Mission Burma

Existia uma banda punk dos anos 80 chamada Mission of Burma. Acho que foi assim que eu escutei sobre o país a primeira vez. Pode-se pensar que nada em comum tem uma banda punk com um país do sudeste asiático,  mas a revolta daqueles adolescentes é algo bem comum como a oprimida população da “Birmânia”.

A Birmânia assim como tantos outros países, teve seu primeiro contato com os europeus através dos portugueses  mas estes não conseguiram colonizar a região. Após algumas tentativas foram os ingleses que se estabeleceram por aqui. Foi uma colonia bem extrativista, não tendo deixado muita influencia e infraestrutura a não ser alguns casarões e, para variar, uma estrada de ferro. Favoreceram a entrada de indianos e chineses para trabalharem na construção e comercio. O controle era linha dura, e existia muita repressão.  Como sempre os monges estavam a frente dos protestos da população, e sofriam a violência dos britânicos.

Na segunda guerra, um grupo que buscava a independência do pais, teve apoio do Japão  e conseguiu expulsar os ingleses do seu território.  Não contentes com a postura do Japão após esta ação, mudaram de lado no final da guerra e lutaram, junto com os aliados, contra os japoneses. Finalmente a Birmânia se tornou independente. Nas primeiras eleições  o partido de Bogyoke Aung San, líder revolucionário, ganhou a maioria dos votos, mas foi assassinado junto com as pessoas que assumiriam os postos políticos  Paralelo com a independência veio um caos politico não resolvido ate hoje. Na região  moram diferentes etnias, com culturas, línguas  religiões e tradições completamente diferentes. O novo governo iniciou uma serie de perseguições que continuam ate hoje, o que resultou na fuga de algumas etnias para os países vizinhos, como apontei no post da Tailândia.

Na década de 60 houve um golpe militar de esquerda e o comunismo foi instituído  “congelando” o país ate hoje. A unica coisa que mudou foi o nome, que deixou de ser Birmânia e passou a ser Myanmar. Claro que com o colapso da URSS, seguindo o mesmo rumo de diversos países, o país criou seu próprio estilo de comunismo. Após diversos protestos, e milhares de mortes (novamente os monges estavam a frente da população) , finalmente eleições foram marcadas. O partido da filha do B. Aung San venceu com mais de 85% dos votos, mas não pode assumir os postos pois Aung San Suu Kyi foi presa. Desde então ela e solta e presa de tempos em tempos, e atualmente esta em prisão domiciliar. Foi dada a ela a escolha de ir para o exílio  mas se recusou a deixar seu pais. Foi vencedora do premio nobel da paz em 1991, e deve sair novamente da prisão no final deste ano, logo após novas eleições presidenciais acontecerem. Detalhe que nestas eleições só vai haver um partido, o da atual ditadura. Alguém duvida que não demora muito para ela ser presa novamente? A população local tem certeza disso, e fala que e só um jogo para não haver tanta pressão internacional. A três anos atras a violência se repetiu, e mais centenas de mortes. Algumas filmagens vazaram, e o ocidente pode ver a população fazendo uma barreira humana para proteger os monges politizados, que eram alvos de tiros dos militares. Por que não existe uma ação mais efetiva contra uma ditadura tao brutal? Interesses comerciais da Índia  de matéria prima, drogas para a China, e militar para a Russia. Dos países emergentes BRIC, só o Brasil não esta apoiando. Quem iria se opor?

