A viagem podia ser longa, mas tinha um bom livro para ler, amigos novos para fazer e muita coisa para pensar. Chegando em Goulimine fomos comer antes de arranjar transporte para a praia, e o deem uma olhada no nome da avenida:
Pegamos um granda taxi pelas curvas até o litoral, onde chegamos na simpática Sidi Ifni. Uma pequena cidade que na época que foi dominada pelos espanhois se chamava “Santa Cruz dele mar pequena”. Uma mistura de arquitetura espanhola com marroquina, até igreja tem. Definitivamente uma cidade árabe, porem com um ar mediterrâneo. A primavera árabe se iniciou por aqui (e foi esmagada) e depois se espalhou pelos seus vizinhos.
Mas tinhamos recebido uma indicação de uma praia mais ao norte, e lá fomos nós tentar encontrar. Quando nosso grand taxi nos deixou no meio da estrada e apontou na direção do mar, achavamos que estariamos ferrados. Caminhamos descendo as falesias e chegamos na pequena Legzira. Achavamos que teria uma vilazinha tipica, mas era um “resort”, só uma meia duzia de hoteis simples. Praia de parapeint e surf, que em algumas épocas do ano é bem procurada, mas estava bem vazia. Ficamos bem instalados com vista para mar.
Não tinha onda, mas fizemos ótimas caminhadas, aproveitando todo aquele visual de falezias. Não lembro se comentei antes, mas estavámos curtindo bastante a comida no Marrocos. Além do obvio cuscus, os tajines de frango, carne, carneiro, bode, verduras. O nosso preferido foi de pombo! Sim, comem pombo aqui, até misturado com torta doce. Mas comemos o tal pombo com verduras e foi aprovado. Comemos também sanduiche de coração de boi, mas quando chegamos na praia, trocamos pelos frutos do mar. Alem dos grelhados, claro que tinha Tajine de peixe!
Recuperados e bem alimentados, subimos as falezias para tentar pegar carona na estrada. Já estavamos pensando em voltar para Sidi Ifni, de onde conseguiriamos um transporte mais facilmente quando parou uma vam. Até este momento não sabiamos se iriamos direto para Tiznit, e depois para as montanhas, ou se parariamos em Mirleft, no caminho. Seguimos pelas curvas e visual do alto das falésias até chegar na antiga cidadezinha dos hippies, hoje do surf, que todos se vangloriavam que Jimi hendix ia passar umas férias.
Procurando por um hotelzinho, acabamos achando um apartamento bem bacana. Como era fora de temporada, pagamos 200 Dirham (menos de 20 Eur) por um Apto de 3 quartos, banheiro, sala e cozinha. Caminhando pela região, ainda vimos varias “Vilas”, casas de veraneio de franceses e espanhois, bem no topo das falésias, com super vistas. Um padrão bem mais alto, mas os preços não estavam muito caro também.
Quem fica comendo fora toda hora valoriza uma cozinha e uma geladeira. No jantar fizemos um polvo maravilhoso. Rimos muito com nosso amigo Berbere Lahcen. Ele foi o primeiro marroquino (até então) que conhecemos que detonou o Rei Muhamed VI. Ele contou bastante da Intifada, primavera árabe e do seu irmão, que foi da guarda real. Contou que o irmão dele estava na represão da Intifada de Smara (Saara Ocidental), quando um jogaram lideres da Polisario de cima de um helicóptero, e atiravam em mulheres e crianças que não quisessem embarcar em ônibus do governo. Mas tiveram muitos assuntos lights também, e em época de Eurocopa, nosso polvo quase queimou por causa da emoção de um jogo.
De Mirleft foi um pulo até Tiznit, com sua cidade murada e bonitos portais. Podiamos ter ficado mais na praia, mas a Bibi não encontrou a vila pé na areia que queria, então fomos para a montanha novamente. Curvas e mais curvas subindo o novamente o Anti Atlas, passando por Kashbas até chegar na simpática Tafraut. Olhamos um para o outro e quase que lendo o pensamento do outro falamos: Gostei daqui! Cidadezinha pequena, poucas quadras, toda ajeitadinha (um pouco demais para mim, mas perfeita para a Bibi), cercada por montanhas, oasis e formações rochosas. Ficamos no hotel Salama, talvez o único em toda a viagem que possui um website (http://hotelsalama.com/pages/en_morocco_hotel_salama_index3.htm).
