Pois é, minhas viagens a trabalho tinham rendido milhas, e eu tinha que virar pois estavam para vencer (difícil, não?!). Pensamos em ir para o nordeste mas a Bibi arrumou um curso e eu tive que inventar alguma coisa sozinho mesmo.
Emitir passagem com milha é um saco, nunca tem as datas que você quer, é demorado e ainda te mandam com umas conexões malucas.
Eu fiz Curitiba-São Paulo- Brasilia (poderiam ter mandado Cwb-BSB direto!)- Boa Vista (com escala em Manaus). Um amigo meu da epoca da faculdade mora lá e foi me buscar no aeroporto, apesar de já ser tarde da noite. Demos uma volta pela cidade, que me pareceu bem ajeitadinha. Não se contentando só com a engenharia, ele montou uma chopperia que acabou caindo no gosto do pessoal. Infelizmente estão mudando a Chopperia Mineira de lugar, e não pude conhecer. De qualquer maneira tomamos uma e batemos um papo, pois já fazia mais de 10 anos que não nos encontrávamos. Gente finíssima, aquelas pessoas que parecem um personagem de livro.
Mas Boa vista era só um ponto de partida. De manha fui para o terminal, para pegar um transporte até a divisa com a Venezuela. Não tinha nenhum ônibus, mas um taxi comunitário estava quase completo. Mal deu tempo de comer um cuscus com carne e tomar um café e já estavamos saindo.
O ar era úmido, pegajoso, dava para sentir tanto na pele como na respiração. Umas duas horas depois estava em Pacaraima. Uma pequena cidede de fronteira, mas que é um paraiso de compras para venezuelanos. Algumas lojas com nomes em espanhol, e muitas sacoleiras fazendo compras. Com a greve da policia federal, não tive como atravessa a fronteira. Me informaram que só abririam das duas até as quatro da tarde. Já fui pesquisar sobre o cambio, e os valores oferecidos estavam muito bons. Fiquei um pouco desconfiado, pois era cerca de 25% a mais do que pagavam no mês anterior. Na Venezuela o cambio negro vale mais de duas vezes que o oficial, e varia bastante. Pesquisei em varios lugares, e o valr era aquele mesmo, um real para cinco ponto três bolivares. Como o cambio estava melhor para Reais, resolvi sacar dinheiro e guardar os dólares.
Apesar do calor dei uma caminhada, mas logo me sentei. A hora do almoço se aproximava, e barraquihas ofereciam uns prato feito a preços convidativos. Não demorou muito e um senhor que almoçava com sua esposa já me ofereceu agumas bananas e engatamos num longo papo. Ele é de família indígena, da tribo Macixi. Contou de como é a vida na sua reserva, perto de Taboca, e a influência que o ” homem civilizado” trouxe para a vida deles. Um casal muito gente boa, e depois de umas horas de conversa, insistia para eu ir com eles conhecer sua região. Contou que tem alguns garimpos lá, e por isto o pessoal sempre tenta invadir. Quando pedi para tirar uma foto deles, ele orgulhoso tirou da sacola um chapeu, que tinha acabado de comprar.
Já com a fronteira aberta, carimbei minha saida (sim, por aqui carimbam tua saida do Brasil!) e caminhei até a imigração da Venezuela. Na metade do caminho um posto de gasolina, com uma longa fila. A Venezuela tem uma das gazolinas mais baratas do mundo, menos de 20 centavos de Real o litro. Como havia muito contrabando de combustível, resolveram instalar um posto no meio do caminho, com preços intermediário.
A imigração foi super rápida, e antes de apelar para um taxi comunitário, decidi tentar pegar carona, já que todos os carros tem que diminuir ao passar pela imigração. Não foi difícil, e logo eu estava numa caminhonete ford caindo aos pedaços, escutando as histórias de um chavista entusiasta…
Ele me deixou no centro da cidadezinha de Santa Elena de Uairen. Dei uma rapida caminhada, mas seguindo seu conselho, fui até a rodoviária perguntar sobre as passagens. Sâo só três ônibus por dia, e com estavam no final das férias escolares, existia grande chance deles estarem lotados.
A rodoviaria fica afastada, tinha um grande salão e varios guiches vazios. Placais indicavam que estavam abertos, mas não tinha ninguém Perguntava para as poucas pessoas que apareciam, mas não sabia de nada. Alguns passageiros também esperavam por alguma notícia.
