Mesopotâmia, do grego “entre rios”. Lembra aquela historia de que o homem era caçador e coletor, ate encontrar uma área fértil entre os rios Tigre e Eufrates? Pois e, o homem se organizou numa sociedade ali. Vestígios de cidades de 10 mil anos foram encontrados na região. Civilizações importantes se formaram (Sumérios, Assirios e Babilônicos entre outros), deixando “pequenas” heranças dentre elas a escrita e a roda…
Ainda no Curdistão Turco encontramos no ônibus um cara que falava bem inglês Mostrou musicas da sua banda e nos deu algumas dicas sobre as próximas conexões que teríamos que fazer. Seu amigo seguiria o mesmo caminho que nos, então já tínhamos encontrado alguém para dividir os táxis comunitários até Dohuk.
Carimbamos a saída da Turquia e logo estávamos na imigração do Curdistão Iraquiano, uma região autônoma e segura ao norte do Iraque. O plano inicial da viagem era seguir da Turquia para Georgia e Armênia, mas com o atraso da saída do Brasil, e em Istambul, acabamos mudando os planos. Com um pouco de pesquisa, e ao descobrir que até algumas mulheres sozinhas viajavam para esta região semi-independente do Iraque, nem ficamos tristes de alterar os “planos” (que de qualquer maneira sempre se alteram…). A imigração foi super tranquila, com um saguão com poltronas confortáveis, e uma pessoa só para servir chá. Foram simpáticos e atenciosos, só perguntaram para onde estávamos indo, e explicaram que a validade do carimbo (gratuito) de entrada era de 10 dias, mas que poderia ser estendido em qualquer posto de imigração.
Trocamos dinheiro na cidade de Zako, que tem uma antiga ponte de pedra como atração, e com outro taxi comunitario fomos até Dohuk, que e cercada de montanhas. Logo na chegada percebemos que teriamos uma grande dificuldade pela frente – a comunicação. Como se já não fosse suficiente ninguem falar ingles, eles não entendiam a nossa escrita, entao de nada adiantava ter nomes de hoteis escritos num papel. Perdemos um bom tempo nesta historia, e rodamos a cidade inteira ate achar um dos hoteis, que para triste surpresa, não tinha nada a ver com a descricao que tinham me passado. Ok, tinha ante sala e tv a cabo (satelite), mas era um muquifo, so o preco era bom. Como já tinhamos perdido muito tempo, decidimos passar a noite lá, e procurar outro hotel no dia seguinte. Quando o chuveiro não funcionou e não veio agua quente tudo parecia perdido. Mas para controlar a furia da Bibi, esquentei água na nossa chaleira eletrica e aos poucos enchi uma bacia para ela tomar banho. Ufa, sobrevivi!!!haha
Muitos restaurantes já estavam fechados, e ao caminharmos aleatoriamente para achar uma boa opção um cara falando um bom inglês se ofereceu para nos ajudar. Nos levou num lugar bacana e gostoso ali perto. Ele tinha aprendido inglês com soldados americanos quando ele morava numa cidade mais ao sul do pais. Seu apelido era Hollywood, e o sonho dele era ser ator. Usava umas roupas toda estileira, um figura! Batemos papo e já conseguimos algumas informações importantes do lugar.
Fomos numa represa, no memorial Curdo, num parque, mas o que mais gostamos mesmo foi do mercado local. Todas estas coisas novas são bem artificiais, e de certo mau gosto. Uns chafariz, luzes, sei la… Mas o mercado mostrava a verdadeira tradição Curda, pessoas com suas roupas tradicionais para cima e para baixo, tomando chá ou no seu dia a dia. Curtimos o clima da cidade, tomamos chá vendo Rambo 2 junto com os “tiozinhos”. Numa noite um senhor alemão se sentou com a gente. Ele, com 75 anos estava viajando sozinho pela região. Depois de muito bate papo descobrimos que era padre, e que estudava liturgias orientais. Deu dicas de vilas cristas na região e demos muita risada juntos (as custas do que os alemães e brasileiros imaginam da região, e o que ela realmente é).
Já no novo e bom hotel (garantindo minha integridade física – e o banho da Bibi), um dia deixei a Bibi na porta de entrada, e fui procurar uma internet. Era um recepcionista novo, não o que tinha nos atendido antes. Bem, o cara ligou varias vezes para o quarto, ofereceu chá, e depois se declarou para a Bibi, falando que ela e linda e que ele amava ela. Quando voltei ela me contou, e eu fui furioso tirar satisfações Em segundos o cara que mal falava inglês estava ajoelhado, e beijando meus pés pedindo desculpas. Alternava beijando minha mão e implorando. Falei que ia pensar e para ele rezar bastante. Subi para o quarto e logo ele bateu na porta de joelho, implorando novamente. Fiquei com pena e disse que ele estava perdoado, mas que se fizesse isto de novo com outra mulher, Allah não o perdoaria… Acabei ate ficando com pena dele haha.
Em vez de ir direto para Erbil, fizemos um caminho mais longo, por estradas secundarias, ate a cidade crista de Diana. Toda esta região do Curdistão Iraquiano e linda, cheia de montanhas e cânions. Tivemos azar que estava chovendo boa parte da viagem, o que atrapalhou bastante. O problema de comunicação continuava, e não entendiam para onde estávamos indo e por que, dentre outras coisas. Mas um iraniano que dividia o táxi e que nada tinha a ver com a historia, não sossegou ate não ligar para um conhecido que falava inglês e traduzir tudo para nos. Organizou um restaurante, negociou táxi ate Erbil e so depois seguiu viagem.Uma pequena previa da simpatia do povo iraniano que tanto tínhamos ouvido falar.