Não adiantava estarmos na montanha, o calor estava insuportável. Como muitos dos passeios que queriamos fazer eram de bicicleta, acordavamos bem cedo, para voltar antes do meio dia. Fugiamos do sol forte e depois rodavamos a cidade no final da tarde, andando pelo mercado ou vendo a vida passar na praça.
No primeiro dia era para rodarmos uns 15 km de bike, mas acabei entrando numa trilha errada e acabamos rodando bem mais que isto. Muito legal passar pelos oasis, pequenas vilas e depois andar pelas formações rochosas. Inventão umas coisas tipo, você tem que passar no “Chapeu do Napoleão”, teve até um artista belga que pintou umas pedras para mudar o tom do deserto. Mas o mais legal é passear mesmo, e ver a mudança dos tons de vermelho com a alteração da luz.
No segundo dia a maior parte do caminho era por asfalto, o que perdia um pouco o charme, mas em compensação, as vilas eram muito bonitas e tinham casas tradicionais. Ironia do destino, no dia que rodamos menos por estradas de terra foi o dia que o pneu furou. Já estavamos pensando em colocar em cima da primeira caminhonete que passasse quando o dono de uma venda numa vila maiorzinha nos ajudou.
De Tafrout pegamos um onibus super moderno para Marrakesh, bem diferente dos que estávamos viajando. Novinho em folha, com ar condicionado no máximo e paradas para rezar e almoçar. Muito estranho a relação do marrocos com a religião. Dizem ser super rigorosos com a reza, Ramadam, não nos deixam entrar nas mesquitas, mas por outro lado são bem hipócritas em outras regras como bebidas alcoólicas e não enganar/roubar o próximo.
Chegando em Marrakesh, um destes hipócritas, no caso um taxista, ficou brabo porque eu não queria pagar cinco vezes mais a tarifa para ir para Djemaa El-Fna. Mandava eu seguir a pé, e eu ia sorrindo e ironicamente agradecendo pela informação da direção. Duas quadras depois pegamos um taxi pelo preço correto. A diferença pode ser de poucos dólares, mas você pagaria dez reais por uma lata de refrigerante que vale dois reais?
Nosso hotel da primeira passagem pela cidade não era muito bom (o pior que ficamos no Marrocos) então seguimos a sugestão do nosso amigo Dale, que alias estaria lá. Chegamos num “BBB”, bom bonito e barato. Perto da praça, mas não barulhento, com estilo, patio intérno e impecavelmente limpo. Encontramos o Dale na entrada e não demoramos muito para sair para a praça. Já escurecia e o movimento começava. Como o Dale é musico, queria gravar e escutar muitos dos artistas e o acompanhamos.
Jantamos cérebro de bode junto com outras comidas mais comuns, tomamos um suco das dezenas de barracas de suco de laranja natural e fomos capotar!
Conhecemos Marrakesh mais a fundo, caminhando pelas centenas de quilometros de ruelas da cidade velha. A Bibi ficou louca com as lojas, que quando passavamos já sabiam que eramos brasileiros e só faltava nos chamarem pelo nome. Fomos em alguns palácios e Madrassas. Mas fomos também para a outra Marrakesh, a cidade nova.
Meu amigo Riad, do Couchsurfing morava num bairro bem longe da cidade velha. Uma vida bem diferente do imaginário que o ocidente tem do Marrocos. Ele procura emprego numa multinacional, sai para dançar, bebe (segundo ele moderadamente), não tá nem ai para o rei e nem sonha em rezar cinco vezes ao dia. O interessante de ver estas misturas da tradição com a modernidade, é que mesmo ele tendo uma vida moderna, eles ainda comem com as mãos por exemplo. Alias a mãe dele fez um banquete, com vária opções de comida, e deu até para matar saudades de comer um feijão.
Bateu aquela tristeza na hora de voltar. Mesmo sendo uma viagem curta, tínhamos tido uma imersão, e aquele se transformado no nosso dia a dia. Pegamos o voo para Madri, onde ainda passaríamos uma noite antes de voltar para o Brasil.
No avião, olhando para um mapa na revista pensava: Onde será a próxima viagem?