Já viajei algumas vezes a trabalho. Já fui para os EUA, Franca, Chile, Hungria e Romenia, alem de varias cidades do Brasil. Tive oportunidade de ir para alguns destes lugares a lazer tambem, e claro que e bem diferente. Existem varias maneiras de se viajar e a trabalho e uma delas, assim como turismo, pacote, férias, intercambio, estudo, mochilao. A maior vantagem de viajar a trabalho e ser tudo pago e a pior e a que voce tem um vinculo com o lugar, portanto um relacionamento, e uma provavel visao unilateral. Mas sempre e possivel aproveitar. Em viajens-trabalho anteriores, quando foi possivel, prorroguei as datas de volta e fui mochilar, fazer snowboard, ou simplesmente conhecer mais os lugares.
Eu já estava trabalhando, estudando, alem de envolvido com outras atividades, relativamente informais, mas apesar da flexibilidade estava bem ocupado. As possibilidades de trabalho formal eram negadas na hora. Não queria me envolver com empresas, pelo menos não agora. Foi quando surgiu uma possibilidade de realizar um trabalho no Amapa. Eu quase que não queria escutar a proposta, de tao empolgado que fiquei de voltar para a estrada. A proposta era boa, o trabalho bacana, mas para colocar os pes na regiao norte do pais, unica que não conhecia ate o momento, confesso que isto era de menos.
Foram tres semanas no Amapa, e claro que trabalho e trabalho, e acabamos nos envolvendo no dia a dia. De qualquer forma meus olhos parecem estar treinados, continuo e sempre serei um grande curioso, e as comparacoes do que via com experiencias anteriores, ou futuras, eram inevitaveis.
Na minha chegada a pacata Macapa, fui comer um delicioso peixe na beira do rio Amazonas. Se eu já conhecia o rio mais longo do mundo, o Nilo, agora era a vez do mais volumoso. Ao avistar os primeiros barcos com redes, lembrava das viagens relatadas por amigos da estrada, que vieram do Peru ate o atlantico navegando o rio Amazonas. Ainda não seria desta vez, mas a coceira so aumentava…
De carro alugado, passamos pele linha do Equador (que ja tinha cruzado no Quenia, Uganda e Indonesia), pegamos a surpreendentemente bem asfaltada estrada (somente com alguns desvios) ate bem proximo a cidade de Amapa, a 300 km ao norte, metade do caminho ate o Oiapoque – divisa com a Guiana Francesa. Da estrada segue por um “ramal” de terra, e logo se chega a pequena cidade (uns 10 mil habitantes), que e uma das maiores do estado.
Tem banco do Brasil (que ficou uns dias fora do ar), um posto de gasolina (onde o litro custa R$3,10) e ate uma lan house. Varias pousadas, onde as melhores tinham um padrao muito parecido com as que ficavamos na India. Simples e limpas, porem com uma diferenca: aqui custavam dez vezes mais do que la! Os precos em geral chamavam a atencao. Quando se imagina uma regiao pobre, costumamos pensar que e tudo barato, mas não e bem assim. Tinhamos percebido isto na Africa em geral, alem de regioes que não produzem, e tem que “importar” tudo, elevando muito os precos. As unicas coisas que são baratas aqui e a carne, peixe e acai.
Fui muito chamado de Doutor por aqui, mas para os que ficaram mais amigos o apelido foi inevitavel, “Branco”. Terra em que algumas feicoes lembravam a Indonesia, outras a Tanzania, mas poucas o Brasil onde moro. So me fez lembrar de como eu falava para a Bibi da importancia de tomarmos cuidado de quando falamos do Brasil no exterior. Nao podemos generalizar o Brasil falando da regiao (pequena) onde moramos, ciclo de amigos, etc. Um dia me perguntaram se eu era frances, pois acharam que eu tinha um sotaque engracado, alem de um rosto nem um pouco tipico da regiao. Cai na risada!!
Se voce pensa que não conhece nada do Amapa esta enganado. Duvido que nunca tenha visto um programa ou lido uma reportagem sobre o encontro das aguas, a famosa pororoca. Pois e, acontece aqui (no Para tambem). Aquela grande, acontece em periodos especificos, na epoca de cheia e com influencia da lua. Proporcionam ondas gigantes, que vem derrubando arvores, e agora o pessoal ta ate surfando. Mas os encontros menores acontecem todos os dias, os rios da regiao tem mare, e a nevegacao por eles tem hora marcada.
Eu tive que ir ate uma regiao alagada, onde o gado fica no “verao” (no norte so tem duas estacoes: verao e seco, inverno e chuvoso), e para chagar la so controlando pela mare. Mesmo assim, chegamos antes da hora, e o canal estava seco. A solucao foi botar o pe na lama (ate a metade da canela) e seguir caminhando, com rede e mochila nas costas. Lembrava da caminhada no Laos, quando tambem nos deparamos com o Mekong seco. Ja a preocupacao com as arraias, me fez voltar a Socotra, onde contei dezenas em uma curta caminhada. O lugar tinha menos de 10 casas. Nenhum comodo tem cama, mas as redes se interlassam, abrigando familias inteiras. Por sorte, neste final de semana tinha um arraial, que so acontece uma vez por ano, e tinham algumas festividades. Campeonato de futebol, festa na pequena capela, com direito a leilao de doces, objetos e animais para levantar fundos. Teve tambem uma corrida de cavalos. Todos sem cela, sem freio, so com uma corda. Quando me perguntaram se eu montava, falei que sim, mas que fazia tempo. Quando subi no cavalo, ele ja disparou, e nao e aquela moleza de quando se tem redea com freio. Mas foi divertido. Um dos cavalos pisou numa garrafa, cortando a pata. Tem muita garrafa de vidro jogada, pois o pessoal e bem chegado numa cachaca. Alias, muitos dos que competiram estavam bem bebados, mas nao pareceu atrapalhar a performance. O lixo e jogado no chao, sem nenhuma preocupacao.
De volta ao trabalho, nao aconteciam tantas coisas diferentes, mas o dia a dia nos proporcionam informacoes interessantes. Como a paixao por farinha. Comem farinha com tudo. Sao capazes de trocar o feijao do prato por farinha. E a necessidade de ter a sencacao de estar satisfeito, mesmo que nao alimente. O mesmo acontecia na Africa com o Ugali (especie de polenta, presente em todas as refeicoes). Aqui ate acai se come com farinha, acreditem se quiser!!
Fazia muito, mas muito calor. Calor umido. Os insetos tambem castigaram. Levei mais picadas do que em 18 meses de viagem. Mas nao foi desta vez que pegaria malaria. Se fiquei imune tanto tempo sem tomar nada, nao seria aqui que isto aconteceria. Ate tem malaria nos municipios vizinhos, mas nao onde eu estava. O mesmo nao se pode falar de parasitas que vem com a agua. No meio do mato, a unica agua disponivel e a do rio, ou na melhor das hipoteses a de um poco. Naquele calor, agua boa e agua fresca. Se bem que o pessoal reclamava na fazenda quando nao levava agua gelada. Sao viciados em gelo, exatamente o oposto da India, onde mesmo no calor, consumiam bebidas quentes.
Dificil saber que estava tao perto da Ilha de Maraca, Oiapoque/Guiana Francesa, reservas Indigenas, Parque nacional do Cabo Orange, sem poder ir para estes lugares. De qualquer maneira o gigantesco quebra cabecas vai se fechando, e quem disse que nao vou voltar?