Na aterrizagem em Yangon, lembro da Bibi falar, “para onde que você ta me levando?”. Realmente a visão é chocante, parecíamos ter entrado numa maquina do tempo. A região ao redor do aeroporto parece uma vila, e vista de cima só da para ver algumas casas de madeira, entre palmeiras e pagodas (templos budistas). O primeiro contato com o povo daqui foi ótimo. Quando vimos que os carregadores de mala e taxistas não são nem um pouco insistentes, já imaginamos que era um lugar tranquilo. Mas quando notamos que alem de tudo eram simpáticos e tentavam nos ajudar, tínhamos certeza que era um povo especial. Ainda no avião me dei conta que, com a correria dos últimos dias da Tailândia  não havia trocado dinheiro suficiente (inicialmente ficaríamos menos tempo no Myanmar). Normalmente saco nos caixas eletrônicos  mas em Myanmar não existem caixas automáticos  e os cartões de credito não são aceitos. La fomos nos para um hotel de luxo, onde fazem uma transação no exterior e fornecem dólar a uma taxa de 7.5%! Fazer o que, nossa unica opção se quisessemos ficar bastante tempo lá.  Fomos para perto do centro onde íamos ficar e o estilo da cidade foi nos conquistando. Esta e a melhor parte de não sobreplanejar uma viagem. Eu sempre leio a respeito de todos os lugares, tenho uma ideia geral dos países muito boa, mas não consigo entender quem vai ate o Google earth para saber o caminho a ser percorrido numa cidade, por exemplo. Pra mim pode servir para matar a curiosidade, mas não para planejar viagem. O efeito surpresa e importante e nesse caso foi ótimo.  Yangon e uma cidade grande, em torno de 7 milhões de habitantes, e tem um estilo próprio.  Casarões antigos e decadentes, monges andando com suas vasilhas para recolher o alimento do dia, procissão hindu. Só faltou encontrar um hotel um pouco mais rápido. Mas isto fez que nos afastássemos um pouco do centro e fracassemos num hotel legal, com pouca experiencia com estrangeiros, o que resultou num tratamento vip. Entramos numa “lua de mel” com o pais, que demoraria muitos dias.

Prédios do centro

Celulares ate existem, mas são caríssimos. O negocio e utilizar os telefones na rua!

Transporte publico

Descobri que a alguns anos Yangon não e mais a capital do pais, e sim Naypyidaw. Confesso que não tinha a menor ideia da mudança  Nossos primeiros dias la foram de caminhada pelas ruas empoeiradas, por prédios históricos, taxis Mazda estilo “pau de arara”, e uma cultura muito diferente. Espremido entre China, Tailândia,  Índia e Bangladesh, com tantas etnias próprias  e colonizados por ingleses, digamos que tiveram muitas influencias, de todos os tipos. Fomos na Swedagon Pagoda, e tivemos a sensação de que não precisamos mais ver templos dourados depois disto. E uma super estupa, com dezenas de outras ao redor, numa região alta da cidade. Lugar de muita fé  e ponto obrigatório de peregrinação dos budistas do Myanmar (que são 90% da população . Templos, estatuas, sinos e devoção  muita devoção.  Para se chegar ao topo existe uma escadaria muito grande, por um “túnel;” de madeira, com desenhos da historia de Buda. A lenda desta Pagoda não e medos interessante. Conta que dois irmãos de Myanmar estiveram em contato com Buda ainda em vida, e que este deu fios de cabelos para ele, e trouxeram para presentear o rei, que construiu a primeira pagoda aqui, e que só foi aumentando. Na ponta da estupa existem mais de 3000 sinos de ouro, 79000 diamantes alem de outras pedras preciosas, que ao anoitecer passam a brilhar e refletir. Um dos grandes negócios do Myanmar são as pedras preciosas, exportadas para o mundo todo. Passamos horas ali, e com certeza a melhor parte foi quando a noite chegou. Estávamos indo embora quando uns aprendizes de monge puxaram papo e acabamos indo jantar com eles(eles não podem comer depois do meio dia, mas tomaram chá).

Jarros com a “água benta budista” na pagoda Sule Paya

Budaworld!

Mau gosto também tem por aqui! Budas com luzes piscando…

Novos amigos

Myanmar não e um pais pequeno, e a condição das estradas faz com que viagens (de ônibus  de 300 km possam levar mais que 10 horas. Existe as alternativas de voos domésticos (que já não somos muito fans), de trens (que seria muito bacana) e uma região até de barco, mas como todos estes transportes são controlados pelo governo ditatorial, décimos “fazer na nossa parte” e boicotar, dando o dinheiro para o povo, que precisa mais. A rodoviária  bem afastada do centro e caótica  e muuito empoeirada. O primeiro destino seria Inle Lake. Os primeiros km de estrada surpreenderam, e percebemos que tinha alguma coisa estranha quando passamos por um “moderno” pedágio e logo após teve um controle de documentos/passaportes. Chegamos numa cidade com ruas largas, modernas, iluminadas ate demais. Lojas de pedras preciosas, resorts e ate campos de golf. Ate praça com chafariz! Estávamos na nova capital, construída só para o governo. Ate as embaixadas foram obrigadas a ficar em Yangon, e as casas aqui tem que seguir um tamanho e padrao pre-determinado. Nada de comercio pé de chinelo. Nada funciona sem autorização  e parceria.do governo. Muito pouco depois de cidade, inicia a realidade. A estrada fica esburacada, ate virar estrada de terra. Em um momento vira ate estrada de mão unica, sem acostamento. Como Inle Lake fica na região das montanhas, as curvas iniciam e não param mais. Chegamos de madrugada, e tava muito frio. Da parada do ônibus ainda tivemos que arranjar transporte para os próximos 13 km, ate chegar em Nyaungshwe, onde ficaríamos.

