãs e vizinhos, mas tínhamos que voltar para Bishkek. Pegamos uma mashtruka (microonibus) e encaramos a estrada. Nosso hotel tava lotado, e ao buscar um lugar para ficarmos acabamos encontrando nossos amigos israelenses de Bukhara. Saímos para jantar, bater papo e contar as aventuras do ultimo mês  Deu tempo de acertar mais um ou outro detalhe, nos mudarmos para o nosso hotel favorito, pois teríamos nova companhia. Agora os irmãos da Bibi que viriam para viajar conosco.

Bishkek

Meus Pais foram para o Quirguistão!!!

Sabe aquele ditado “ o fruto não cai longe do pé ,” pois ‘e meus pais adoram viajar. Eu não tinha nem nascido e eles já tinham percorrido quase toda a Europa e boa parte da America. Moraram fora do Brasil e estavam sempre planejando uma viagem. Quando eu era pequeno a rotina não mudou. Acampávamos cada ano em um lugar diferente. Ctba-Bahia, Litoral do Rio, SP e SC, Goias, Pantanal, Argentina,Chile. Cada um tinha sua função no acampamento. Também fizemos outras viagens sem ser acampando, mas sempre bem fora do estilo “pacote”. Uma viagem para a Europa, por exemplo, teria piqueniques na beira da estrada com bastante frequência  Eles já tinham passado dos 40 quando acamparam pelo interior da Franca. Com a “idade” (haha) o espirito aventureiro foi diminuindo, mas não tanto assim. Não pensaram duas vezes antes de nos encontrar na Tanzânia e Quênia  e encarrar aquele ônibus de Arusha para Mombassa (não e para qualquer um!). Desta vez, pelas minhas descrições queriam nos encontrar no Uzbequistão  mas devido ao trabalho e nosso roteiro, não foi possível  Queria só saber o que os amigos deles falaram quando contaram que estavam de malas prontas para o Quirguistão!!

A viagem de Almaty para Bishkek (capital do Quirguistão  foi tranquila. Estrada boa, e um táxi comunitário decente. Só tivemos que esperar um pouco para chegar outros passageiros, mas o tempo perdido foi recuperado na fronteira. Entramos numa fila, o oficial perguntou de longe de onde eramos, e saiu do seu guichê  pegou nossos passaportes, levou para uma salinha, carimbou, e abriu a corrente ao lado da fila para passarmos. Simples assim, sem formulários sem nada. Estávamos no Quirguistão.

A chegada em Bishkek nos mostrou que o pais era bem mais pobre que seu vizinho com petróleo,  mas também tinha montanhas como pano de fundo na sua principal cidade. Nos hospedamos nos apartamentos dentro de uma escola de Negocios e Gerenciamento. Prédio antigo, mas aparentemente o curso de MBA lá é bom para os padrões locais. Um dia tinha uns soldados com capus estilo terrorista dentro de um carro. Devia ter alguém importante lá. Nosso quarto/apartamento era bom. bem antigo, mas limpo, arejado e com um bom preço. Uma senhora russa que tomava conta do lugar era super atenciosa e nos adotou. Deu tempo de reconhecer a região,  entender sobre os preços, logística e tudo que é necessário até o dia que a mãe e o Clau chegaram.

Matamos a saudades e conversamos um monte, ate a hora de sair para comer e rever a cidade, que é relativamente pequena. Prédios do governo, a larga avenida principal, praças e guardas na frente do museu, e os esquisitos prédios soviéticos. Acertamos alguns detalhes que estavam faltando para a volta deles e decidimos o nosso roteiro.

Dia seguinte estávamos pegando a estrada ate a cidade de Karakol, contornando a parte norte do lago Issyk-Kol. Paramos para comprar frutas, curtir o visual de montanha, mas não podíamos nos enrolar muito, pois era uma boa esticada.

Karakol e uma cidadezinha bacana, com casas tipicas, uma igreja ortodoxa interessante e uma Mesquita Dungan (etnia originaria a alguns seculos atras, de pais árabes e mães chinesas) bem autentica. Nos divertimos tentando nos comunicar na mesquita, para entender mais do lugar, e tambem ao ser levado para o restaurante errado ao pegar o táxi.

Mesquita Dungan

casas tipicas

O Quirguistão não é um lugar para se ficar em cidades, e na manha seguinte já estávamos indo para o Canion Jetti-Orguz. Passamos por formações rochosas vermelhas, pela ultima vila, ate encarrar uma estrada bem mais precária  Cruzamos pontes de madeira, passamos por diversos yurts ate chegar num vale, na beira de um rio, onde estavam nossos yurts.

