Kerepakupai Vená (Salto Angel)

Gosto muito mais do nome indígena, Kerepakupai Vená, do que Salto Angel. Mania de homenagear colonizadores, como se tivessem descoberto algo. Muito Eurocentrismo!

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É daqueles lugares que sempre fizeram parte da minha imaginação. Como seria chegar até lá?! Exploradores levavam semanas navegando por rios a andando a pé pela região, enquanto tribos viveram por milênios nas redondezas. Hoje está tudo mais fácil, e com um pouco de disposição, e dinheiro não é muito difícil de se chegar lá.

Esqueçam os barcos, não existe um transporte pelos rios. Tem que pegar um avião mesmo. E eles são bem mais frequentes do que se imagina.

Cheguei em Ciudad Bolivar ainda pelo amanhecer, e fui direto ao aeroporto para ver como que fazia para chegar até a aldeia de Canaima, ponto de partina para chegar até o Salto Angel. Uma meia duzia de agencias de viagem organizam os pacotes. Existem alguns padrões diferentes de acomodações e serviços, mas os mais procurados são os simples mesmos (que não deixam de ser caro!).

Quem tem medo de avião?

Praticamente três grupos recebem os viajantes que querem viajar de uma forma econômica. Tiuna Tours, é provavelmente a mais barata porem mais podrinha. A Kavak que tem recebido o maior numero de pessoas, tem o melhor serviço das três, porem a acomodação fica na vila, que está mais para aldeia turística que indígena. A Bernal é intermediaria das duas outras, mas fica numa ilha, de frente para cachoeiras, lugar infinitamente superior as outras, e com acesso a caminhadas e cachoeiras.

Um passeio de três dias, que na verdade são dois dias e meio, vão te custar algo em torno de 3000 Bolivares, pensão completa, com as passagens de avião inclusas(1 Real = 5,3 bolivares no cambio negro). Se fizer tudo por conta, comprar tudo separado, vai economizar uns 10%. As passagens estão 600 bolivares por trajeto para estrangeiros. Ao chegar lá, quando negociar preços, cuidado para não explorar ninguém, já que os custos no local são altos, pois quase tudo vem de avião.

Existem também uma ou outra pousada mais estruturada, sendo que a melhor de todas é o Waku Lodge. Não tenho nem ideia dos preços, mas sei que tem até um cara fantasiado, só de canga e cocar, esperando os vôos chegarem, para dirigir o jipe até a pousada. Vergonha alheia total! E a gringarada tirando fotos dele adoidado. Imagino ele acordando, tirando a roupa para colocar seu uniforme de trabalho todos os dias…

Para quem quiser economizar mais, chegando em Canaima, não é tão difícil de conseguir alguém para lugar um quarto. Você pode também acampar gratuitamente, só precisa solicitar um “permit”. Mas isto vai gerar algumas dificuldades, tendo em vista que a ida até o Salto Angel depende de barcos, e são gerenciados por operadoras de turismo.

Bem, ainda em Ciudad Bolivar, se eu estava preocupado se teriam outros passageiros para pegar o avião comigo, logo vi que não teria problemas. Varios turistas chegaram, e lotaram alguns aviões. Todos pequenos, para cinco passageiros, com suas janelinhas que ficam batendo na decolagem. O voo demora uns quarenta minutos, sobrevoando regiões muito bonitas, mas incrível mesmo é quando chega em Canaima, com suas Tapuys (tipo Table mountains), rios e cachoeiras ao lado da vila.

Chegando em Canaima

Como comentei, não é mais uma aldeia, é um lugar voltado para o turismo. Índios de outras regiões foram contratados para atender tantos visitantes. Tem até um caixa eletrônico!  Mas a beleza do lugar e arredores compensa a falta de originalidade e estilo do lugar. Tem uma lagoa e varias cachoeiras. Da para tomar banho, fazer caminhadas, passar por trás do salto El Sapo e ir mais além.Mas quem optar por fazer tudo sozinho, tem que tomar cuidado com os horários, pois quando chegam os grupos os lugares ficam um inferno!

Mas aqueles antagonismos da vida, vai fazer com que você, viajante independente, dependa de um grupo para poder chegar até o Salto Angel, a não ser que tenha dinheiro suficiente (ou amigos suficientes) para pegar um barco. Como não tinha dinheiro nem amigos, me juntei a um grupo, formado de cinco venezuelanos e um argentino.

São aproximadamente quatro horas de barco, na verdade uma canoa motorizada, não muito confortável. Alguns lugares o rio chega a formar pequenas corredeiras, sendo que existe até um momento que descemos da canoa e fizemos um percurso a pé. A viagem é muito, mas muito bonita. As curvas do rio, as montanhas com suas cachoeiras, todo o clima. No final do trajeto, quase nem deu para reclamar da chegada da chuva até porque já tínhamos nos molhado um pouco pelo rio mesmo.

Pelo rio

A primeira vista do Kerepakupai é de longe, mais uns 40 minutos de caminhada mata a dendro, e chegamos a um mirante de frente para a quada d’água. Ninguém ousa falar. Palavras não combinariam. O silencio sim, diante daquele paredão, daquela vista. O sentimento de ser pequeno, diante não só do tamanho como da beleza do lugar.

vista também para os outros lados

Ficamos num acampamento do outro lado do rio, com vista para a cachoeira. Uma estrutura simples, apenas com algumas redes e dois banheiros. Banho, só de rio.

Dormitório

De noite escutamos ótimas histórias e lendas indígenas que o guia contava. Desde praticas antigas até sobre os espíritos da floresta e chamanismo.

Todos já pareciam cansados, prontos para dormir quando passaram a falar das eleições que se aproximavam. O grupo estava dividido entre partidários do Capriles (oposição do Chaves) e os desacreditados(com quem me identificava), que também votariam na oposição, mas não acreditavam que teriam uma grande melhora com isto.

Foi legal de conhecer pessoas de classe social mais elevadas, para escutar seus pontos de vistas, já que só tinha tido contato com chavistas até ali. Inacreditável como os discursos são exatamente contrários. Eu como sempre, tentava mostrar o outro lado. Se para  chavistas meu tom era de que uma mudança era necessária, que longos governos só prejudicariam o sistema, para os  Capriles eu questionava se realmente tudo era tão ruim assim. Só para escutar como reagiam. Eu não consigo acreditar numa pessoa quando ela vem com um discurso muito radical, unilateral. Muitas vezes parecem torcedores de futebol, falam muitas coisas, defendem um ponto de vista, mas sempre muito rasos.

O coitado do guia, com quem eu já havia passado mais de um dia antes do grupo chegar ficou quieto. Não argumentava, só escutava falarem o quanto as pessoas que votariam no Chaves eram ignorantes. Quando ficamos a sós ele me disse: Eles não entendem, tem uma realidade diferente da nossa. Não ganho nenhum tipo de isentivo (os bolsa-família),  nem a gasolina aqui é financiada. Só porque eu não estudei engenharia (muitos do grupo eram engenheiros) não significa que sou burro, ignorante…

Fiquei quieto. Já tinha falado da corrupção e vários outros defeitos do Chaves para ele no dia anterior. Ele tinha concordado com alguns, mas exposto virtudes também. Pedi desculpas pelos outros e cada um foi para sua rede, fui dormir com a certeza que em relação a inteligencia emocional e empatia,  o índio-guia estava longe de ser o mais ignorante do grupo, muito pelo contrário.

Vista do acampamento pela manhã

 

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