“The fact that few people go there is one of the most compelling reasons for travelling to a place.” -Paul Theroux
Para alguns o sul do Marrocos e o Sahara Ocidental são a mesma coisa, mas não é o que mais de 80 países acham. Mas a história se repete, e é mais um dos “países que não existem” (Lembram da Somalilândia?).
O Saaara Ocidental foi colônia espanhola, enquanto o Marrocos era francesa, até meados da década de 7o. Desde os anos 60 as nações unidas já tinha indicado para a Espanha abandonar o território. Mas foi através de um grupo chamado de Polisario, que guerreava pela independência, que a Espanha acabou abandonando o território. Mas a sonhada República Democrática Árabe Sarauí não seria formada tão facilmente. O Marrocos invadiu o norte e a Mauritânia o sul, ambos tentando anexar o território.
O Marrocos utilizou de uma tática proibida pelas Nações Unidas, de utilizar civis para assentamentos e tomar posse de um território (Israel também adotou esta tática em assentamentos na Palestina). A “Marcha verde” foi orquestrada e 350 mil marroquinos rumaram ao sul para tomar conta do território. O exército do Marrocos tentava tomar todo o território, mas o Polisario (com apoio da Argélia) se defendia bravamente. Com a desistência da Mauritânia, e a construção de um muro (lembram do muro construído na Palestina?), tudo passou a mudar.
O Marrocos construiu o Bern, um muro de quase 3 mil quilômentros de comprimento, com defesas, minas terrestres e equipamentos de segurança. Depois disto o Polisario teve dificuldades de guerrear, e a grande parte da população original do Saaara Ocidental passou a viver em campos de refugiados no meio do deserto. Marrocos passou então a controlar com linha dura a região, e criar incentivos para que marroquinos se mudassem para lá (Lembram dos isentivos para chineses irem para Xinjiang?). Violou os direitos humanos de diversas formas, jogando até bombas Napalm nos campos de refugiados (lembram dos ataques químicos no Curdistão?).
A ONU determinou que um plebiscito fosse feito, mas teoricamente só quem estava no local antes da Marcha Verde poderia votar (Lembram do plebiscito da Caxemira?). Porém, isto seria muito difícil de determinar hoje, já houveram casamentos entre os dois povos e o problema parece ser cada vez mais difícil de resolver. O Marrocos se alinha cada vez mais com o Ocidente, e ganha mais força política. Todo mundo sabe que está errado, mas nada é feito para resolver.
Ainda em território marroquino, fomos descendo o Anti Atlas e vendo o deserto do Saaara se aproximar. A temperatura obviamente aumentava rapidamente. Muitos oásis até chegarmos numa cidadezinha chamada Tata. A pequena cidade, era o máximo. Toda num tom rosa alaranjado, com as janelas pintadas de azul. Ninguém nas ruas, quase uma cidade fantasma. Arranjamos um hotel bem gostoso e fomos procurar um lugar para comer. Poucas pessoas se aventuravam no sol forte, que ja passava dos 40 graus. Praticamente todo o comércio estava fechado, mas encontramos um restaurante que tinha um resto de frango grelhado e o rapaz se propôs a fazer um Tajine (comida típica do Marrocos, feita numa panela de barro). A Bibi foi se proteger na sombra do hotel, e eu fui reconhecer o lugar, descobrir onde poderíamos pegar um ônibus, que hora ou que dia, e quem sabe encontrar algum lugar para comprar frutas.
Nunca é tempo perdido, consegui interagir bastante, mas a cidade começa a ganhar vida somente a partir das sete da noite. As oito já tem um movimento considerável, comercio aberto, feiras, e as nove, com o por do sol, é que tudo acontece. Tudo fica mega movimentado, fomos comer, tomar sucos e chá. O chá no Marrocos tem folhas de menta que ocupam mais da metade do copo. As mulheres da região usam saris super coloridos. É uma cidadezinha que teoricamente se pode conhecer em 5 minutos, mas para ser aproveitada tem que ser vivida, observar as pessoa e as mudanças de movimento com os horários.
Toda esta região do anti atlas tem lugares muito interessantes, vilas pequenas, oásis, e sentimos falta de um carro para poder explorar melhor. Passamos pela simpática cidadezinha de Akka, e tinhamos a idéia de parar em Amboudi, mas acabamos indo direto para Goulimine. Depois de muito calor e uma longa viagem Bibi queria ficar ali, mas eu sabia que o lugar já tinha deixado de ser uma pequena cidade faz tempo, e como teria uma estrada boa a partir de agora, pegamos um taxi comunitário até Tan Tan, já bem próxima ao Sahara Ocidental. Tan Tan não é uma cidade bonita, mas tem um ar especial, estilo e até um charme próprio. Toda branca e azul, com uma avenida principal larga, gostamos de perambular por lá, tomar chá enquanto a vida passava em nossa frente. A presença militar aumentava visivelmente, inclusive com grandes bases militares. Rimos muito com uma placa no hotel que dizia “Restauration” e apontava para o restaurante. haha
Esperando o ônibus, a Bibi se sentiu meio enjoada depois do almoço, e fomos procurar uma farmácia para ela tomar um Eno. Estava fechada, e ao pedir informação, nos colocaram num carro, rodaram uma duzia de farmácias (fechadas) antes de nos levar de volta para a rodoviária. Bem que nos falavam que quanto mais para o sul, mais legais e hospitaleiros os marroquinos ficam.