Foi um dia longo, passamos por mais diversas vilas até chegar na capital da região Erbil. Claro que não entenderam onde queríamos ir. Mas como existem placas bilíngues conseguimos chegar ate a citatel. Ficamos num hotel bem de frente para a a fortificação Esta região e continuamente habitada ha pelo menos 7000 anos. Um “pouquinho” de historia aconteceu por aqui também Outro importante mercado, uma região famosa pelos seus tapetes. Chamou a atenção tapetes expostos com figuras de Cristo, Imam Ali (primo e genro do profeta Maomé, a quem os Shiitas seguem) e o Imam Hussem. Os Curdos são muçulmanos sunitas, mas como foram muito perseguidos, e talvez por sua própria tradição, são bastante tolerantes. Essa tolerância foi citada diversas vezes,e com a busca do reconhecimento de sua nação, a harmonia só deve aumentar.
Tomando uns sucos e vitaminas coloridas tivemos a noticia da morte do Bin Laden. Tentávamos ter mais informações mas demorou uns dias ate entendermos direito o que aconteceu. Eles comemoraram o acontecimento, pois são aliados dos EUA/Inglaterra, que os protegeu do Sadam Hussem.
A Bibi tava cansada de comer o “comercial de frango” local ou Kebab, e fomos num shopping chique da cidade. Lojas de marca, musica, igual a qualquer lugar. Na hora de pagar a comida vi que tava sem dinheiro suficiente (pois pediram para eu pagar o hotel quando tava saindo), e acabei cancelando o meu pedido. Eles não aceitam cartão de credito, e sei lá porque eu tava sem dólares de reserva. Acabaram servindo não só a refeição da Bibi que eu tinha pago, como também a minha. Só para vocês terem uma ideia da hospitalidade Curda.
No dia em que fomos para Sulaymania, inacreditavelmente o táxi saiu logo, sem que tivéssemos que esperar muito tempo por outros passageiros. Optamos por não ir de ônibus pois passaríamos por Kikut, já em território Iraquiano. Regoai rica em petróleo com labaredas de gases queimando ao longo da estrada. Vários controles de passaporte, mas sempre aquela alegria ao vermos que eramos brasileiros.
Sulaymania e uma cidade bastante agradável e inacreditavelmente conseguimos ir direto para o hotel que queríamos. Andamos pela cidade, e fomos ate o museu Anma Sukara. O museu fica numa penitenciaria onde a equipe do Sadan torturava os curdos. Fotos, encenações de tortura e um cemitério de tanques. Clima bem pesado, como vocês devem imaginar. A visita guiada fez toda a diferença Soldados pediram para tirar foto comigo, e demos umas risadas falando as palavras em curdo que já aprendemos.
Depois de tantos táxis finalmente estávamos novamente num ônibus passando por paisagens lindíssimas ate chegar na cidade de Halabja. Esta cidade foi o centro da resistência curda contra o Sadam Husem. Em 1988 o governo iraquiano fez um ataque com diversas armas químicas matando milhares de curdos. Um memorial foi erguido para explicar tudo que aconteceu neste, e em outros ataques aos curdos, e as consequências Alguns sobreviventes trabalham hoje no local, e novamente não preciso comentar que as fotos são fortíssimas. Da vergonha do que o ser humano é capaz de fazer.
Preparando para sair do hotel, encontramos um casal de canadenses que estavam viajando de moto. Passaram 8 meses na estrada, por diversos países europeus ate chegar na Turquia e Curdistão Iraquiano. Para eles a highlight da viagem tinha sido ali, e tem gente que ainda tem medo do oriente…Encontramos um turista no mercado de Dohuk, o Padre alemao, um casal inglês (perto dos 80 anos) em Erbil, alem dos canadenses. Mesmo podendo ser tratados como novidade, sentimos que estávamos viajando invisíveis Pouco olhavam ou reparavam em nos, só quando nos aproximávamos, ou iniciávamos o contato.
– Mais sobre o Curdistão Iraquiano: Bem, o Sadan era um doido varrido. Atacava as minorias, fossem elas Cristas, Yazd, Shiitas ou Curdos (alem de matar ate parentes). Depois dos ataques com armas químicas os Curdos tentaram reações mas cada vez eram mais massacrados. Mais de 180.000 curdos foram mortos, e por pouco um genocídio não aconteceu. Milhares fugiram para as fronteiras do Irã e Turquia para se salvar. Com a ocupação americana no Iraque, os curdos puderam voltar a ter segurança Hoje o presidente do Iraque é um Curdo, e o Primeiro ministro muçulmano Shiita. Quem não ficou nem um pouco contente com esta distribuição foram os Árabes Sunitas. E por isto o caos continua, e Baghdad, que já foi umas das cidades mais ricas e cultas do mundo, fica para outra viagem…O Curdistão Iraquiano segue na tentativa de, quem sabe no futuro, um referendo, para poder se separar definitivamente do Iraque. Mas as coisas não são tão simples. A Otam com certeza apoiaria, para ter um aliado numa região tao importante como o Oriente Médio. Porem os vizinhos, Síria Turquia e Ira, não gostariam nada de abrir um precedente para separações de suas regiões curdas. Se estes detalhes já não fossem o suficiente, regiões com grandes reservas de petróleo ficam bem no meio de onde seria a fronteira deste novo pais. Independente ou não, Curdistão esta num bom caminho, e vimos muitas lojas e comércios sendo abertos, alem de pessoas que tinham voltado da Europa para aproveitar as novas oportunidades da região.
Que tudo de certo… Boa sorte!!!