Depois de passarmos por regiões habitadas por curdos em diferentes países finalmente encontramos um lugar onde os curdos tem uma vida tranquila. Como não poderia ser diferente, no Irã. Não poderia ser diferente devido a vários aspectos. Desde que Ciro – O Grande, uniu o império Persa, há mais de 2500 anos atrás, a tolerância em seus domínios sempre foi bem clara. Os povos eram conquistados, mas podiam seguir seus costumes dentro do comando persa. Quando os Judeus foram libertados dos Babilônicos (e até mesmo antes), passaram a viver onde hoje é o Irã. Ate mesmo a mulher do Ciro era judia. Poucos anos atras Israel tentou levar os judeus iranianos para Israel (muitos fugiram após a revolução islâmica), mas eles se negaram a sair, pois criaram uma identidade de Judeus Persas. Cristãos armênios (dentre outros) também vivem na região e possuem certas regalias. Mesmo vivendo no Irã, podem consumir álcool (que é proibido para os muçulmanos . Ciro, chamado de Kouroush, tem origem Curda por parte da mãe que era uma Mod, parte dos arianos que originaram os curdos, e o Curdistão foi uma província autônoma por muito tempo. Se (ainda) não é possível ter uma nação Curdistão, pelo menos que sua língua tradição e costumes sejam respeitados (apesar de existir um preconceito contra eles, acharem que são “do mato, toscos”). Há quem diga que as minorias são tratadas como os persas pelo governo, ou seja, muito mal! Mas não deixa de ser melhor que nos países vizinhos.
Já estávamos maravilhados com as montanhas do Curdistão Iraquiano, e quanto mais nos aproximávamos da fronteira, mais a paisagem ficava bonita. Tivemos um pequeno problema quando nosso táxi infelizmente, atropelou uma mulher, mas acho que não foi tao serio assim e que ela vai ficar bem. Nosso companheiro de táxi era um Iraniano tipico, mega simpático e que não nos deixava encostar na carteira, seja para pagar os táxis almoço ou qualquer coisa. A pequena fronteira era um lixo, cheia de caminhões e lama. Na imigração foi tudo certo, foi só a Bibi amarrar o lenço na cabeça (obrigado por lei) e entramos no Irã.
Marivan, nossa primeira parada, ficava a poucos km dali. Era o primeiro dia de final de semana deles (quinta) e os hotéis tavam todos lotados. Acabamos ficando num bem simples e sujinho, para desespero da Bibi. Para balancear comemos um carneiro muito gostoso, depois de passear pela praça com velhinhos curdos jogando dama sentados no chão. Quando alguém falava inglês vinha direto perguntar se precisávamos de alguma coisa, nos davam boas vindas e por ai ia…
No outro dia cedo, fomos conferir a atracão da cidade, o lago Zarivar. Tava bem quente, e ainda com a conduta das roupas femininas para cumprir, já imaginávamos que não daria para tomar banho. Muitas pessoas passeando, fazendo piquenique, cantando. Vimos a primeira mulher sem véu, mas com ele no pescoço para colocar se alguma autoridade aparecesse. Na água só pedalinhos, e um ou outro tomando banho, todos homens. Curtimos o visual, mas tava muito quente. Resolvemos buscar uma sombra, nas arvores do outro lado do morro. De longe já dava para ver que tinha mais gente fazendo piquenique, desta vez curdos com suas roupas tipicas. As mulheres usam roupas coloridas, ora lembrando saris indianos ora ciganos. Fogueira, rede, musica e muita dança tipica. Sentamos e ficamos olhando de longe. Não demorou para uma família chegar e nos adotar. Conversamos, rimos, dançamos A chuva chegou e nos amontoamos no carro deles ate a comida ficar pronta. Depois de um dia inteiro juntos, ainda fomos para casa deles, jantamos, tomamos chá e queriam que ficássemos lá.