Seguimos sentido sul, onde a Europa estaria atrás de nós, e se fossemos em frente chegaríamos na Cidade do Cabo (viagem que ainda quero fazer), mas numa encruzilhada em “T”, viramos sentido deserto. A estrada foi diminuindo, a paisagem foi ficando monotonica. Por muito tempo o céu azul, e a linha do horizonte eram as únicas coisas que dava para ver. Alguns rebanhos de camelos, ou até caminhões transportando camelos nos chamavam a atenção. Postos de controle pegavam nossos dados do passaporte e nos perguntavam a profissão, quase que esperando que falássemos: jornalistas. A maior parte do deserto do Sahara não é de areia como muitos imaginam, é um deserto de pedra.
De repente aparace mais vegetação e pequenos oásis. Estavamos chegando em Es-Smara, antigo oasis e parada obrigatória de diversas rotas comerciais que cruzavam o deserto do Sahara. Atravessamos grandes bases militares marroquinas até chegarmos num pátio que era a rodoviaria. Tinhamos a indicação de um hotel descente, já que provavelmente os outros seriam de péssima qualidade. Definitivamente não é um lugar preparado para o turismo.
Os Sarauí são primos dos Tuaregs e usam toda uma vestimenta azul, com turbante negro. Em Tan Tan, e até outras regiões mais para o norte, no sul do marrocos, já tinha observado que aumentava consideravelmente os homens de azul. Me decepcionai um pouco por não ser todo mundo assim aqui. Acho que tinha criado uma expectativa em cima disto. Com o tempo fomos entendendo melhor as coisas. Teve jogo de futebol do Marrocos, e vimos que parte da população torcia para eles. Eram os marroquinos verdes, nos contava um amigo Sarauí. Sem muito o que fazer no horario de sol no meio do deserto, os cafes ficavam lotados para que pudessem ver os jogos da Eurocopa. Só homens, então a Bibi preferia a leitura na sombra do hotel. Ela tambem não gostou quando fomos perseguidos por crianças (de uns 10 anos) com varas na mão nos azucrinando, e de um senhor que nos chamou simpaticamente, mas só queria nos mostrar os artezanatos na “lojinha” dele.
Fui ver o que sobrou da pequena cidade velha e da antiga mesquita, e encontrei algumas mulheres fazendo um piquenique com seus filhos. Interagi com a molecada, fui convidado para um chá, mas se recusaram a tirar uma foto. Existe uma outra parte de Smara que tem uma mesquita antiga que está sendo reformada, mas assim como Tata, o mais interessante de ir para lá não é para ver as coisas, mas aproveitar e entender o lugar.
Foram menos horas de caminhadas e mais horas sentado num café olhando o que acontecia ao redor. A presença militar, carros blindados com grades nas janelas, e principalmente barulho de helicóptero a noite incomodavam a Bibi, e acabei desistindo de ir para Laayune, maior cidade da região, lá perto da costa. Tinha bons contatos lá, que renderiam ótimas conversas, mas a interação seria por internet mesmo.
Não tínhamos comprado as passagens de onibus com antecedência, e quando aparecemos lá para embarcar estava lotado. O jeito era esperar chegar pessoas para um taxi comunitário. Fiquei aprendendo a jogar Sig, um jogo de palitinhos coloridos, que quem tira “vaca”, “Cabra”(…) ganha, e quem tira burro perde.
Foi uma longa viagem pelo deserto, de volta para Tan Tan e depois para Goulimine, para só depois descansar na praia.
Ps- Já que falei de Tuaregs e “países que não existem”, em 2012 os tuaregs conseguiram a independência do Azawad, no norte de Mali.
Ótimo relato! Saudades dos amigos!
Valeu Alexandre. Fico em Ctba até dia 15/07. Vamos ver se nos encontramos!!
Abs
Parabéns pelo texto! Desperta a curiosidade.
Abraço,
Grande Demetrius! Vai no jogo hoje? O vídeo da Rota da seda ta quase pronto, vamos combinar um dia para vermos.
Abs
Fantástico! O verdadeiro turismo cultural. São lugares assim que me atraem.
Marcelo, que legal que vc ta vindo! Vamos ter muito para conversar!
Gui muita informação que traduzem vontade de interagir culturalmente, falar sentir e vivenciar com seres humanos locais, para saber …saber…conhecer…conhecer. Não sabia que tanta coisa …Gostei muito! bjs
A frente Polisário deve mudar sua estratégia e criar fatos novos para chamar a atenção do mundo para a ocupação ilegal do Sahara Ocidental pelo Marrocos. As resuluções da ONU precisam ser implementadas para que os saarauis decidam seu futuro.
Obrigado pelo comentário Marco Antonio.
Mas o que resta à Polisaário? Já tentaram a conversa, a força e mesmo assim parece que cada vez esquecem mais os direitos deles. O Marrocos se alinha cada vez mais ao Ocidente, e uma solução fica cada dia mais distante. Uma pena!
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