Bem, restava esperar, e pelo menos ali dentro estava mais fresco. Espichei as pernas e peguei meu livro. Não consegui nem terminar o primeiro capitulo e um soldado me pediu os documentos. Tinha um balcão onde eles fazem revistas, mas quando me lavaram para uma sala vi que teria problemas. Enquanto um revistava minha mochila, o outro ia me perguntando quanto de dinheiro que eu tinha, para eu mostrar tudo, pois iam me revistar, tirar meu sapato…
Ai iniciava um grande jogo de poker. Não sei jogar direito, mas sei blefar, não levariam meus trocados tão facilmente…
Ele contou meus dólares e perguntou onde comprei. Respondi que no Brasil.
– Cade o recibo?
– Não tenho. Ficou no Brasil.
– Como vou saber se é teu se não tem recibo. Se você tem um carro, tem que ter um documento para provar que ele é teu. O mesmo acontece com dinheiro…
– Mas mostrei o dinheiro para o oficial da imigração, e ele disse que não tinha problema. Podemos voltar juntos e falar com ele.
– Não, não precisa. Perai, esta nota e falsa!
– Não pode ser, peguei diretamente no banco no Brasil, não em casa de cambio. Podemos ir até o banco na cidade para eles confirmarem que é verdadeira…
– E estes bolivares, trocou onde?
– No banco.
– Acho que você trocou no cambio negro. Cade o recibo?
Fiz que procurava o recibo e falei: Não estou encontrando, mas vamos até o banco comigo pois tenho certeza que vão lembrar de mim.
– E você não tem nenhuma droga ai? Tem muito trafico de pedras preciosas por aqui também… Porque viaja sozinho?
– Não to viajando sozinho, to indo encontrar com um amigo meu. (E mostrei o telefone do meu tio que mora em Caracas. ) Quer ligar pare ele?
– Olha aqui, não queremos problemas. Você esta sem alguns recibos importante. Você deixa um presente para a gente e te deixamos ir, ok?!
– Amigo, eu sei que não fiz nada de errado. A Venezuela acabou de entrar para o Mercosul. O turismo vai aumentar, isto vai melhorar a economia local…Blablabla…
– Vai chorar? Paga só um jantar então!!
– Eu tenho que pagar? Se tiver eu pago, pois vocês tem armas (querendo dizer, vocês estão me roubando), e o que eu vou fazer quanto a isto?! Mas não gostaria de pagar pois estou com o dinheiro contado e sei que não fiz nada de errado…
– TABOM, pode ir!
Quarenta minutos depois estava eu saindo, sem pagar nada. Eles jogaram o famoso jogo de um ser o bonzinho e o outro o malvado. Não contaram com minha paciência.
Mas paciência tem limites. O Bonzinho veio dizer que não tinha mais ônibus naquele dia, nem para o dia seguinte no almoço. Mas que como ele dormiria ali, poderia conseguir uma passagem para mim quando abrisse a rodoviaria. Agradeci e disse que provavelmente voltaria para o Brasil.
Ali tinha terminado qualquer duvida se eu conheceria a região da Gran Sabana. É uma das regiões mais bonitas do país, um ecossistema único, sem falar no Monte Roraima, mas eu estava farto, e queria sair o quanto antes dali para não ter que encontrar com os soldados novamente.
Os dois onibus chegaram no final da tarde e estava lotados. Ainda tentei falar diretamente com o motorista, dizer que estava sozinho, caso sobrasse algum lugar. Ele me apontou para diversas pessoas que também estavam sozinhas e tinham ido falar com ele.
Já pensava em ir procurar um hotel, quando apareceu um cara que iria até San Felix, mesma direção que eu queria ir. Ele tinha que viajar de qualquer maneira, e me cobrou a passagem do onibus mas o valor de pendurar uma rede num hotel barato. La fomos nós, viajando a noite inteira pelas ótimas estradas da venezuela. Muitas paradas de controle do exercito, revistaram minha mochila outras vezes mas sem tentativa de corrupção.
Além de não ter conhecido, sinto por não ter visto a paisagem da região, mas a vontade de sair dali falou mais alto. Chegeui em San Felix antes do amanhecer e já arranjei um transtorte, agora mais rápido, até Ciudad Bolivar.