Marivam e muito agradável mas queríamos um lugar ainda menor, como uma vila. Howraman não e tao longe em distancia, mas a barreira natural mostra porque a cultura curda conseguiu sobreviver tao bem através dos anos. A cidadezinha, pendurada na montanha, fica isolada do mundo durante o inverno, devido a tanta neve. Mal tínhamos botado as mochilas no chão e uma família já pediu para tirar fotos. Eles eram da capital do Discursista Iraniano, e estavam la aproveitando o feriado, data comemorativa da morte de Fátima mulher do Imam Ali e filha do profeta Maomé Não deu tempo de pensar, e já estávamos indo para mais um piquenique, com varias famílias num lugar sagrado, de frente para a vila, e com vista para as montanhas. Total momento celebridade, ganhamos mais presentes, e queriam porque queriam a Nossa Senhora da Bibi. Como já comentei anteriormente, tem um capitulo só para Nossa Senhora no Corão Foi muito legal, e a despedida comovente. Só faltavam chorar. Carros lotados com pessoas abanando para nos e buzinando. Um dia muito legal, e com muuuuita comida!!
O lugar e parado no tempo. Não cansávamos de andar pelas montanha, curtir a vista, ir ate a mesquita olhar os locais com seus trajes típicos se encontrarem no final de tarde. Lá embaixo da montanha passa um rio, com água de desgelo e muito verde ao redor.
Conhecemos uns iranianos de Teerã Uma delas e cineasta, e fez um filme na região Nos ajudaram a traduzir o cardápio e acabaram nos convidando para ir ate a casa que tinham alugado. Nem uma semana de Ira e vimos que para os iranianos modernos existem duas personalidades. Entrando na casa, roupas são mudadas, lenços tirados da cabeça e garrafas de wiskey e vodka aparecem do nada… Conversamos bastante, bebemos um pouco, e ficamos de entrar em contato quando fossemos para Teerã.
A Bibi estava apaixonada pelo lugar, queria morar la. Mas temos data fixa de entrada para os próximos países, então não poderíamos ficar mais de um mês no Ira. Pegamos a estrada de terra pelas montanhas para Pavet. Passamos por diversas vilas, vales, penhascos numa região incrível. Realmente não dava vontade de sair dali. Pavet já e uma “cidade grande”, com uns 20 mil habitantes. Se eu contar que em 5 minutos que chegamos la, já tinha uma família convidando para um piquenique, e que fomos para a casa deles depois, vcs acreditam?
Acabamos alternando os planos novamente, e em vez de irmos para Kermanshah, voltamos para Howraman, desta vez pela estrada de asfalto que beira a fronteira com o Iraque. Estrada que também e bonita, com calotas de gelo que ocupavam meia pista em alguns lugares. Ficamos na casa do Omid, que tinha ficado de arranjar um quarto para alugarmos, mas acabou nos convidando para ficar na casa dele mesmo. As casas simples da região não tem nenhum móvel so tv e cozinha, se dorme no chão que e todo coberto de tapetes. Sapato dentro de casa nem pensar. Tem chinelo para o banheiro, e outro para a casa se quiser.
O Omid tem uma historia de vida que poderia ser filme. Durante a guerra Irã-Iraque a região ficou no meio do conflito, e ele se perdeu dos seus familiares quando fugiam pelas montanhas e acabou no Iraque, sozinho, com 8 anos. Trabalhou servindo chá juntou dinheiro para ir para a Turquia, roubaram todas as suas economias, ficou perdido no meio do nada, foi para Baghdad, trabalhou mais, conseguiu ir para a Turquia, trabalhou mais, foi para a Grécia depois de barco para a Itália deportado, tentou de novo, entrou clandestino dentro de um caminhão contêiner, pegou trem para a Franca e em seguida para a Suécia. Falaram que não estavam aceitando refugiados, foi para a Alemanha, onde não teria liberdade, foi para a Inglaterra, onde o aceitaram como refugiado. A estas alturas já tinha 18 anos.Viveu 12 anos la, achando que sua família tinha morrido. Conheceu uma brasileira de londrina-pr, e casaram. Tiveram um acidente de carro e ela morreu. Ele foi para o Brasil para seu enterro, descobriu que os pais estavam vivos, e 22 anos depois voltou para Howraman! Hoje ele tem uma marcenaria, esta casado e tem uma filha. Você tem coragem de reclamar da tua vida?
Aproveitamos mais Howraman, e seguimos estrada para Sanandaj, Hamadan, sempre encontrando pessoas muito bacanas, até chegar em Tehran, onde os nossos novos amigos nos esperavam.
Ps- Tanta gente interessante, historias, mas tem que escolher o que contar. Acabei nem falando do dia que A Bibi esqueceu de colocar o lenço na cabeça, e das pessoas me criticarem por dar pouco ouro para ela, mas fica para uma próxima.