Foi engraçado ver a mae e o Clau com suas malas de rodinha escolhendo o yurt que iriam ficar, mas eles estavam bem animados. A família que cuidava do lugar é bem simpática  O Quirguistão fica embaixo de neve quase todo o ano. O pais é quase só montanha, e durante menos de 4 meses por ano a neve derrete, e vem uma pastagem bem verde. São os chamados Jailoos. Os Kirgs levam seus rebanhos para esta região fértil, e moram em yurts.

Curtimos a beira do rio, conversamos, caminhamos montanha acima para uma cachoeira. Eu tomei banho de rio gelado, vimos estrelas, e ficamos no yurt para se proteger do frio quando a noite caiu.

Haviam outros yurts próximos dali, onde alguns locais pareciam frequentar nos finais de semana, para aproveitar o lugar e tomar uma vodka.

Fomos a cavalo seguindo o vale. Não e um passeio tão curto, mas muito, muito bonito. Boa parte das montanhas é reflorestada, beiramos o rio, passando por yurts bem isolados, com uma vida bem tipica. Para coroar, cavalos pastando com uma montanha imensa ao fundo, com neve no topo.

O cavalo é o meio de transporte oficial. Vimos muita gente mega carregados andando tranquilamente a cavalo. Outro com o filho dormindo tranquilamente, sem se preocupar com o balanco do animal.

e o filho dormindo

Apesar de isolado, este lugar tinha um chuveiro quente, aquecido a lenha, o que facilitou bastante as coisas. Tentamos ficar na fogueira depois que escureceu, mas o yurt ainda era o local mais quente a noite.

De Jetti-Orguz tivemos que voltar para Karakol, parada estratégica para pequenas compras e pegar nosso novo transporte, que mais parecia uma Kombi 4 x 4. As janelas não abriam e estava calor. Logo iniciou a subida e entendemos o porque de não abrir, pois levantou a maior poeira. A estrada foi piorando. Logo não dava mais para chamar de estrada, parecia o leito de um rio seco. Sempre subindo, beirando um penhasco com um pequeno rio la embaixo. Logo estávamos acima dos 3000 metros de altitude. Horas depois, parada estratégica para ir ao banheiro, e já podíamos avistar o Altyn-Arashan, nosso próximo destino. Mais um vale, com meia duzia de casas, muito verde e outra magnifica montanha nevada ao fundo.

Existe uma casa que ‘e abrigo para montanhistas e já foi estacão metereóloga, que funciona praticamente como um albergue. Para ter mais privacidade pegamos uma outra ali perto. Nada de banheiro, e banho só nas águas termais. Um lugar fantástico e eles tiveram a capacidade de fazer uma construção de madeira com uma piscina lajotada para canalizar as águas termais, da para entender? Nada de banho com visual  mas pelo menos era um banho. O tempo fechou, e tivemos que nos recolher na cabana antes que o esperado. Eu e o Clau vimos um rato atravessar a sala, mas não falamos nada para não mudar o humor das mulheres.

O local e base para visita de glaciais, lagos e cachoeiras, mas são passeios bem longos. Depois das horas de caminhada em Jetti-Orguz, achamos que podia ser um pouco demais. Com a mudança de tempo optamos por caminhar no vale, e nos divertimos atravessando as estreitas pontes de tronco de arvore. Percebemos que a noitada na cabana principal tinha sido longa, pois varias garrafas vazias de vodka estavam a mostra. Uma turista Kirg relatou que ninguém estava lá, e nos mesmos tivemos que preparar o almoço. Esta Kirg já tomou conta da cozinha, e depois descobrimos que era uma cantora. Mostrou uma de suas musicas e nos surpreendemos com sua voz. Era uma pessoa bem bacana, que estava de lua de mel la, e não entendia o que estávamos fazendo ali. Alias, esta pergunta foi frequente na Asia Central. Viajar aqui? Mas porque?

Quando o tempo melhorou, lavei roupas no rio, com uma sinfonia de meeee’, de tantas ovelhas e cabras que tinham no lugar. Logo era hora de voltar para Karakol, para mais uma pausa no hotel. Mas antes disto tinha que encarar estrada abaixo, “com emoção”!