Aqui é só para comprar a passagem, ainda no centro. A rodoviária fica mais afastada, e bem mais caótica!

Ficamos numa pousada muito legal, com pessoas simpaticíssimas  Para se ter uma ideia, toda vez que chegávamos no final de tarde, batiam na porta e nos traziam uma limonada. A região e calma, rural, e muito bonita. Fizemos passeio de canoa por pequenos canais ate rustico monastério para ver o por de sol, e rodamos muito a região de bicicleta, primeiro com mapas e depois sem destino. Como estávamos perto de um grande lago, nada melhor para conhecer a região que um barco. Saímos cedo, passando por canais ate chegar ao lago propriamente dito. Grande, cercado de montanhas, com uma nevoa devido ao horário  Lugar muito bonito e de uma paz incrível.  Pescadores com suas redes e armadilhas, naquela que era só mais uma segunda-feira para eles. A região funciona como um WaterWorld. As casas são sobre palafitas, onde só se chega de barco. As plantações são em elevados no meio do lago. Voltamos a terra firme, numa vila onde acontecia o mercado do dia. Carnes, verduras, mantimentos e flores, muitas flores. Alguns vendedores de artesanatos nos fizeram lembrar que eramos estrangeiros. Rodamos km e km ao sul, passando por mais vilas suspensas  alem de jardins flutuantes, onde cultivam as flores. Alguns monastérios  sendo que em um deles as mulheres não podem se aproximar do altar principal. Existem algumas paradas que são para turista ver, como fabrica de cigarro local, tecido feito de resina de uma planta local, fabricarem barcos, etc. Algumas coisas ate são interessantes, mas e tudo montado com uma loja junta. Perdemos a ilusão de que Myanmar era perfeito, ideia que tínhamos até então. Passamos por uma loja de a artesanato das “mulheres girafas” que com certeza não estão em melhor situação que as refugiadas na Tailândia.  Voltamos cansados para o hotel, depois de um longo e produtivo dia. Inle Lake fica no estado de Shan. Shan e um povo que tem nesta região  cruza a fronteira e tem em boa parte do norte da Tailândia  Queria muito poder voltar para a Tailândia por terra, mas as áreas são controladas, e o governo marca direitinho onde os estrangeiros podem ir. Ao norte do estado de Shan, existem diversos conflitos. Shan com o exercito do governo, com guerrilhas Mon, Mon com o governo. Meio terra de ninguém.  Aparentemente conflitos étnicos  mas na verdade financiados por carteis de Opio e Heroína.

Andando de canoa

Final de tarde

Muita paz de espirito

Flores no mercado

Congestionamento para chegar em terra firme!

Mundo Aquático!!

Anos de perseguição

Vista de quem anda de bicicleta por aqui…

O aniversario da Bibi se aproximava, e ainda tínhamos que seguir outra longa estrada para Mandalay, antiga capital. Não vou nem citar o “antiga capital” novamente, pois ao redor de Mandalay fui para diversas outras “antigas capitais”. No ônibus passavam vídeo clips de bandas locais que faria qualquer “Emo” se suicidar. Nada de aparecer os cantores, só historias de amor, muitas delas com finais trágicos. Filmagens totalmente amadoras, e alguns dos passageiros cantando baixinho junto. De mais!! Ficamos indignados com um alemão que se levantou e fechou as janelas sem perguntar para os passageiros. Depois pediu para não reclinarmos tanto os bancos, pois estavam atrás de nos. Foi estranho dividir um táxi ate o hotel com eles, acabar ficando no mesmo hotel, e até tomar café da manha na mesma mesa, por falta de lugar.

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