De Karakol para Kochkor seria outra esticada, desta vez beirando a parte sul do Issyk-Kol. Nesta margem nada de cidades com mini resorts para russos bêbados  era tudo bem mais tranquilo. Em um lugar ou outro, ainda tinha um hotel, mas bem mais pacato. Passamos perto de uma mina de ouro. Quase 20% do PIB do Quirguistão vem do ouro e outros minérios explorados. Nos divertimos ao parar para comprar algo para comer no meio do nada e encontrar uma Kirg que falava alemão.

Issyk Kol

Chegamos na pequena cidade de Kochkor e ainda deu tempo de dar uma caminhada. A mãe e o Clau se surpreenderam que uma refeição para quatro pessoas, com cerveja, custou menos de 15 reais. Para quem já comeu por menos de um dólar cada não era surpresa, mas pelo nível do restaurante o preço estava muito bom (e a comida também!).

Fomos no escritório do CBT (comunity based tourism) para arranjar um home stay, e nosso programa para os próximos dias. São varias famílias cadastradas, com classificação das casas de uma a três edeweiss. Quartos amplos, com tapetes pendurados na parede e bonitas cortinas. O lugar foi aprovado por todos.

Passamos num movimentado e bacana mercado de animais antes de encarar mais algumas horas de carro, novamente montanha acima, agora a mais de 3500 metros. O caminho ja era um passeio em si. Logo apos o passe, ja acima da linha do gelo, deu para ver o lago Song-Kol, com um vasto jailoo de um lado e montanhas nevadas do outro.

Yurt desmontado e o Lada novo

indo para a montanha

Uma serie de yurts, muitos deles com cobertas esticadas ao sol. Muitas ovelhas, cavalos, mas nem uma unica arvore. O lugar estava movimentado, bem mais que esperávamos  Logo entendemos que era final de semana. Desta vez teríamos que dividir o yurt. No escritório do CBT in Kochkor, ficamos com pena de uma americana do Peace corp, que não podia ir para o lago pois teria que pagar o transporte sozinha. Acabamos oferecendo de ela ir com a gente. No final das contas queriam que ela ficasse no mesmo yurt conosco, mas batemos o pé e acabaram arranjando outro lugar para ela.

Caminhamos pela beira do lago, no pasto onde edelweiss era que nem praga. Como o banheiro era bem meia sola, e nao tinha nenhuma arvore, era hora das mulheres colocarem as cangas para funcionarem e procurar um barranco ou pequeno leito de rio seco para se proteger.

O por de sol foi longo. Com as montanhas altas, depois que ele se escondeu, ate ficar escuro demorou muito tempo, e as cores variavam de vermelho a alaranjado, com os yurts já com suas chaminés funcionando. Um super clima! Quando parecia que ficaria escuro, do outro lado surge uma lua cheia gigante. Ate esquecemos que sem o sol a temperatura tinha caído muito, e ficávamos olhando bobos o evento que parecia ter sido programado.

Nosso yurt era aquecido. Tinha um pequeno forno onde queimava bosta seca, combustível muito popular por aqui.

Um dia alugamos cavalos, e seguimos em direção a yurts mais afastados, perto das montanhas. Estava longe e ao fazer a volta, viramos em direção ao lago onde fomos ate a beira. Um super visual, do lago a nossa frente, com as montanhas nevadas ao fundo, tudo calmo, só com barulho de alguns cavalos galopando.

Com tanto cavalo, claro que tomamos leite de égua. Desta vez tirado na hora, não o fermentado. Bem melhor o gosto, aprovado por todos, menos a mãe que não experimentou. Tava tudo mais calmo por ter passado o final de semana. Conversamos bastante com a família dona do yurt, muito simpáticos. Durante o inverno eles moravam numa vila perto de Karakol, e acompanhavam novelas brasileiras na televisão (depois de futebol e carnaval, a novela e muito associada ao Brasil).

Comemos um delicioso peixe frito, e foi uma das poucas vezes que a mãe e a Bibi não ficavam separando a gordura da sopa.

Mais algumas horas de viagem de volta, com novas paradas para fotos, mesmo já tendo passado pelo caminho. Voltamos para a casa da mesma família, e enquanto a mãe e Clau arrumavam a mala, nos aproveita vamos para mandar coisas que não íamos mais usar e pequenas compras que fizemos.

Dia seguinte cedo já nos despedimos. Eles pegavam transporte para Bishkek, de onde iam para o Uzbequistão  e nos continuávamos peles montanhas.

Companhia perfeita! Deu aquela tristeza na despedida, uma saudades antecipada, mas a certeza de que outras fantásticas viagens juntos iriam acontecer em algum canto do mundo.